sábado, 19 de setembro de 2009

Música para encantar

A música "O feirante" de João Alexandre em interpretação magistral de Jonas Vianna ao violão e Luciana Negrão.
O caminho é longo, sonhe, porque daqui até a Cidade "é pra mais de tantas léguas".

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Fronteira


“A vida acontece dentro da fronteira que define um corpo. A vida precisa de uma fronteira.” (neurologista Antonio Damásio em “O mistério da consciência”)


Li a frase e fiquei embatucado. Mastigava sentidos. Destrinchava possibilidades. Zanzei em torno do conjunto como mosca sobre um grão de açúcar. Ia e voltava. Explico. O neurologista fazia uma digressão sobre a definição da identidade que constitui, nos humanos, a consciência, e que a partir da interação mente-corpo constituirá uma entidade única e irrepetível.
Começou com a ameba. Analisava que o que constitui um indivíduo é este dentro e fora. Nela é a parede celular que fronteiriza seu corpo. O que difere entre este ser unicelular e o ser humano é o saber-se. Naquela somente a entidade moto-vivente. Naquele um moto-relacional que define um eu e um ele(s).
Sabendo-se ou não, homem e ameba tem um impulso interno que modela sua dinâmica fisiológica, regula processos, busca equilíbrio, que o autor sugere como hemodinâmico em substituição à consagrada palavra homeostase. O ser escolhe o que entra no sistema, alimenta-se, e da energia daí recolhida, consuma seu destino pré-programado que se resume à reprodução em um e em que mesmo no outro?
Em nós tudo é muitíssimo mais complicado. Aquele saber-se supõe escolhas e aí o mundo se torna um labirinto feroz de caminhos para perder-se. Especialidade que consagramos em nome da experiência pessoal, daí que só aprendemos conselhos depois de quebrarmos a cara exatamente naquilo sobre o que ouvimos ou vimos tantas vezes em forma de desastre nos outros. E concluímos pacóvios: bem que me disseram. Qual a vantagem disso?
Por incongruente que pareça, há vantagem. A experiência. Nas filigranas íntimas da tessitura da individualidade a experiência vivida será sempre original porque aquele saber-se significará sua construção também, a vida a tomar infinitas formas, embora o enredo superficial cheire a história velha para as quais, os mais velhos, balançamos a cabeça como que cheios de sabedoria. Nós que desdenhamos das dores alheias com um “isso passa”.
Minha pele é minha fronteira. Meu cérebro olha dentro e fora. Vigia. Analisa. Põe guardas onde pensa que sou permeável. E me vejo contrabandista de desejos. Trafico esperanças outras que apenas acalentam momentaneamente, driblam meu cérebro objetivo. Sou eu quem me saboto e tramo armadilhas. Vejo com isso, se não sou ladino suficiente, minha fronteira traspassada, invadida por pequenos invasores que me desequilibram e descaracterizam, tornando-me um igual à turba. Sou, com isso, mimetizado nas gentes que acorrem à horda maior que se desfaz em imagens iguais – dizem: é a moda, é a cultura, é o estar in – porque ignoram o saber de si.
Nem sempre sei o que seja este meu espaço interno e o mundo. Perco-me tantas vezes que já nem sei onde me achar. O que é meu e o que é do outro? Meu, digo, aquilo que ganhou minha identidade porque foi transliterado por minha linguagem particular. Entendido e ressignificado à minha imagem e semelhança. Mas que, no fundo, é só retalho de todos os que me tocaram com palavras, maldades, alegria, perdão, compaixão. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Quem não chora, não mama


O sueco Ragnar Bengtsson, um pai de 26 anos de idade, iniciou um polêmico experimento para tentar comprovar se ele, como homem, é capaz de produzir leite - e amamentar seus futuros bebês.
"Se houver uma chance de dar certo, e se puder ser provado que o leite masculino contém os nutrientes necessários, será um salto extraordinário", disse Ragnar Bengtsson em entrevista por telefone à BBC Brasil.
Fonte: BBC Brasil

A verdade é que nossa audiência despencou no precipício. Quase gritou o diretor. Estamos perdendo para a emissora do governo que dá sono até em criança com hiperatividade. Digo mais. Ou conseguimos sair do traço ou é rua para todos, inclusive eu. Quero uma ideia que seja. Pode estupefar, escandalizar, amedrontar, causar nojo, não importa.
Dinorildo, auxiliar de serviços gerais, ouvia tudo e ante o silêncio desesperado dos profissionais, levantou a mão para se fazer notar. Era quase como se pedisse desculpas por se intrometer em momento tão solene. O diretor o olhou de cima abaixo e já que ninguém se manifestava mesmo, pediu que se aproximasse. E então? Eu tenho uma ideia. Todos o olharam entre incrédulos e curiosos. Afinal, o Dinorildo por quem ninguém dava nada, estava ali e com uma ideia.
Pode falar... – o diretor olhou o crachá para certificar-se do nome – Dinorildo. Ele riu satisfeito por ter sido chamado pelo próprio nome. É que ouvi o senhor dizendo que queria uma opinião para nossa emissora. Sim, e daí, falou o diretor já exasperado. O senhor também disse que não importava se a opinião fosse causar destrambelho? Sim, sim, vá direto ao ponto. Sim, senhor. Por que não fazemos um reality show? Então é isso sua ideia genial? Ora faça-me o favor.
Dinorildo, a esta altura ganhara confiança ante a platéia que visivelmente ardia de expectativa. O senhor não deixou eu dizer qual é o reality show. Ok, neste deserto de ideias uma qualquer é melhor que  nada. Bota um homem para dar de mamar a uma criança. Quer dizer, a pegada do programa é acompanhar o homem tentando. Eca, que nojo, gritou um. Isso é loucura, disse outro. Tinha que ser de um serviços-gerais para sair ideia do tipo. Calma, senhores, Dinorildo pode ter razão. Pois tenho até um amigo que topa. A mulher dele pariu, mas doente, coitada, não consegue dar de mamar. Ele tá desempregado e o leite tá caro.
O diretor já estava a mil. Imaginem, o público feminino vai se identificar com este novo homem, sensível, participante. Em compensação os homens vão detestar, falou alguém. Nada, dizemos que queremos discutir a participação do homem na criação dos filhos. Mas tem que ser dando o peito? Aí é que está, vamos chocar no início, e isso chama a atenção. Falem mal ou bem, falem de nossa emissora. Vão dizer que estamos desesperados. E estamos, atalhou o diretor, retrucaremos que estamos construindo um novo paradigma na sociedade.
Dinorildo, cadê seu amigo? Traga-o aqui agora. Será que ele topa discutir a sexualidade masculina moderna, afinal, caminhamos para a abolição desta bobagem de divisão por gêneros? Isso a gente vê, diretor. Vou atrás dele agora.
Pedrão, descolei um trampo pra ti. Coisa simples, basta segurar teu filho na frente das câmeras e encostar a cabeça do menino perto do peito e deixar rolar. Vou ter que dar de mamar? Que é isso rapá, vô parecer uma mulher. Bobagem, a grana é boa, dão até bombinha para ajudar. Pagam quanto?  


Como vocês podem ver, este homem que ilustra o texto não é nenhum sueco, é do Sri Lanka e se chama B. Wijeratne. Segundo se diz amamentou a filha depois da morte da mulher. Não houve acompanhamento científico.