segunda-feira, 18 de maio de 2015

Deus flagelado



Hélio Schwartsman é jornalista da Folha. É ateu. Diferente dos demais jornalistas que tem temas específicos, Hélio fala de quase tudo. Da política à ciência. Não que isso seja um problema, constato um fato. Houve um tempo em que Hélio escrevia muito sobre sua opção não religiosa e, claro, desancava – com alguma habilidade, diria – os religiosos e as religiões. Já chegou a se gabar de seu ateísmo na criação dos filhos.
Ultimamente o tema religioso estava meio esquecido pelo articulista. Ocupava-se de coisas mais mundanas que, aparentemente, pareciam mais urgentes para suas elucubrações. Mas bastou o Nepal estremecer sacudido por um baita terremoto e o ateu despertou. Nada contra qualquer ateu. Uns creem e outros não. O problema é quando o ateu no Hélio resolve parolar argumentos que, supostamente, colocam Deus numa sinuca de bico. Parece Cecília Meireles: ou isto ou aquilo.
Em seu artigo “Flagelo de Deus” (28/04/2015), título já, por si, arrogante e pretensioso, questiona: “Bastam alguns segundos de movimentação das placas tectônicas para produzir doses avassaladoras de sofrimento humano. Como conciliar isso com a ideia de um Deus que é, ao mesmo tempo, onisciente, onipotente e benevolente?” O finado Rubem Alves, que era um agnóstico com pitada de um tipo de fé mística, fez pergunta parecida quando do desastre das cidades serranas do Rio. Perguntou onde estava Deus, parafraseando pergunta semelhante dos judeus ante o horror do Holocausto. Neste quesito, Rubem que fora teólogo em tempos longínquos, havia perdido seu referencial de transcendência há muito. Pelo menos aquele que se refere ao “Totalmente outro” segundo Karl Barth.
O ateu tem um baita problema quando argumenta contra a religião, ainda que muitas de suas críticas sejam corretas. Basta ler Richard Dawkins e Christopher Hitchens, para ficar em dois famosos recentes que se notabilizaram por uma aguerrida militância anti-Deus. O problema o limita sobremaneira, daí que seus argumentos são, quase sempre, irrelevantes para atingir a fé.
Ora, se quero discutir ciência, valho-me dos princípios científicos que o regem. Se quero discutir aspectos técnicos do futebol, devo me ater às regras que o definem. Mas o ateu quer discutir Deus e suas ações ou inércia fora da teologia. E olha que não nos faltam teólogos ateus. Daí que a pergunta sobre a onisciência, onipotência e benevolência divinas, no caso do terremoto e de tantos outros desastres, não faz sentido. As qualificações de Deus nada têm que ver com o desastre. Não se confunde com o sofrimento humano, porque, no mínimo, temos que considerar duas coisas aqui: a causa do mal e o do sofrimento decorrente; a capacidade humana de fazer escolhas. Há uma resposta teológica para isso. Teologia não significa fé cega. Há lógica e sentido, mas deve-se considerar os pressupostos da Revelação como ponto de partida ou de chegada, concordando-se ou não.
É um terremoto, que culpa tem aquelas pessoas que morreram ou perderam tudo? Nenhuma, do ponto de vista de serem mais merecedoras de tal destino trágico. Jesus foi questionado certa vez sobre uns galileus que morreram porque uma torre caiu sobre eles (Lucas 13. 1-5). As pessoas entendiam que eles ou eram azarados ou muito mais pecadores que os demais, pois em pleno sacrifício sofreram uma morte horrível. Jesus nega este raciocínio sobre merecimento ou culpa. Todos estão em igual condição. Faz parte da vida. Acidentes acontecem, terremotos acontecem. Pessoas sofrem. São dados da realidade deste mundo. Não estamos simplesmente condenados fatalisticamente. Coisas boas também acontecem. O próprio desastre nepalês revela um sem número de pessoas que se mobilizaram para ajudar àqueles em sofrimento.
