Entrevista e até visita domiciliar para checar as condições da família. Esse é o procedimento que um candidato a adotar um cachorro ou gato deve se submeter em São Carlos.
Fonte: Folha de São Paulo/Ribeirão
Solitário, Claustrófobo, ocupava o tempo como era possível, considerando que os ganhos não permitiam gastos além de uma prosaica cerveja nos finais de semana. Uma palavra cruzada que comprava a cada quinze dias – às vezes demorava mais, pois só comprava outra quando respondia tudo, o que nem sempre sua inteligência mediana ajudava – e que mais? Mais nada. Casa, trabalho, trabalho, casa. Assistia tv. Mas, conservador, achava que a televisão era um antro de porcaria. Só ensinava o que não prestava.
O apartamento era pequeno, assim mesmo, havia dias que parecia tão grande. Houve tempo em que pensou arrumar uma companheira, mas umas decepções amorosas num passado distante o deixaram amedrontado. Mulher é bicho perigoso, dizia. Você dá o pé e quando se espanta... Ele não completava a frase, talvez não soubesse o ditado ou não atinasse sobre o que seria mais importante do que o pé que dava.
Amigos não tinha. Sim, havia os colegas de trabalho, com quem trocava poucas palavras e só. Achava-se deslocado. Não sabia contar piadas. Não tinha experiências com mulheres para contar. Não torcia por time nenhum, sequer sabia jogar futebol. Uma bola em seu pé era um estorvo. Claustrófobo levava uma vida pra lá de besta e mesmo para ele aquilo começava incomodar.
Num desses dias insignificantes, estava na fila do supermercado e viu um cartaz: Adote um animal. A imagem mostrava um cachorro com aquela cara de cão abandonado. Sentado, a orelha meio murcha para trás. O olhar oblíquo em direção ao suposto adotante. Só faltava falar. Aquilo lhe comoveu. Ao mesmo tempo percebeu ali o fim de sua vida solitária. Anotou telefone e endereço.
Dia seguinte estava Claustrófobo em sua melhor roupa à porta do abrigo municipal. Entrou meio acanhado. Aquilo era um grande passo. Um compromisso com alguém, fosse cachorro era o de menos. Uma senhora com cara mal dormida veio lhe atender. Ele se atropelou na fala. Vim adotar um cachorro. Bom dia, não é? Disse a mulher ralhando com sua falta de modos. Ele corrigiu-se: bom dia. Posso ver o cachorro que quero adotar. Calma aí, meu senhor. Não é assim, não. Tem que responder a uma entrevista. Aquilo era surpreendente para Claustrófobo. Entrevista? Precisamos saber de suas intenções com o animal. Intenções? O senhor vai dar carinho, atenção, levar no veterinário quando precisar, alimentar adequadamente? Era muita pergunta de uma vez.
Então, está pronto para responder? Inquiriu a mulher, desafiadora. Claustrófobo disse um sim hesitante. Nome. Idade. Endereço. Telefone. Ganho. Como assim? Empacou Claustrófobo. O senhor tem que ter dinheiro para bancar o animal. Olhe, eu sei criar um bicho. Bicho? É assim que o senhor trata o animalzinho? Desculpe, mas como devo chamar? Primeiro o senhor deve dar um nome ao animal. Mas ainda não conheço qual vou adotar. Que seja.
Posso ver agora. Ver o quê? O cachorro. Ainda não terminamos com o senhor. E tome pergunta. Meia hora depois, Claustrófobo já não aguentava mais. Minha senhora, eu só quero adotar um cachorro para me fazer companhia. Isso aqui é uma inquisição. Ah, então o senhor confessa? Confessa o quê? Que quer o animal apenas para usá-lo. Aqui nós defendemos o interesse do animal. Um animal não é um uma coisa, senhor Claustrófobo! E as necessidades do animal não contam? Não é adotar por adotar. Não é só para tapar sua solidão e a solidão do cão abandonado? Prometo que ajudarei quando ele parecer entediado, triste, deprimido, está bem? Estamos nos entendendo, senhor Claustrófobo.
Terminamos? Quase. E dê-se por satisfeito, porque ainda havia o teste psicológico, mas hoje o psicólogo não virá, foi mordido por um cachorro. Uma última pergunta. Que cão o senhor prefere? Não sei. O que a senhora sugere? No momento só tem um pitbull disponível. Então porque pergunta o que prefiro se não posso escolher? É a norma. Leva? Não obrigado, acho que vou ficar com a catita que vive lá em casa.