sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O ladrão das calcinhas

O ex-prefeito da cidade inglesa de Preesall, em Lancashire, foi condenado a dois anos de prisão por invadir casas de mulheres para roubar suas calcinhas, segundo reportagem do jornal "Belfast Telegraph".
Ian Stafford, de 59 anos, renunciou ao cargo depois de ter sido preso suspeito de conexão com o roubo da roupa íntima.

Fonte: G1 

Ele decidiu fazer a própria defesa. Não porque não confiasse nos advogados, acreditava na sua lábia de político experimentado. Metade dos jurados eram mulheres e, notou sua perspicácia, todas feias de doer. Ali haveria uma chance de sensibilizá-las, quem sabe...
As pessoas não sabem a desdita que é nascer feio. Esta foto estampada nos jornais não me faz justiça. Acho que, pelo ângulo, estou até passável. Agora mesmo, apesar do desmantelo estético facial que ainda carrego, não se compara ao que fui. Carreguei a desfortuna de uma cara que inspirava riso o que motivou um sem número de apelidos. Imaginem isso na adolescência.
Minha cabeça era maior. Duas protuberâncias achatadas nas laterais repuxavam os olhos. Com cabelos mais ralos, pelos cortes rasos que minha mãe fazia – era zelosa, coitada, queria me proteger de piolhos na escola, como se eu precisasse –. O queixo fino, boca pequena e desconjuntada resultado, ainda assim, de uma bem sucedida cirurgia de correção de lábio leporino. Nem falo nos dentes.
O corpo é este mesmo. Raquítico, braços e pernas finos, uma escoliose leve que me faz pender para o lado contrário em busca de equilíbrio e me dá este andar ziguezagueante. Já me tomaram por bêbado e nem de bebida eu gosto.
O que tudo isso tem a ver com o fato de estar neste tribunal? Tudo, senhoras e senhores jurados. Sei, sou acusado de roubar calcinhas, o que é verdade, não nego. Mas se sou feio, ainda sou homem. Tenho cá meus desejos, minhas necessidades, e cada um resolve do jeito que pode ou lhe é melhor. Quem pode me contradizer? Nego com vigor a infâmia de que uso as calcinhas roubadas. Isto é um disparate.
Mas satisfação sexual, isto é assunto particular, ou não? Embora, no meu caso, tenha dado pequeno prejuízo a algumas senhoras e senhoritas. Mas, convenhamos, ínfimo prejuízo financeiro, até porque não tenho particular predileção por uma marca chique, como a Victoria Secrets. Digo mais, o delito ocorreu sem dor ou ameaça de qualquer espécie às vítimas, embora eu não concorde com esta palavra, prefiro clientes. Ao contrário, deveriam estar lisonjeadas, pois o fim de suas roupas íntimas não é um lixo qualquer, é a admiração, a alegria deste pobre que vos fala.
Lembro como esta compulsão começou. Mas antes, considerem que nunca nenhuma mulher me olhou com desejo ou mostrou qualquer indício de interesse erótico ou de qualquer natureza. É uma cruz. Muitos balançavam a cabeça em concordância. Sempre fui motivo de chacota. A mais malvada delas, recordo com amargura – fez um ar desamparado, passou o lenço no olho por baixo da armadura dos óculos enorme – foi uma prima que lá pelos meus 13, 14 anos, fase que vocês podem imaginar o suplício que é. Vejam a que ponto chega a maldade humana. Pois bem, esta devassa me atormentava mostrando a calcinha. Bastava eu olhar, o que era até difícil de saber devido a esta minha vesguice, a danada escondia, como direi? Enfim... e ria.
Quando dei por mim, vivia na seção feminina dedicada a esta vestimenta. Mas calcinhas virgens não tem o mesmo valor, se é que me entendem. Digo em meu favor, todas as mulheres representadas nas calcinhas eram lindas na minha mente, mesmo que fossem tribufus na realidade. Quero ainda fazer um adendo e já termino. No exercício político, nunca roubei os cofres públicos como meus colegas brasileiros. Isso deve ter algum valor. Peço sua compaixão para um pobre que nunca soube o que foi um beijo feminino, um abraço, um cheiro no cangote, um quindim de nada. Tornei-me ladrão de calcinhas forçado pelas circunstâncias, nunca por maldade. Lamento pelas calcinhas de estimação de algumas das minhas clientes, não sei mais que diga...
Por uma destas coincidências malévolas, a metade feminina dos jurados, feias ou não, foram todas vítimas do furto. Os homens não lhe foram solidários por pura má vontade e por se sentirem mal representados. Resultado, consideraram-no culpado. O juiz lhe deu dois anos de cana.