A família de um rapaz morto na quarta-feira (14) realizou o velório e o sepultamento de um corpo errado na noite desta quinta-feira (15), no Cemitério São José, em Maceió. O morto que deveria estar no caixão era Adinael João Paes dos Santos, 19 anos, mas os parentes, incluindo os pais, tios e a namorada, não perceberam que a pessoa que velaram se tratava de José André do Nascimento Silva, 21 anos.
Fonte: Do G1, em São Paulo, com informações da TV Gazeta de Alagoas
Eles foram, em vida, parte de uma massa de brasileiros, santos e silvas banais, sem instrução, sem trabalho, sem lenço nem documento, que um dia a morte prematura ceifou violentamente. Esta morte, porém, lhes reservou um protagonismo destes humores negros que por mais que a dor dos familiares exija de nós um respeito circunspecto, não deixa de produzir um riso nervoso. Conta-nos a história sua tia, que foi também quem criou o Santos.
Olhe, digo pro senhor, eu não esperava isso daquele menino. Sei que andava em companhia que não presta. Cansei de dar conselho. Mas quem disse que me ouvia? Nada. Apesar de tudo, parece que começava a ter juízo. Embuchou a Ritinha. Quinze anos, uma menina, chega a dar dó. Mas pelo menos tava falando em procurar emprego pra assumir a responsabilidade. Não se diz que tem que mal que vem pra bem?
Não sei como aconteceu, parece que tava no lugar errado na hora errada veio um carro e paf! Foi um choque pra nós. A Ritinha? Não sei como não perdeu o menino. Até hoje a pobre tá passada. E tem aquilo tudo de burocracia. Tira documentos. Registra não sei quê. Caixão, cemitério... Quem era que podia imaginar? A verdade é que fora o pai dele, aquele desnaturado, todo mundo aqui entrou no remédio para acalmar os nervos. Eu tava anestesiada. Ritinha nem teve coragem de olhar pro caixão com meu sobrinho dentro, deu um monte de bilouras.
Só pode ter acontecido no IML. Mandaram o corpo de um Silva pra funerária. Quem é que ia olhar detalhes? É um morto, não um produto que a gente olha, experimenta e se não gostar, devolve. Agora uma coisa o Silva não pode reclamar, ele foi muito sentimentado.
Agora, lembrando assim loonge, eu achei meu sobrinho meio diferente. Ele tinha barba e bigode e o morto tava de cara limpa. Quando perguntei, sabe o que disseram no IML? Que tinham feito a barba dele e maquiado para disfarçar os machucados. Depois foram dizer que a culpa era nossa de levar o defunto errado, que não olhamos os documentos. Sabe que mais? Pra mim isso é deboche. Que quem procura um morto só pode ser a família. Quer dizer que se qualquer um chegar lá e pedir um morto eles dão?
Nem aquele traste do pai dele, que não tomou nada, só ficou aqui com aquela cara de réu, desconfiou que o defunto não era o filho dele. Disse que fazia tempo que não se viam. Eu aguento uma coisa dessas?
De qualquer forma enterramos o Silva. Só me dá tristeza é porque meu sobrinho ficou lá naquela geladeira do IML, num frio danado esperando, coitado, por um enterro decente. Ainda bem que a família do Silva descobriu. Penaram pra achar a gente pra trocar os defuntos. Já imaginou, o coitado do Silva lá no cantinho dele quieto e por causa do erro destes sem coração do IML teve que ser arrancado de novo?