A detetive
pressiona. Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) se ri. Ele está seguro e demonstra uma
incrível frieza. Ela o acusa de ter filmado a morte do próprio companheiro de
trabalho e sugere que ele facilitou a morte daquele para ficar com a recompensa
por ter denunciado uns bandidos.
Bloom, sem
mover uma única fibra, apenas alega que é seu trabalho e que gosta de pensar
que quando uma pessoa o vê, sabe que está tendo o pior momento de sua vida.
Esta frase lapidar descreve à perfeição o personagem que, no meu caso, tive
asco dele desde a primeira cena.
Bloom é jovem,
mas parece ter milhares de anos como um diabo velho e experiente. Gyllenhaal emagreceu
para filmar esta obra. O que deu ao seu rosto, com maquiagem, naturalmente, um
aspecto cínico permanente. Um ar doentio, macilento e ensebado. Seu olhar
devora tudo que vê. Cada ato seu parece pensado para atingir um fim.
Nightcrawler, nome original do filme, tem vários sinonimias: noturno, minhoca,
verme, uma coisa que anda de um lado para outro. Bloom é, definitivamente, um
ser das trevas.
Nada o detém.
É um loser com enorme ambição. Vive de furtos e roubos ou de qualquer outra
ação que lhe dê dinheiro. Ele é a epítome da absoluta falta de lei, exceto a da
sobrevivência a todo custo. Desconhece ética, moral ou qualquer regra de
decência. Sua humanidade ou urbanidade aparecem em duas cenas: a repetição de
seu ato de regar uma plantinha, que mantém na janela de seu muquifo; e quando
reclama dos palavrões que seu colega de trabalho diz. Ele não gosta de
palavrões!
Sua guinada
radical se dá quando as coisas ficam capengas demais e nem roubo dá conta de
sustentá-lo. Ele vê um acidente na estrada. Curioso, resolve investigar. Dois
sujeitos chegam esbaforidos e sem qualquer pudor gravam as imagens. Ele ainda
troca duas palavras com o câmera man, que parte imediatamente para outro
desastre. Ele descobre ali sua vocação.
A partir deste
instante, ele usará toda sua expertise em sobrevivência nas ruas para se tornar
um freelancer. Como sempre, de um roubo consegue uma câmera pequena e um rádio
para rastrear a polícia. Qual é o limite do razoável para conseguir uma
notícia? Qual é a fronteira do respeito à imagem do outro, especialmente em
situação de desgraça? Bloom não tem nenhum limite.
Metódica e
agressivamente ele começa a subir num meio onde existe gente igual a ele. Sua
primeira venda de imagem lhe dá apenas 250 dólares. Ele multiplicará isso por
cem. Ele insiste em perguntar à editora (Rene Russo, como Nina Romina) que
compra as imagens para seu jornal de notícias populares: você estaria
interessada em mais imagens como essa? Ela hesita, mas, apenas é mais polida,
ela é um animal igual. Ela explica com arrodeios. Ele pergunta. Imagens
sangrentas? Ela, por fim, cede: sim.
À medida que
aumenta vertiginosamente suas filmagens, Bloom precisa contratar um auxiliar.
Como todo carniceiro, ele é hábil em perceber oportunidades. O jovem candidato
ao emprego é um tolo. A relação deles será um drama à parte que terminará de
forma trágica.
Abutre faz jus
ao nome. Ele é sedento por sangue e nada o impedirá de ajeitar a cena, pegar o
ângulo mais desfavorável, para a vítima, claro. Com Ricardo Darin, outro
“Abutres” explora o submundo dos advogados que vivem de dar golpes em seguros
de acidentes de carros. Uma diferença. O personagem de Darin tem, ainda que
frágil,crise de consciência. “A montanha dos sete abutres” explora tema
aparecido. Com Kirk Douglas no papel principal que faz um circo de um acidente
numa velha mina. Explora um homem moribundo até à exaustão e morte.
Abutre vale a
experiência. Mas é preciso estômago.
Quantos abutres temos ao
nosso lado? Aposto que você conhece um.
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