quinta-feira, 28 de maio de 2009

Quem tem medo de dúvidas?


“E compadecei-vos de alguns que estão na dúvida;” Judas 1:22 (ARA)

 

O minúsculo livro de Judas, no Novo Testamento, é um escrito para um momento extremamente preocupante. Não muito diferente de hoje, diga-se. Doutrinas várias haviam se disseminado, aproveitadores se faziam passar por pastores e exploravam a fé dos incautos cristãos que ainda não conheciam suficientemente as verdades evangélicas.

A descrição sobre estes homens é dura. São os que promovem divisões, seguem suas próprias paixões, brutos sem razão, a quem Judas compara como mares sujos, estrelas errantes, nuvens sem água, sonhadores alucinados. No final da epístola, Judas dá conselhos para que seus leitores se fortalecessem no que ele chama de fé santíssima, não esquecendo, contudo, todos aqueles que ainda tivessem dificuldade em viver plenamente as palavras de Cristo.

Em sua lista, ele relaciona “alguns que estão na dúvida” e pelos quais pede misericórdia. É possível que no contexto se pense em algo muito ruim sobre este grupo de pessoas. De fato, eles parecem estar enquadrados como vacilantes, como diz a Edição Pastoral, portanto, mais suscetíveis aos lobos devoradores. Há, porém, outras possibilidades para a palavra grega diakrino (dúvida) utilizada neste versículo.

Além da óbvia significação de hesitação, ela guarda em seu sentido também o “aprender por meio da habilidade de ver diferenças, tentar, decidir”; “determinar, julgar, decidir uma disputa”; e até mesmo “opor-se, lutar com disputa, contender”. Ora, estes sentidos são plenamente compatíveis e até desejáveis para um saudável exercício da fé. Diria – espero não estar misturando coisas diferentes – que há um encontro com a fala de João (1 Jo 4.1) na qual ele pede que os crentes provem os espíritos para saber se são de Deus ou de falsos profetas. A palavra provar neste versículo é dokimazo, que significa julgar, testar, examinar.

A dúvida, portanto, pode perfeitamente ser um instrumento de julgamento de algo que se nos apresentam como verdade, mas que, por algum motivo, confronta algo em que já se crê. Afasto aqui aquela dúvida que, ao contrário da vacilação por causa da ignorância, carrega em sua pança a enfatuação e até boa dose de cinismo. É provocativa porque falta ao que a esboça o respeito e a decência pela verdade ou pelo outro que a afirma. É puro deboche, não se afirma em fatos, apenas reflete uma agressividade covarde de todos aqueles que não têm argumento, mas não querem ceder seu apedeutismo para não se sentirem por baixo. Estes são o retrato da empáfia.

Li na revista “Cristianismo Hoje” uma entrevista com o pastor americano Rob Bell em que ele conta que promoveu em sua igreja a “Noite da dúvida”. As pessoas trariam suas dúvidas – inclusive ele –, colocariam numa urna e de lá algumas seriam retiradas para leitura pública e uma discussão para dirimi-las tanto quanto fosse possível.

A certa altura ele diz: “...trazer questões e dúvidas é uma forma de respeito a Deus.” No que minhas dúvidas, que não são poucas, ou as suas, representam respeito a Deus? Penso em quatro motivos, pelo menos: 1. Eu não sei tudo, nem uma milésima parte do “tudo”; 2. Minhas dúvidas sinceras me fazem voltar ao Senhor e diante dele, em humildade, buscar esclarecimento; 3. É uma habilidade, como um dos significados sugere, para aprender por comparação, percebendo as diferenças entre uma coisa e outra e, passo seguinte, fazer escolhas; 4. A dúvida é um instrumento de luta contra aquilo que não conheço, mas que fala de algo familiar para mim, por exemplo, no campo religioso. Paulo, ao falar aos bereanos, não lhes trazia exatamente uma verdade nova, algo que lhes fosse completamente desconhecido.

Carregamos dúvidas e pouco nos importamos com elas, porque precisamos satisfazer demandas da doutrina da igreja à qual se pertence, à opinião dos outros e porque elas, nos ensinaram, são ameaçadoras. Quem tem medo de dúvidas, à parte dos que fomos ensinados a temê-la? Todos aqueles que esboçam valores comprometidos, manchados por interesses, que tentam defender uma construção teológica ou doutrinária alçada ao posto de “verdade”. Cada qual que está comprometido com partidarismos intelectuais e religiosos elevaram sua forma de ver a um patamar inquestionável. Mas o que não pode ser questionado em nossas verdades transitórias?

Não há resposta para tudo. Mas isso incomoda a muitos. Mas até onde é possível afirmar, no campo da fé, temos o suficiente para viver de forma digna diante do Senhor. Afinal, o que ele quer de nós? Respostas para o insondável, que sejamos doutores em seus profundos mistérios? Ouso dizer que não. Talvez se disser que Ele deseja obediência, fidelidade, haverá tremenda discussão como cada um viverá estas coisas, mas talvez, se disser que Ele tão somente quer que imitemos seu Filho, torno tudo tão amplo que uns e outros desistirão de explorar a forma dessa imitação.

Mas, pensemos: imitar a Cristo, na verdade pedir toda a ajuda do céu nesse intento, porque estamos sempre sabotando este projeto com nossas infindáveis idiossincrasias, é mais fácil, apesar de tudo. Embora todo nosso tempo será consumido neste propósito, daí porque não teremos tempo para eleger esta ou aquela igreja/doutrina como a melhor e depois nos desgastarmos tentando defendê-la. Ele sempre acolheu a todos. Não fez separação entre as pessoas. Não prejulgou. Amou, por fim, se não custarei a acabar a lista.

