sábado, 21 de fevereiro de 2015

(Seu) Thammy



Depois da Lava Jato ou Petrolão, como queiram, a lata d’água na cabeça, não há nada mais onipresente no noticiário brasileiro da internet do que a Thammy Miranda. Estou esperando inclusive a notícia sobre a fantasia que ela – posso me referir à pessoa como “ela”? – usará no carnaval. Já disse que não se disfarçará de Cerveró nem a pau. Mas andemos com a história.
Não estou inscrito em redes sociais nem as visito. Não leio revistas especializadas em mundanidades e subcelebridades. Não vejo canais de tv que não tem um jornal decente e se dividem entre programa de barraco explícito e apresentadores que se esfalfam com atrações freaks como nos antigos circos de aberrações. Nunca leio as notícias sobre a pessoa objeto deste texto. Então, como sei que o “rapaz” aparece tanto?
É impossível escapar. Ela/ele está lá de alguma forma incrustada na tela. Enquanto se passeia os olhos atrás de algo interessante, entre as incríveis façanhas dos inúteis BBBs, surge a Thammy. Já listo uma fieira de títulos de notícias que dão conta da vida, nos mais inesperados sites de noticias, desta criatura absolutamente indispensável ao mundo. Pois não apareceria tanto se não tivesse algo a oferecer a nós, pobres mortais, pois não? Uma coisa eu sei, o serviço de assessoria de comunicação é bom.
Pois me traio. Disse que nunca li nada, bem, até escrever este embasbacado texto. Fui ao Google como qualquer pesquisador serôdio e incapaz. Eis que descubro que – que se dane – nossa heroína é atriz, cantora, empresária, compositora e... (ufa!) ex-modelo. E modéstia, zero. Desconheço cada uma destas múltiplas habilidades, exceto a capacidade de aparecer sem ter realmente sido relevante em qualquer das profissões declaradas.
Minto, seu Thammy causou furor ao se declarar lésbica há algum tempo. O que causou muito chororô entre os marmanjos costumados à morena de olhos verdes pelada em revistas e que tanta companhia lhes fez, se me entendem. A partir daquela declaração nunca mais saiu realmente da mídia. No início, era pegando uma gostosa por semana. Mas aí ficou chato. Depois de muita esbórnia um sujeito tem que se aquietar, constituir família e lá vamos nós cansar de ver seu Thammy casando com sua princesinha de véu e grinalda. Ah, Laís Souza, infelizmente, todaplégica, também aderiu ao expediente. Um parêntesis. A quem interessa a opção sexual da moça? Mas prossigamos.
Mas isso foi... agora me perco e por preguiça não fui catar a informação de verdade pra saber se o casório foi antes ou depois da retirada das mamas. Uma overdose de detalhes sobre este acontecimento não deixou mais ninguém em paz. Um tempo no estaleiro e Thammy vai à praia depois da cirurgia. Thammy usa camiseta regata. Thammy faz top less... como assim, sem seio? Quer dizer que se eu tiro a camisa na praia estou fazendo top less?
Não bastasse, Thammy mesmo casado, aparece dando mole para duas piriguetes que queriam experimentar o peitoral do rapaz. E glória das glórias, a piriguete mor, dona Val Marchiori, sim, esta do empréstimo esquisito do cara que agora manda na Petrobras quando gerente geral do Banco do Brasil – esses petistas são o diabo! – quis ver e apalpar também o peitoral do seu Thammy. E a julgar pelas fotos e olhares libidinosos custa crer que o rapaz não tenha carcado a socializete.

Enfim, uma passada de olho na internet e é isso que você verá: “Thammy Miranda ajeita sunga após banho de mar no Rio de Janeiro”; “De topless, Thammy Miranda posa na cama com a namorada e faz romântica declaração”; “De sunga e regata, Thammy Miranda curte praia com a namorada”; “De regata, Thammy Miranda vai à academia com a namorada”; “Antonia Fontenelle beija namorada de Thammy Miranda” (!!!); “De sunga, Thammy Miranda faz passeio de lancha com Val Marchiori”;  “Thammy Gretchen pede seu próprio pau de selfie de Natal”. Ele também é conhecido por este sobrenome. 

