sábado, 6 de maio de 2017

Mãe de pet também é mãe

Desde os anos 1990 o politicamente correto – que não assola apenas as relações entre as pessoas –, por uma espécie de efeito colateral, invadiu também a cultura, seja religiosa ou mundana. Por exemplo, nos EUA as grandes redes de lojas passaram a adotar a expressão Happy Hollidays para fazer suas campanhas de Natal, em vez do tradicional Merry Christmas que definia com mais exatidão o período da festa cristã. A razão desta insanidade é que a sociedade americana, como ademais toda sociedade democrática, é diversa religiosamente e o fato da loja destacar uma religião em particular estaria, por extensão, discriminando quem era de outra religião. A razão verdadeira é que travestido de respeito à diversidade religiosa, o capital quer vender para o maior número de pessoas e o “feliz feriado” insípido e neutro atrairá qualquer um. O capital não tem preconceito com dinheiro de quem seja, desde que os cofres continuem enchendo.
Pela perspectiva religiosa-cultural, a falácia do raciocínio é chocante. Ainda mais quando é fácil constatar: a sociedade e cultura americanas são definidas fundamentalmente pelo seu cristianismo, especialmente o protestante. Um exemplo? Sem os negro espirituals, não haveria jazz nem blues.
Como é fácil perceber, o que o politicamente correto tenta é dar uma igualdade a todas as coisas, de tal modo que o contraditório, a discordância ou a menor diferença sejam como que extintas e as pessoas, em tese, seriam mais respeitosas umas com as outras. É como se vivêssemos na barbárie, no estado de natureza como afirmou Hobbes, e o politicamente correto nos salvou.
O resultado, porém, é uma sociedade de patrulhadores comportamentais, gente enfatuada, assomada de direitos, e os demais pisando em ovos por puro medo de falar algo inoportuno e que ferirá, certamente, alguma minoria que eles sequer conhecem. Outro efeito que percebo é a infantilização das pessoas que, incapazes de se sustentar para se defender ou se colocar assertivamente em seus pontos de vista, por exemplo, recorrem à muleta do politicamente correto que tem seu próprio cânon de regras e leis a dizer os “podes” e os “não podes”. Temos uma sociedade menos espontânea, superficial, materialista e totalmente contingenciada pelo labirinto de comportamentos que se deve ter em público para atender as minúcias da infindável lista de palavras, ideias e, claro, comportamentos, que foram inseridos no índex do politicamente correto.
Antes que um desavisado ou maldoso infira que discordo da proteção social a grupos que realmente precisam de ajuda, afirmo que não é isso, mas se por sua realidade, verdadeira ou suposta, qualquer grupo é elevado ao status de onipotência e a uma posição tal que não pode ser contestado, como se sua condição lhe desse o condão de ser puro e infalível, sim, me oponho.
O politicamente correto distorce valores, recria castas, regride as pessoas emocionalmente e lhes dá uma posição de verdade e absolutização de suas ideias e posições políticas. Atender às suas demandas quase sempre estão associadas às ideias de justiça, reparação e igualdade, termos que, convenhamos, têm poder por si mesmos, pois quem será contra realizar estas coisas? A questão, porém, é que no agir destes minoritários estes pressupostos são usados como fatores de constrangimento e inculcação de culpa em quem nada tem que ver com isso, especialmente se o que reclamam aconteceu num passado longínquo, mas é culpado ou porque tem posses ou tem uma cor específica.
É tal a contaminação desta forma de ver a vida que tanto faz o que for, desde que a maioria de minorias aprovem. Eu que tenho o azar de não ser parte de nenhuma minoria – nem desejo – estou virtualmente num limbo. Estou com todos os outros quase sempre vistos em oposição às centenas de minorias com suas razões imaculadas. E eu só preciso ser diferente deles.
Assim me deparo com a campanha do dia das mães da Potiguar/Terra Zoo, cuja frase é um primor desta filosofia que aqui deploro: Mãe de pet também é mãe. Vejam, não contradigo qualquer valor afetivo ou utilidade de se ter um animal em casa, até mesmo como efeito terapêutico, como afastar a solidão. De fato, existem estudos que indicam o benefício de se ter um bicho de estimação entre idosos, crianças e pessoas com algum problema de saúde. Mas este não é o ponto, mas a elevação das relações afetivas entre pessoas e animais ao nível das relações inter-humanas. A foto icônica que define aquela campanha das empresas co-irmãs é um cachorro lambendo o rosto de uma jovem mulher e a palavra “mãe” cobrindo quase toda a foto.
O que acontece aqui nesta foto “inocente”? As mães foram rebaixadas ou o cachorro foi elevado? Se é certo que muitas pessoas, chamam cachorros especialmente de “filhos”, a questão não é só semântica, como se pudéssemos usar as palavras como bem entendermos. No caso aqui, define uma realidade repetida à exaustão que neste texto não é possível avaliar. Para quem fala é ipsi literis o sentido de um filho, gerado nas entranhas, embora o tal bicho desconheça, por óbvio, que aquela pessoa seja sua mãe de verdade, mas reage ao ser tratado com cuidado. É um animal meramente condicionado, sem desmerecer o fato.
É tal a situação horrenda gerada pelo politicamente correto que um caso recente, mesmo tendo sido no Supremo Tribunal Federal, que se gaba de não ouvir a voz roucas das ruas, mas apenas as leis ou a Constituição – uma mentira –, teve lugar no imbróglio da proibição da vaquejada. Pouco antes daquela decisão, o juiz contrário mais aguerrido conta a vaquejada, sua excelência Luís Barroso, avançou para além da Constituição que deve defender, a despeito de suas ideologias pessoais, e decidiu que um feto até o terceiro mês pode ser perfeitamente abortado, sem que nem médico que pratica o aborto, nem a mãe incorram em crime. O Código Penal diz que abortar é crime. Li a piada em algum lugar que o ministro dá mais valor ao rabo de um boi do que a um ser humano.
A única forma de enfrentar o politicamente correto é com a verdade e a defesa do direito de todos igualmente. É acusar o coitadismo que esta forma de pensar cria; é substituindo o elemento pena pela compaixão nas relações humanas; é afirmar o valor de princípios que são perenes contra a lei do vale tudo que deseja forjar um tipo de igualdade burra.

“E mais: então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia.” (Irmãos Karamazov - Fiódor Dostoiévski)