segunda-feira, 7 de março de 2011

Baticumbum

É CARNAVAL, mas a festa da carne, de onde vem o sacroprofano nome, virou a orgia dos corpos artificiais. Deram um truque na lição de anatomia clássica.
Não se trata de uma queixa moralista, como fizemos, de modo conservador, quando surgiram as primeiras criaturas siliconadas da nova era.
Cada um esculpe a massa corporal à modinha do seu espelho narcisista, não é mesmo? Assim ficamos democraticamente combinados.

Fonte: Folha de S. Paulo (XICO SÁ)

Marina Morena é destas mulatas carnudas, fartudas... que mais? Quartuda. Tanta abundância, entretanto, encontrou adversária dura na queda, eis porque na última temporada carnavalesca perdeu a chance de ser rainha da bateria do bloco “Muito socó pra um socó só coçar”. Não sem grande debate causado pela, vá lá, nova estética da mulatice. Também pudera, veio a Ritinha que apareceu no bairro depois de uma boa temporada fora. Completamente desconhecível. Não fosse um sinal de nascença na bochecha, algo parecido ao inesquecível sinalete arrebatador da Marilyn. Única coisa que salvava a Ritinha na adolescência. O resto era de matar.
Acontece que um gringo apaixonou-se perdidamente por Ritinha. Eis a verdadeira encarnação de que o amor é cego. Com os euros do namorado, Ritinha pôs tudo que lhe faltou nas carnes magras esculpidas pela fome e o sobe e desce do morro. Cabelos, dentes, lábios, peitos, barriga, bunda, panturrilhas e saltos estratosféricos.
Zé da Cuíca e Zé do Ripinique, juízes e membros da velha guarda da bloco, tiveram problemas em definir o voto. Diga-se, apenas os dois podiam decidir sobre a rainha da quadra. Um golpe no estatuto da escola dava aos dois matreiros o comando vitalício e o desmando a cada carnaval. Eram unha e carne, menos desta vez. A discussão começou porque, na apuração dos votos, cada um votou numa mulata diferente.
Zé da Cuíca defendia as mulatas, como dizia, de verdade, naturais assim como nasceram. Zé do Ripinique, sempre o mais saído, admirava a modernidade. Que mal há, perguntava, na mulata aperfeiçoar aquilo que Deus lhe deu? E as estrias e a celulite, que é o que dá a malemolência, a cadência da nega no samba? Que celulite o quê, rapá, tá doido? Tu tem que olhar é se a nega sabe sambar, é os atributos... Atributo de quê? Ora, os atributos! Ripinique, a tua mulata parece um travecão, rapá, a mulher é só músculo e plástico. Plástica, você quer dizer, o que você bem poderia fazer neste narigão. Não apela!
Tudo bem, Ripinique, e as curvas, cadê as curvas da tua nega? É o que mais ela tem, só ganha dela os prédios do Niemayer. Tô falando de curva, como as das estrada de Santos, coisa pra fazer o sujeito entortar o pescoço, sentir uma friagem na barriga. Tu tá descrendo uma mulher ou uma montanha russa?
A discussão seguia solta, então resolveram apelar para os sambistas na quadra. Por decisão unânime entre os dois, decidiram que Marina e Ritinha sambariam para delírio de todos os presentes e, por primeiríssima vez, os dois aceitariam a votação da maioria. Meste surdo foi instruído para calibrar a bateria porque o momento era muito delicado. Que o samba vencesse, concordaram.
A bateria sapecou e as duas saracotearam como se fossem duas britadeiras. Meia hora depois, mestre Tambor faz dois breques e estaca. Paticubum, paticubum, pra-ti-BUM. O povo vibrou. Qual das duas? Perguntaram. As duas, as duas, as duas. Urraram encantados. As duas não pode, disse Cuíca, no que concordou Ripinique. Meste Tambor, sapeca a bateria outra vez.
Várias outras vezes seguidas e a massa não conseguia decidir, então, na última rodada, por um destes azares, Marina e Ritinha, exaustas, uma dando uma voltinha enquanto se agachava e a outra enquanto dava um saltinho, despencaram no chão e só levantaram carregadas.
Com o carnaval às portas, não haveria tempo para as musas do bloco se recuperarem, foi um velório. Meste Tambor se sentia culpado, esquentou demais as rebolâncias com os breques, paradinhas... De repente um gritinho agudo e aparece cheio de penas metido numa tanga microscópica, Leleco, vulgo, Andressa, neto dos dois cartolas. O ripinique chamou, a bateria seguiu e Netinho, digo, Andressa, arrasou.