O mundo se acabando. O Brasil indo para as cucuias capitaneado pela Dilma Incompetente. Falta água, falta luz, a inflação devora nosso minguado salário. O pessoal do Charlie Hebdo fuzilado. O EI degolando gente a rodo e agora queimando vivo. O Petrolão ameaça colapsar a Petrobras e a economia do país junto. Tudo isso e muito mais e o povo querendo saber como vai o pau de selfie de seu Thammy. Estamos prontinhos pro apocalipse.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Abutre



A detetive pressiona. Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) se ri. Ele está seguro e demonstra uma incrível frieza. Ela o acusa de ter filmado a morte do próprio companheiro de trabalho e sugere que ele facilitou a morte daquele para ficar com a recompensa por ter denunciado uns bandidos.
Bloom, sem mover uma única fibra, apenas alega que é seu trabalho e que gosta de pensar que quando uma pessoa o vê, sabe que está tendo o pior momento de sua vida. Esta frase lapidar descreve à perfeição o personagem que, no meu caso, tive asco dele desde a primeira cena.
Bloom é jovem, mas parece ter milhares de anos como um diabo velho e experiente. Gyllenhaal emagreceu para filmar esta obra. O que deu ao seu rosto, com maquiagem, naturalmente, um aspecto cínico permanente. Um ar doentio, macilento e ensebado. Seu olhar devora tudo que vê. Cada ato seu parece pensado para atingir um fim. Nightcrawler, nome original do filme, tem vários sinonimias: noturno, minhoca, verme, uma coisa que anda de um lado para outro. Bloom é, definitivamente, um ser das trevas.
Nada o detém. É um loser com enorme ambição. Vive de furtos e roubos ou de qualquer outra ação que lhe dê dinheiro. Ele é a epítome da absoluta falta de lei, exceto a da sobrevivência a todo custo. Desconhece ética, moral ou qualquer regra de decência. Sua humanidade ou urbanidade aparecem em duas cenas: a repetição de seu ato de regar uma plantinha, que mantém na janela de seu muquifo; e quando reclama dos palavrões que seu colega de trabalho diz. Ele não gosta de palavrões!
Sua guinada radical se dá quando as coisas ficam capengas demais e nem roubo dá conta de sustentá-lo. Ele vê um acidente na estrada. Curioso, resolve investigar. Dois sujeitos chegam esbaforidos e sem qualquer pudor gravam as imagens. Ele ainda troca duas palavras com o câmera man, que parte imediatamente para outro desastre. Ele descobre ali sua vocação.
A partir deste instante, ele usará toda sua expertise em sobrevivência nas ruas para se tornar um freelancer. Como sempre, de um roubo consegue uma câmera pequena e um rádio para rastrear a polícia. Qual é o limite do razoável para conseguir uma notícia? Qual é a fronteira do respeito à imagem do outro, especialmente em situação de desgraça? Bloom não tem nenhum limite.
Metódica e agressivamente ele começa a subir num meio onde existe gente igual a ele. Sua primeira venda de imagem lhe dá apenas 250 dólares. Ele multiplicará isso por cem. Ele insiste em perguntar à editora (Rene Russo, como Nina Romina) que compra as imagens para seu jornal de notícias populares: você estaria interessada em mais imagens como essa? Ela hesita, mas, apenas é mais polida, ela é um animal igual. Ela explica com arrodeios. Ele pergunta. Imagens sangrentas? Ela, por fim, cede: sim.
À medida que aumenta vertiginosamente suas filmagens, Bloom precisa contratar um auxiliar. Como todo carniceiro, ele é hábil em perceber oportunidades. O jovem candidato ao emprego é um tolo. A relação deles será um drama à parte que terminará de forma trágica.
Abutre faz jus ao nome. Ele é sedento por sangue e nada o impedirá de ajeitar a cena, pegar o ângulo mais desfavorável, para a vítima, claro. Com Ricardo Darin, outro “Abutres” explora o submundo dos advogados que vivem de dar golpes em seguros de acidentes de carros. Uma diferença. O personagem de Darin tem, ainda que frágil,crise de consciência. “A montanha dos sete abutres” explora tema aparecido. Com Kirk Douglas no papel principal que faz um circo de um acidente numa velha mina. Explora um homem moribundo até à exaustão e morte.
Abutre vale a experiência. Mas é preciso estômago. 
Quantos abutres temos ao nosso lado? Aposto que você conhece um.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Sniper