Hélio prossegue: “Se nos aferrarmos à lógica, é forçoso concluir que, se há um ente supremo, ele é menos poderoso do que se apregoa, ou não é tão bonzinho, ou então devemos negar (ou relativizar) a existência do mal.” Ou Deus é bom e nada de ruim pode acontecer neste planeta, ou Deus está alheio e indiferente, ou Deus não é poderoso. Isso é um sofisma. Não há a lógica à qual está preso o argumentador. Exceto em sua cabeça. Erra em misturar Deus e a vida na terra num panteísmo chifrim. Erra em supor o que Deus deve ou não fazer. Confunde o mal acontecimento desastroso com o mal ontogênico, um ser mal, o diabo ou o que seja que explique os desmantelos do mundo.
Novamente usa pressupostos teológicos, sobre os quais, parece, não entende, mas ignora e rejeita suas explicações. Deus criou o mundo bom. Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias, diz o sábio em Eclesiastes (7.29). Este sábio compreende que Deus fez o dia bom e o dia mal. Conclui, talvez desolado: “Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há perverso que prolonga os seus dias na sua perversidade.” (vers 15) Há um sem sentido na vida que é parte da nossa condição e que temos que bancar.
Então, num lampejo de bom senso, Hélio até diz: “Ao contrário de Deus, nós não temos todas as informações e é possível que o que nos pareça um mal ou uma injustiça seja, na verdade, um meio para produzir um bem maior.” Embora sinta alguma ironia na sua fala, ele caminha com o sábio de Eclesiastes neste momento, embora desande logo em seguida.
Chama de teodicéia escatológica o argumento que fez a festa na boca dos comunistas e, depois deles, na teologia da libertação no sentido de deplorar a fé, esclareço. No final, o mal será punido e os bons serão premiados. Não sei se é tão simples assim. Afinal, dizem os ateus, isso é o grande engodo da religião para usar sua faceta dominadora, se não enganadora. Esse reducionismo está longe da complexidade e sofisticação da justiça divina, até porque há, sim, alguma justiça ainda aqui.
Por fim, Hélio provoca os religiosos. Ora, se no outro mundo é tão bom – refere-se, quero crer, aos cristãos, pois os muçulmanos fanáticos morrem aos montes na expectativa do paraíso com as 72 virgens e tal – os crentes não parecem tão ansiosos por esta próxima vida, cutuca. Que eles não demonstram apetite especial pela morte, enfatiza. E antão se torna palpiteiro. Ele suspeita que a ilusão da religião afeta apenas a parte mais recente do cérebro evoluído, aquela primitiva, reptiliana, essa carregada de instintos básicos de sobrevivência, esta imune às “viagens” da religião. 
Hélio é coerente até o fim. Uma vez agarrado a seu raciocínio, termina como um abraço de afogado. Não o culpo. Coerência é algo que tem valor, mesmo quando nos leva a conclusões equivocadas. É claro que o jornalista pode falar o que quiser, mesmo que beire a desonestidade intelectual quando trata a questão de forma tão superficial e em recusa de considerar que outros dados estão envolvidos. Uma pessoa de fé não é leviana se não anseia pela morte. Não trai sua crença se ama a vida que tem aqui, mesmo neste vale de lágrimas. A vida eterna de que fala Jesus, começa aqui. Paulo diz em certa ocasião: “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho. Mas, se o viver na carne me der fruto da minha obra, não sei então o que deva escolher. Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor. Mas julgo mais necessário, por amor de vós, ficar na carne. E, tendo esta confiança, sei que ficarei, e permanecerei com todos vós para proveito vosso e gozo da fé...” (Filipenses 1.21-25)

domingo, 17 de maio de 2015

Uma estátua já para o Pedrão!



O ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE) foi ouvido nesta terça-feira (12) pela CPI da Petrobras para falar sobre a suspeita de ter recebido cerca de R$ 5 milhões para recursos de campanha de uma candidatura à Câmara Federal. Preso após condenação no julgamento do mensalão e suspeito de envolvimento no esquema descoberto pela Operação Lava Jato – que o levou a ser encaminhado para a carceragem da Polícia Federal em Curitiba–, Corrêa resumiu sua situação na CPI da Petrobras dizendo que poderia sair dali "tripreso".

Fonte: UOL (15/05/2015)

Nem o Supremo, com sua sanha legisladora, fora capaz de pensar ideia tão sofisticada. Dizer que as duas casas legislativas também não pensaram em tal dispositivo para engendrar uma lei, dispensa dizer também.  Não por que sejam burros, mas porque não se atira no próprio pé. Diga-se tudo de seus componentes, mas que sejam virgens suicidas, isso não.
Às vezes, as ideias mais incríveis são fruto do puro acaso, mas, de certo, de uma mente com algum brilho para percebê-la ali entre o xerém de ideias ridículas que infestam as nobres cabeças de nossos legisladores. Se bem que, a ideia surgiu de um ex-deputado. Um homem ímpar. Nascido e moldado à perfeição no mister de suas excelências, a saber: ser membro de um partideco de aluguel, eleger-se com parolagens, achacar o Executivo, fazer trambicagem com estatais e enriquecer através de inúmeras e criativas formas que o cargo permite. Tudo isso era como respirar para Pedro Correa.
Num lampejo, não de genialidade, mas de puro realismo e uma pitada de cinismo, ele se encaminhava para mais uma das dezenas de sessões de perguntas sobre suas traquinagens e concluiu, como quem foi tocado pelo deus Heureka: “o máximo que pode me acontecer na CPI, além de ser bipreso, é ser tripreso”. Eis um homem especial. Transita entre os dois maiores escândalos da República, foi condenado pelos dois e conseguiu, inclusive, driblar uma das condenações, pois não só não trabalhava em sua prisão, como foi pego bebendo num restaurante, o que não podia fazer. Só a parte da bebida alcoolica, por suposto, a bem da moralidade na esculhambação que é este país.
Mas no que consiste alguém ser bi ou tripreso? Simples. O sujeito recebe duas condenações ou mais conforme o prefixo indica. A gente pode especular que se enjaulasse o indivíduo dentro de uma caixa e esta noutra, como uma matrioska. Aqueles pequenos sarcófagos russos em que se encontra uma boneca e outra dentro e outra... assim ad infinitum.
Nos EUA pode-se receber três sentenças ou mais, sendo que uma delas ou duas, podem ser perpétuas mais vinte e cinco anos, por exemplo. É hilário. Em terras de Vera Cruz, se adotaria a nomenclatura como as vitórias em um campeonato de futebol. Como temos certa disposição de achar que preso é tudo coitadinho e vítima da perversa situação socioeconômica, damos um tratamento politicamente correto à palavra. Já imaginou? Cada preso pode competir com seu companheiro ou torcer pelos mais notórios. Entre políticos, funcionaria como uma marca que atestaria quão eficiente o sistema judiciário estaria trabalhando.
A depender da quantidade de campeonatos, quero dizer, prisões a que um réu fosse submetido, estaríamos na prática instituindo a prisão perpétua, mas para não incorrer em tal desmantelo, as prisões não poderiam passar de seis meses, com todos os direitos proporcionais de tempo para as progressões de regime. Como forma de amenizar este flagelo aos políticos, seriam mantidas todas as vantagens da deduragem. 
Ocorre-me que no presente momento, parece que um político ser preso está se tornando de marca de vergonha em dragonas de batalhas vencidas. Medalhas que o Mutley recebia do Dick Vigarista. Um político deve sentir orgulho como o faz Pedro Correa. Para que pudor, se ele tão somente foi exímio na arte? Para que o rubor na face se ele cumpriu seu papel habilmente? É um sortudo. Um gênio entre os seus pares. Uma estátua já para o Pedrão!