Desde os anos
1990 o politicamente correto – que não assola apenas as relações entre as
pessoas –, por uma espécie de efeito colateral, invadiu também a cultura, seja
religiosa ou mundana. Por exemplo, nos EUA as grandes redes de lojas passaram a
adotar a expressão Happy Hollidays para fazer suas campanhas de Natal, em vez
do tradicional Merry Christmas que definia com mais exatidão o período da festa
cristã. A razão desta insanidade é que a sociedade americana, como ademais toda
sociedade democrática, é diversa religiosamente e o fato da loja destacar uma
religião em particular estaria, por extensão, discriminando quem era de outra
religião. A razão verdadeira é que travestido de respeito à diversidade
religiosa, o capital quer vender para o maior número de pessoas e o “feliz
feriado” insípido e neutro atrairá qualquer um. O capital não tem preconceito
com dinheiro de quem seja, desde que os cofres continuem enchendo.
Pela perspectiva
religiosa-cultural, a falácia do raciocínio é chocante. Ainda mais quando é
fácil constatar: a sociedade e cultura americanas são definidas fundamentalmente
pelo seu cristianismo, especialmente o protestante. Um exemplo? Sem os negro
espirituals, não haveria jazz nem blues.
Como é fácil perceber,
o que o politicamente correto tenta é dar uma igualdade a todas as coisas, de
tal modo que o contraditório, a discordância ou a menor diferença sejam como
que extintas e as pessoas, em tese, seriam mais respeitosas umas com as outras.
É como se vivêssemos na barbárie, no estado de natureza como afirmou Hobbes, e
o politicamente correto nos salvou.
O resultado,
porém, é uma sociedade de patrulhadores comportamentais, gente enfatuada,
assomada de direitos, e os demais pisando em ovos por puro medo de falar algo
inoportuno e que ferirá, certamente, alguma minoria que eles sequer conhecem.
Outro efeito que percebo é a infantilização das pessoas que, incapazes de se
sustentar para se defender ou se colocar assertivamente em seus pontos de vista,
por exemplo, recorrem à muleta do politicamente correto que tem seu próprio cânon
de regras e leis a dizer os “podes” e os “não podes”. Temos uma sociedade menos
espontânea, superficial, materialista e totalmente contingenciada pelo labirinto
de comportamentos que se deve ter em público para atender as minúcias da infindável
lista de palavras, ideias e, claro, comportamentos, que foram inseridos no
índex do politicamente correto.
Antes que um
desavisado ou maldoso infira que discordo da proteção social a grupos que
realmente precisam de ajuda, afirmo que não é isso, mas se por sua realidade, verdadeira
ou suposta, qualquer grupo é elevado ao status de onipotência e a uma posição
tal que não pode ser contestado, como se sua condição lhe desse o condão de ser
puro e infalível, sim, me oponho.
O politicamente
correto distorce valores, recria castas, regride as pessoas emocionalmente e
lhes dá uma posição de verdade e absolutização de suas ideias e posições
políticas. Atender às suas demandas quase sempre estão associadas às ideias de
justiça, reparação e igualdade, termos que, convenhamos, têm poder por si mesmos,
pois quem será contra realizar estas coisas? A questão, porém, é que no agir destes
minoritários estes pressupostos são usados como fatores de constrangimento e
inculcação de culpa em quem nada tem que ver com isso, especialmente se o que
reclamam aconteceu num passado longínquo, mas é culpado ou porque tem posses ou
tem uma cor específica.
É tal a
contaminação desta forma de ver a vida que tanto faz o que for, desde que a maioria
de minorias aprovem. Eu que tenho o azar de não ser parte de nenhuma minoria –
nem desejo – estou virtualmente num limbo. Estou com todos os outros quase
sempre vistos em oposição às centenas de minorias com suas razões imaculadas. E
eu só preciso ser diferente deles.
Assim me deparo
com a campanha do dia das mães da Potiguar/Terra Zoo, cuja frase é um primor
desta filosofia que aqui deploro: Mãe de pet também é mãe. Vejam, não
contradigo qualquer valor afetivo ou utilidade de se ter um animal em casa, até
mesmo como efeito terapêutico, como afastar a solidão. De fato, existem estudos
que indicam o benefício de se ter um bicho de estimação entre idosos, crianças
e pessoas com algum problema de saúde. Mas este não é o ponto, mas a elevação
das relações afetivas entre pessoas e animais ao nível das relações inter-humanas.
A foto icônica que define aquela campanha das empresas co-irmãs é um cachorro
lambendo o rosto de uma jovem mulher e a palavra “mãe” cobrindo quase toda a
foto.
O que acontece
aqui nesta foto “inocente”? As mães foram rebaixadas ou o cachorro foi elevado?
Se é certo que muitas pessoas, chamam cachorros especialmente de “filhos”, a
questão não é só semântica, como se pudéssemos usar as palavras como bem entendermos.
No caso aqui, define uma realidade repetida à exaustão que neste texto não é
possível avaliar. Para quem fala é ipsi
literis o sentido de um filho, gerado nas entranhas, embora o tal bicho
desconheça, por óbvio, que aquela pessoa seja sua mãe de verdade, mas reage ao
ser tratado com cuidado. É um animal meramente condicionado, sem desmerecer o
fato.
É tal a situação
horrenda gerada pelo politicamente correto que um caso recente, mesmo tendo
sido no Supremo Tribunal Federal, que se gaba de não ouvir a voz roucas das
ruas, mas apenas as leis ou a Constituição – uma mentira –, teve lugar no imbróglio
da proibição da vaquejada. Pouco antes daquela decisão, o juiz contrário mais
aguerrido conta a vaquejada, sua excelência Luís Barroso, avançou para além da
Constituição que deve defender, a despeito de suas ideologias pessoais, e
decidiu que um feto até o terceiro mês pode ser perfeitamente abortado, sem que
nem médico que pratica o aborto, nem a mãe incorram em crime. O Código Penal
diz que abortar é crime. Li a piada em algum lugar que o ministro dá mais valor
ao rabo de um boi do que a um ser humano.
A única forma
de enfrentar o politicamente correto é com a verdade e a defesa do direito de
todos igualmente. É acusar o coitadismo que esta forma de pensar cria; é
substituindo o elemento pena pela compaixão nas relações humanas; é afirmar o
valor de princípios que são perenes contra a lei do vale tudo que deseja forjar
um tipo de igualdade burra.