sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Abutre



A detetive pressiona. Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) se ri. Ele está seguro e demonstra uma incrível frieza. Ela o acusa de ter filmado a morte do próprio companheiro de trabalho e sugere que ele facilitou a morte daquele para ficar com a recompensa por ter denunciado uns bandidos.
Bloom, sem mover uma única fibra, apenas alega que é seu trabalho e que gosta de pensar que quando uma pessoa o vê, sabe que está tendo o pior momento de sua vida. Esta frase lapidar descreve à perfeição o personagem que, no meu caso, tive asco dele desde a primeira cena.
Bloom é jovem, mas parece ter milhares de anos como um diabo velho e experiente. Gyllenhaal emagreceu para filmar esta obra. O que deu ao seu rosto, com maquiagem, naturalmente, um aspecto cínico permanente. Um ar doentio, macilento e ensebado. Seu olhar devora tudo que vê. Cada ato seu parece pensado para atingir um fim. Nightcrawler, nome original do filme, tem vários sinonimias: noturno, minhoca, verme, uma coisa que anda de um lado para outro. Bloom é, definitivamente, um ser das trevas.
Nada o detém. É um loser com enorme ambição. Vive de furtos e roubos ou de qualquer outra ação que lhe dê dinheiro. Ele é a epítome da absoluta falta de lei, exceto a da sobrevivência a todo custo. Desconhece ética, moral ou qualquer regra de decência. Sua humanidade ou urbanidade aparecem em duas cenas: a repetição de seu ato de regar uma plantinha, que mantém na janela de seu muquifo; e quando reclama dos palavrões que seu colega de trabalho diz. Ele não gosta de palavrões!
Sua guinada radical se dá quando as coisas ficam capengas demais e nem roubo dá conta de sustentá-lo. Ele vê um acidente na estrada. Curioso, resolve investigar. Dois sujeitos chegam esbaforidos e sem qualquer pudor gravam as imagens. Ele ainda troca duas palavras com o câmera man, que parte imediatamente para outro desastre. Ele descobre ali sua vocação.
A partir deste instante, ele usará toda sua expertise em sobrevivência nas ruas para se tornar um freelancer. Como sempre, de um roubo consegue uma câmera pequena e um rádio para rastrear a polícia. Qual é o limite do razoável para conseguir uma notícia? Qual é a fronteira do respeito à imagem do outro, especialmente em situação de desgraça? Bloom não tem nenhum limite.
Metódica e agressivamente ele começa a subir num meio onde existe gente igual a ele. Sua primeira venda de imagem lhe dá apenas 250 dólares. Ele multiplicará isso por cem. Ele insiste em perguntar à editora (Rene Russo, como Nina Romina) que compra as imagens para seu jornal de notícias populares: você estaria interessada em mais imagens como essa? Ela hesita, mas, apenas é mais polida, ela é um animal igual. Ela explica com arrodeios. Ele pergunta. Imagens sangrentas? Ela, por fim, cede: sim.
À medida que aumenta vertiginosamente suas filmagens, Bloom precisa contratar um auxiliar. Como todo carniceiro, ele é hábil em perceber oportunidades. O jovem candidato ao emprego é um tolo. A relação deles será um drama à parte que terminará de forma trágica.
Abutre faz jus ao nome. Ele é sedento por sangue e nada o impedirá de ajeitar a cena, pegar o ângulo mais desfavorável, para a vítima, claro. Com Ricardo Darin, outro “Abutres” explora o submundo dos advogados que vivem de dar golpes em seguros de acidentes de carros. Uma diferença. O personagem de Darin tem, ainda que frágil,crise de consciência. “A montanha dos sete abutres” explora tema aparecido. Com Kirk Douglas no papel principal que faz um circo de um acidente numa velha mina. Explora um homem moribundo até à exaustão e morte.
Abutre vale a experiência. Mas é preciso estômago. 
Quantos abutres temos ao nosso lado? Aposto que você conhece um.

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