domingo, 22 de junho de 2014

Engarrafadora de almas



Você precisa, mais do que tudo na vida, ter a alma de Rodrigo Santoro preso em um pote de vidro? Ou quem sabe a alma da Jennifer Lopez? Seus problemas acabaram. A artista gráfica Molly Gates está vendendo potes de vidro que contêm, de acordo com ela, almas.

Fonte: UOL Tablóide (18/06/2014)

Já se vendeu ar engarrafado. Houve tempo em que se ia a certos bares/discotecas para inalar O2 e muitos diziam que até sentiam um barato. Agora mesmo na copa, há quem tenha enlatado o ar das sedes para vender como souvenir. As latas são iguais às de sardinha com bonita estampa e o nome da cidade sede e, garante o espertinho fabricante, na composição é possível sentir aroma de samba, mato da Amazônia, flato do Cristo Redentor, corrupção nas obras e arenas, além de coisas indizíveis.
Na China, que nunca fica atrás em nada, faz tempo que para se ter ar respirável, só comprando. Garrafas customizadas podem ser adquiridas por modesta quantia. Em alguns casos, se o freguês desejar, vendem narizes fresquinhos de executados e ainda em bom estado. Por pequeno extra, dão garantia de origem e quilometragem das cheiradas.
Mas esqueçam-se destas bobagens! Molly, que se autodenomina artista gráfica, elevou esta história de engarrafar ou enlatar coisas ao paroxismo. Ela prende em potes de vidro – do tipo que se coloca palmito – a alma de qualquer um. À venda em sua loja especializada, estão disponíveis vários tipos, de Beyoncé a Justin Bieber. Duvido que eles saibam que andam por aí sem alma. E duvido que a engarrafadora tenha a alma de um Zé pra venda.
Perguntar a Dona Molly para que, exatamente, alguém quereria a alma ensebada de uma celebridade, ela desconversa. Mas fiquei cá me perguntando o que fazer com a alma alheia. Não serve para transfusão, pois ainda não se sabe os fatores Rhs das ditas. Nem é possível reciclá-la. Cheirar não dá, porque é inodora. De repente serve para ser lançada ao mar como uma mensagem para o além. Na tampa, Dona Molly adverte para não soltar a alma. Dizeres sugerem que pode ocorrer algo parecido à hecatombe provocada por aquela menina Pandora. Mas não existem provas cabais a respeito.
A ceifadora de almas esconde a sete chaves a técnica de como se captura uma alma. As más línguas dizem que usa um canudinho desenvolvido especialmente para este fim, digamos, sugador. Como a vítima não percebe que ficou desalmada é outro mistério e ainda não se registrou efeitos colaterais da desalmação. Suspeito que certa idiotia se instale tanto mais tempo a pessoa fique sem a alma.
Desconfio, por outro lado, que alguém tenha desenvolvido técnica ainda mais sofisticada. Quem sabe um tipo de aspirador de almas. Assim, é possível prender montes delas por atacado em algum tipo de tambor com nitrogênio líquido, vai-se saber. Como sei disso? Os detalhes aqui ditos são invenções minhas, mas a julgar pela idiotia reinante – não que madame Molly tenha dado qualquer pista, pois, como diz, é só uma diletante da arte, não uma expert científica – um começa a imaginar que tem muita casca oca zanzando por aí, logo, suas almas foram sugadas.
Alma dá o recheio. Emprega cor, sabor, intensidade aos seus possuidores. O alumbramento com o bater de asas de uma borboleta, de uma manhã que se esgueira por entre árvores. A emoção ao ver os raios de sol que, projetados num fim de tarde, são como dedos acenando uma despedida. A alma vê estas coisas. Ela confere um tipo de sentido e inteligência que se alegra e se delicia com a verdade. Celebra a justiça. Reconhece a maravilha e a pequenez de si mesmo. Expressa e reage ao amor.
Uma alma cresce, amadurece, fica sábia. Os sem alma cambaleiam, tateiam vida por entre suas ações e reações instintivas. São fanáticos. Empedrados. Emburrecem. Celebram a mediocridade, pois se tornam incapazes de juntar pontos para fazer sentido no que veem, ouvem ou, pior ainda, com a vida.
Quer saber se sua alma ainda está aí? Você deu um sorriso hoje? Não o fabricado, protocolar, ou resultante de uma piada chula. Mas que veio com uma lembrança. Sorriso filho de uma alegria por quase nada, só pela bela aventura de estar vivo... e por ter uma alma companheira que corre por aí ou bate asas como um passarinho. Mas cuidado com os Mollyanos. Eles sempre chegam de mansinho e quando um se espanta...