A mentira
tem sempre a mesma natureza, ela pode ter muitas formas e nomes. Há uma recente
que ganhou as mídias do mundo todo. Não é uma definição nova da mentira. É
apenas a mentira com novo nome, quase bem ao gosto da sanha politicamente
correta que vê em algumas palavras uma agressão ou discriminação ou preconceito
e deve, por isso, ser substituídas por expressões amenizantes. A mentira agora
é: “fatos alternativos”.
Convenhamos,
assim parece algo simpática e inofensiva. A expressão foi cunhada pelo staff do
presidente Trump ao defender seu porta-voz que teria dito mentiras rasteiras e
descaradas sem pejo algum. Mario Quintana, o poeta, disse certa vez que “a
mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”. Dito desta forma, entre a
ironia e o chiste, somos tomados de simpatia, não pela mentira, mas pela verve
do poeta. A trupe do Trump não tem essa leveza e molecagem. Eles alteram a
verdade com as palavras, não importando quão nus sejam os fatos que desdizem.
Há uma
verdade na mentira. Ela não consegue deixar de ser quem é. Travestida de
qualquer cor, artimanha, aparência, ela sempre será, por natureza, algo que
mimetiza a verdade, eis sua força. A mentira tem infinitas funções. Há quem
queira acreditar na mentira, pois a verdade é muito dura ou lhe é aversiva.
Como há aqueles que são simplesmente enganados por algo falso. Se for uma
mentira óbvia, possivelmente o enganado é uma mente simplória ou
deliberadamente preferiu a mentira à verdade.
A mentira
encobre o mal feito. Por momento e até por um bom tempo. A mentira põe dúvida,
o que é bastante para se tornar forte e com cara de verdade para os que querem
crer. Pode ser por mero cinismo, neste caso, a mentira da qual se apropriou não
o engana, ele é agora parte dela à qual se apega entusiasticamente.
Tem quem
minta não com o propósito de enganar, mas de apenas colocar em contraste mesmo
a verdade mais escancarada. Ele se afirma na mentira tal como é bípede. Pessoa
assim pode ser movida por inúmeras coisas, uma delas é a arrogância de quem
odeia perder. Pode ser uma brutal incapacidade de aceitar limites. Como pode
ser também uma infeliz fraqueza de nunca conseguir ganhar nada e ao mentir se
torna aquilo que não é. Os que estão em baixo e os que estão por cima, mentem.
Cada qual com seu propósito.
A mentira
confunde. Se for afirmada com suficiente energia, como o diria Goebbels, pode
até ganhar status de verdade. É assim quando todos repetem a mesma coisa sem
questionar. Todos veem o rei nu, mas ninguém tem coragem de dizer, pois temem
perder algo. Até que alguém que não se dá conta destas contabilidades, que não se
perde nos labirintos dos jogos de interesse, diz inocentemente: o rei está nu!
O tipo de
mentira a qual me refiro no início do texto tem atrás de si um imenso poder,
daí porque, paradoxalmente, não tem a pretensão de enganar a ninguém. O poder
os faz desenganar a verdade, pois não pretendem que se acredite neles. Um tipo
de pudor que me escapa os faz falar a mentira alternativa. É evidente que esta
impudicícia pode ser a reles inescrupulosidade associada a um excesso de
autoconfiança. É um modus vivendi. A
mentira nesse tipo de gente é tão involuntária como o respirar, nos lembra
Machado de Assis.
Os praticantes dos “fatos alternativos” não pretendem a crença no que
dizem. Apenas ofertam uma versão dos fatos para aqueles que já desejam, por
infindáveis razões, crer no que dizem. É apenas dizer aos tolos ou irados o que
querem ouvir. O quadro é septicêmico. Os que têm ouvidos para ouvir os “fatos
alternativos” se anestesiam com a suposição de que seus anseios serão, enfim,
atendidos. Mas nada se lhes dará, exceto frustração e mais ira. O diabo, se lhe convém, cita as Escrituras
para seus propósitos.