Clinton Eastwood, aos 84 anos, com uma filmografia invejável, ainda mantém a mão firme para segurar a direção de um filme. Ainda consegue fazer um filme relevante e contar uma história e nos prenda na cadeira. Sniper Americano, à parte do debate de ser mais um filme que glorifica a guerra ou aos americanos, isolado desta fatal desta queda livre em parafuso, é uma história que vale a pena ver.
Sniper não escorrega para se tornar fácil. A história mantém certa ambiguidade, embora, curiosamente, o atirador em apenas dois momentos demonstre sofrimento moral. Na primeira incursão tem um batismo de fogo: uma mulher e uma criança saem de um prédio deteriorado para enfrentar sozinhos um batalhão de soldados e um blindado. A mulher carrega uma granada, repassa ao garoto que corre em direção aos soldados.
Seguem-se segundos de vazio de ordem. Como agir? Quem pode determinar atirar numa criança? Parece que a situação foge a todos os manuais de treinamento. Ao consultar o superior pelo rádio, o interlocutor devolve que está numa posição mais cega ainda. A decisão é inteiramente do atirador que tem uma única regra por seguir: proteger o batalhão. O companheiro do lado sugere que agir pode lhe custar um processo e cadeia.
Atira. A criança é abatida. A mulher sem parar pega a granada e tenta lançar contra os militares, também é abatida. Chris Kyle (Bladley Cooper) retorna como herói, afinal cumprira seu dever. Mas ninguém se importa com o dilema que ele carrega, mesmo que, no filme, ocupe poucas cenas. Parece que todos tem certeza porque estão na guerra. É o início da guerra do Iraque, a fantasia de que lutavam para libertar o povo de Sadan e aos americanos das armas de destruição em massa ainda funcionava como verdade absoluta.
As missões se seguem, quatro ao todo. Um casamento, dois filhos e um homem que vai sendo moído pela guerra sem se dar conta. Sua mulher diz isso para ele. A cada retorno, o homem vai perdendo sua humanidade: é um autômato com enorme sensibilidade a tudo que lhe lembre a guerra.
Experimentado e já uma lenda, outra criança atravessa seu caminho. Abate um homem e um garoto que estava por perto tenta pegar e atirar o RPG. Kyle se desespera ao torcer para que a criança solte a arma. Uma eternidade se passa, o dedo roça o gatilho. Então o menino joga a arma no chão e corre. Kyle quase explode de ansiedade.
O retorno para casa é dramático, até que busca auxílio terapêutico. Começa a ajudar veteranos mutilados, seja física ou mentalmente como ele, aparentemente, quase se tornou. Um desses lhe arrancará a vida. 
Parece que a guerra é inevitável. Por razões tolas e loucas ou nobres elas ainda nos fustigarão por muito tempo. Estamos atavicamente presos à necessidade de derramar sangue. Daí forjamos nossos heróis. Celebramos a liberdade, a paz e a fraternidade.

O Ovo do Eike



A perícia atestou que o ovo do Eike não é uma das joias produzidas por Peter Fabergé entre 1885 a 1917 para os czares da Rússia. É uma réplica que sai por 65 dólares em sites de comércio eletrônico.

