As luzinhas
ele colocou numa janela e enfeitou as portas com coroas que imitavam o azevinho.
A árvore e seus indefectíveis penduricalhos descansavam num canto desde o
início do mês. Atrapalhava a passagem e ainda soltava pedaços pela casa das
folhas sintéticas enevadas. Ele gostava desse tempo. De algum modo evocava algo
bom dentro dele, mas vago, talvez por percebê-lo distante.
Numa tarde emormaçada, como que a fugir de um tédio que se infiltrava na mente, pegou um
gif ou imagem natalina qualquer e distribuiu para algumas pessoas. Fez isso de
forma um tanto aleatória e sem muita convicção. Alguns responderam e outros o
ignoraram.
Não entrou em
nenhum amigo invisível porque estava sem grana e não tinha, afinal, nenhum
grupo que lhe apetecesse a troca de presentes ou aquelas falas e sorrisos
datados das confraternizações. Dizia o óbvio para aqueles de quem recebia algum
cumprimento: feliz natal. Por absoluta falta de criatividade ou vontade de
pensar algumas poucas palavras que lhe tirasse daquele lugar comum sem
significado para ele naquele momento. Era como uma desrealização ou uma forte
sensação de déjàvu. Queria entender os sorrisos febris, mas desistiu.
Pensou em
chamar os filhos e os agregados que arrumaram na vida e fazer um jantar
diferente. Precisava disso. Percebia um distanciamento deles que, se era
suficientemente verdadeiro, era velho, de anos de uma certa ausência que se
transformou num distanciamento afetivo traduzido em convenções e hábitos secos.
Mandou convites e esperou. Vieram desculpas iniciais de outros compromissos,
depois promessas incertas de que passariam lá para dar um abraço. Ele aceitou
aquilo resignado, que podia fazer? Acomodou-se à ideia de que no fim
apareceriam e seria uma noite alegre.
Pegou-se
imaginando na hipótese dos convidados não aparecerem e de repente ver seu
celular inundado de desculpas esfarrapadas. Não conseguiu pensar em nada como
resposta. Percebeu-se paralisado ante essa possibilidade. Era um cansaço e
desilusão. Era absurdo que ninguém viesse, tentou consolar-se. E ele tinha a
mulher solícita e outros que estariam por ali para disfarçar que seus convidados
não viriam e ele ouviria que o importante eram os que estavam lá e quase se percebeu
alegre com essa solução.
De repente
sentiu algum arrependimento por ter inventado aquilo. Mas havia comprado
presentes e toda aquela quantidade de comida para alimentar um pequeno batalhão
de famintos soldados. Temia que tudo se transformasse num desastre. Começou a
lembrar de tantos passivos emocionais acumulados. Desfeitas. Malcriações. Falas
estúpidas que ainda ecoam vivas e estridentes. Indiferenças. E se tudo aquilo
aparecesse junto com os convidados?
Afastou
os pensamentos sombrios que começaram rapidamente a empanar sua visão e
deixar-lhe um gosto de vômito na boca. Disse para si mesmo que pensaria
positivo, afinal era noite de Natal. Teria cuidado com as palavras. Faria de
conta que todas as maldades feitas e recebidas não haviam acontecido. Ensaiou
mentalmente, como a treinar suas sensibilidades, alguma palavra sardônica que
poderia escapar de alguém, elas sempre escapam. