Exceção para os viciados em remédios ou hipocondríacos, ir ao consultório médico é, para a maioria das pessoas, um incômodo. Ali toda a intimidade vai para o espaço, a começar na sala de espera. Dependendo da doença ou queixa que o paciente tenha, terá que mostrar, constrangido(a), as partes pudendas que serão remexidas e esgravatadas sem a menor cerimônia pelo médico(a). Nem se fale nas posições ridículas que um tem que ficar para facilitar o exame. Evidente que nem todo exame pede exposições ridículas dos recônditos que uns tão dedicadamente escondem ou mascaram.
Se um depende do serviço público de saúde, sabe-se, poderá morrer sem nunca saber o que tem – faço aqui uma concessão ao humor mórbido e infame que acompanha o sofrimento de milhões. Quer dizer, a pessoa morre de dúvida. Ou se não vejamos: acorda de madrugada para pegar a senha para marcar a consulta. Se tiver êxito na empreitada, normalmente em duas ou três tentativas, marca a consulta daí a três, quatro meses adiante, isso se não chover muito, se não cair numa sexta-feira 13, etc.
Chega o dia da consulta, ardorosamente esperado como quem espera um dia da redenção. Não tão rápido, leitores. Em cinco minutos o profissional, sem nunca olhar em seu rosto, terá feito algumas poucas perguntas, sendo que a primeira é para se situar e fazer a duas seguintes. Qual é o problema? A pessoa começa a falar e é cortado bruscamente. Quando? Tenta retomar o fio da meada. Novamente um corte. Quantas vezes? Como? e acabou, já estará anotando uma receita ou sugerindo exames. Ejaculação precoce.
Ah, você tem plano de saúde? Não sei se notou, mas os consultórios que atendem planos de saúde estão quase sempre permanentemente lotados, as atendentes são enfadadas e nunca se consegue a consulta na data que se quer. Você está mal, liga e ouve: Olha, só há vaga para o próximo mês, vamos estar marcando... No gerúndio, você já desligou. Faz outra tentativa e se tem sorte, encontra consulta num obscuro consultório de um médico que nunca ouviu falar.
Chega o dia esperado e aguentado com o sofrimento que fez você se tornar um expert em analgésicos e outras beberagens que o vizinho, a prima, a tia, a mãe ensinaram sempre com a recomendação de que era tiro e queda. Não era. Os consultórios e salas de espera são um pouco melhores, o público majoritário é a galera da classe C, recém-ascendida na condição social que ostenta ainda todos os costumes anteriores, especialmente o de falar as intimidades para quem quiser ouvir, fazer barraco, e falar alto ao celular. Sem contar os toques pra lá de exóticos que se ouve no último volume a cada segundo. Com um pouco de criatividade, se faria uma sinfônica dantesca.
Um sujeito carrega o celular à mão, ao ouvido um headfone. De cinco em cinco minutos atende alguém. Dá ordens aos berros. Vamos botar pra quebrar. Vende tudo. Tem que cumprir a meta, tem que cumprir a meta, repete. Quê?! Anda daqui pra lá, de lá pra cá. Às vezes se encosta num lugar, fala em códigos.
Outro se esgoela sobre coisas pessoais, não antes de espantar a todos com um toque brega e altíssimo. Eu não sabia que um celular tocava tão alto. Pode-se instalar uma caixa de som portátil nestas coisas?
A mulher do lado, que nunca se viu na vida, quer atacar. Primeiro olha. Esboça um sorriso. Você se obriga a devolver com um leve esgar que sugere, longe, algo como um sorriso também. De repente ela ataca. É o senhor que está doente ou é sua esposa? Cooomo? Dá licença? Muda de lugar.
Quarenta e duas pessoas depois e duas horas de espera, seu número é chamado. A esta altura já se viu de tudo. Chilique, menino comendo meleca, um velhinho gritando que é sexagenário, outro berrando que vai denunciar no procon – não sei leitores, qualquer coisa – e outra que incendiou o ambiente com um perfume barato.
Ei, chamaram seu número. Sim, você sente quase como se tivesse ganhado na loteria. Entra no consultório, é quase um êxtase você faz parte dos chamados. O médico lhe recebe até caloroso e quando se espanta, acabou. Na mão, um pedaço de papel numa língua extraterrestre.