Explore suas dúvidas sem medo, pois tanto quanto são expostas, menos perigosas ou amedrontadoras serão. É possível que você enfrente problemas, mas se as suas dúvidas não se absolutizarem em você, não haverá maiores consequências, porque elas não serão a verdade, mas a tentativa de aproximação dela, com temor e tremor, digo.

Foto: A dúvida - Misha Gordin

terça-feira, 26 de maio de 2009

Faltou revisão

Não sei , devo estar com estrabismo. Tem algo errado com esta capa, não tem não?

Com quantas gaiolas se faz um popozão?


Por vários lugares da cidade se anuncia em outdoors, ilustrados por fotos enormes, das partes pudendas traseiras das bailarinas, todas elas em posições oblíquas, o show de funk Gaiola das Popozudas.

 

A cidade ainda carregava ares ancestrais de um provincianismo teimoso. Bem verdade que cada vez mais envergonhado. Muito daquilo que era pecado mortal, seja de etiqueta ou de comportamento, apareceu primeiro nas famílias mais tradicionais, pelo menos no aspecto de ganhar publicidade. Entre os do andar de baixo, a bagunça já corria às escancaras há tempos.

Enfim, se anunciava o show Gaiola das Popozudas, direto da cidade maravilhosa, estreado pelas dançarinas Leidjane Rebecca, Selênia Carla e Roberta Patrícia. Todas moças muito bem aquinhoadas daquilo que se diz ser patrimônio nacional, a saber, a bunda. Rejeitaram os apelidos frutíferos porque, diziam, não ficava bem para a imagem artística sofisticadas delas. Melancia, meu filho, se encontra em qualquer feirinha de ponta de rua, dizia a mais saída do trio.

O show consistia, como o nome já sugere, em se colocar as meninas trancafiadas numa gaiola e lá fariam suas performances acrobáticas que consistiria apenas em movimentos repetidos da região da alcatra, fazendo com que os glúteos avantajados se movessem em ondulações rítmicas laterais, frontais, para cima e para baixo. A vantagem da gaiola era dupla, evitava que algum espectador quisesse passar às vias de fato e mexia, afirmavam, com as fantasias masculinas. Coisa comprovada cientificamente, afirmavam os promotores.

As meninas cantariam, como não? Algo próximo ao ado, ado, ado, cada qual em seu quadrado. Para as auriculares mais sensíveis se podia emprestar protetores – por módica quantia –, porque o som era tão alto que nem regueiro maranhense aguentaria. Ademais, o espetáculo era mais, digamos, visual, do que propriamente auditivo. A vibração produzida no chão, mesas e cadeiras, eram suficientes para marcar o balanço.

Como parte da promoção, as meninas fizeram um passeio na Rua Grande. De quando em quando paravam, agachavam quase ao chão, de pernas abertas, e colocavam o indicador na boca, enquanto lançavam olhares lúbricos para os passantes boquiabertos. O rebuliço foi grande. Não foram exatamente às compras, mas vender seu produto, este embrulhado em peças minúsculas que de tão pequenas subsumia nas reentrâncias da costa maranhense. Uma delas, em entrevista, reclamou que elas não eram apenas uma carinha bonitinha, tinham talento. O diabo é que ninguém nunca reconhecia a cara de nenhuma, até porque as fotos e filmes promocionais do show não mostravam este detalhe anatômico.

Mas, convenhamos, em tempos de internete, ver coisas do arco da velha é mais comum que a dengue, por isso não se pode dizer que os homens estivessem particularmente interessados. Adolescentes, talvez, mas como as incertas que dona justa pudesse dar num show desta categoria fosse possível e problemático, os promotores estavam meio ressabiados em vender ingressos para esta categoria etária. Mas tudo se ajeita. Podia-se alugar uma carteira estudantil descartável de um curso madureira fictício, apenas para o caso de ter que mostrar que a idade era compatível. Dona justa gosta mesmo é de papel, então...

Movimento grande mesmo aconteceu nas hostes feministas. Promoveram passeata ressuscitando velhos jargões que, ainda mocinhas, lá pelos anos 60, São Luís só ouvia falar e elas não podiam manifestá-lo, até porque naqueles idos, só queriam uma coisa: encontrar um bom rapaz e casar, embuchar e cuidar da casa. Mas prometiam queimar sutiãs e rasgar calcinhas em plena Deodoro em protesto àquele show que transformava a mulher em objeto de consumo, promovia a menos valia do corpo feminino, e ainda por cima transformava, pela metáfora da gaiola, a figura da mulher numa espécie de animal de estimação do homem.

Logo havia um bate-boca nos jornais. As artistas devolveram chamando as feministas de recalcadas, feias e, supremo xingamento, gordas. As feministas retrucaram que elas eram seres vulgares e denegriam a classe. Como resultado da malquerença, cada qual prometia manifestações mais audaciosas. Perguntem-me quem ganhou. As feministas. Ora, bunda balançando se vê em qualquer lugar e a toda hora, agora, sabe-se lá o que é ver uns estrupícios gritando palavras de ordem e fazendo fogueira de corpetes e calçolas em praça pública, isso sim, é que seria um show.