Fonte: Revista Veja (radar on line, Lauro Jardim. 13/02/2015)

A sanha da polícia federal ainda não acabou. A cada dia uma batida em uma mansão diferente do Eike e lá se vão quadros, pencas de relógios, carrões, um iate e outros badulaques de ostentação que ele tanto adorava. Um juiz percebeu uma traquinagem do mega ex-rico para conservar dinheiro e bens e mandou arrestar o que conseguissem pegar. Um alvoroço só, menos a Luma que apareceu ainda deslumbrante atrás de uma janela com um sorriso daqueles do tempo em que fazia meio mundo de marmanjos babarem em plena Sapucaí e ainda carregava uma coleira com o nome do Eike. E vejam que o ralado romance dos 50 tons de cinza nem estava perto de ser publicado.
Peçanha, policial federal das antigas, ainda em operação por, segundo diz, um erro na contabilização dos anos dedicados a prender patifes de todo tipo, desenvolveu nas horas vagas um hobby no mínimo curioso para um profissional desse quilate. Peçanha gosta de arte. Não esta “bosta” pós-moderna, dita abstrata e altamente questionável que se um não explica por horas, não se sabe o que o tal autoproclamado artista quis fazer/dizer. E ele carrega na pronúncia da palavra merdófila tentando expressar seu desprezo.
Numa das últimas incursões a mais uma das casas do magnata falido, ele se ofereceu para fazer parte. O delegado chefe da operação resistiu. Peçanha puxa de uma perna, levemente, é verdade. E tem tiques estranhos. Ele não passa facilmente despercebido. Uma operação pede certa discrição, quiçá, um disfarce. Digamos que Peçanha não desse grande credibilidade à artimanha farsesca. Que cacoetes o entregassem como um lunático. Ele lembrou acertadamente que estamos no carnaval. Ninguém liga para estranhezas nesta época. Ponto para Peçanha, mas o que convenceu o delegado foi ele dizer que era conhecedor diletante de arte. Um especialista amador, como gosta de se definir. Claro está que arte vale muito e malandros da estirpe do Eike matam dois coelhos: parecem sofisticados e escondem dinheiro não contabilizado como gosta o PT.
Peçanha seria o consultor informal de arte numa operação de grande repercussão na mídia. Quem sabe a aposentadoria não seria dedicada a este seu lado mais soft e menos brucutu? Pois foi entrar na casa e na sala pesadamente decorada, numa lateral, sobre uma mesinha de jacarandá havia um ovo de Farbegé. Os olhos de Peçanha brilharam. Lembrou-se que numa revista de amenidades seu Eike posava ao lado do ovo. Não teve dúvida, agarrou o delegado pelo braço e disse: olhe. Este objeto vale mais que tudo que vocês já cataram do seu Eike.
Isso?! Indagou o delegado, entre estupefato e alegre. Um ovo Farbegé, disse Peçanha. Isso vale milhões. De reais? Quis saber o delegado. De Euros, meu amigo. Havia certa incredulidade no delegado ao pegar o ovo ricamente adornado. Pedras preciosas, ouro, platina. Devia ser verdade. Mas havia que ser certificado, catalogado e registrado por especialista juramentado. Peçanha despejou mais conhecimento sobre os ovos, enquanto entretinha o policial sobre a tradição da Rússia czarista. 
Em poucos dias veio a notícia e divulgada com estardalhaço. Era mais uma forma de escancarar o mundo de fantasia no qual vivia seu Eike. Mais uma vergonha para aquele que arrotava o alvo de ser o homem mais rico do mundo. O ovo era falso. Deram baixa do ovo na lista de bens apreendidos. Azar dos credores. Era uma réplica que custava míseros 65 dólares. Peçanha sentiu como se ele próprio tivesse sido desmascarado. E agora, assim como a fortuna do ricaço descia pelo ralo, seu futuro de consultor de arte havia se evaporado com o ovo do Eike.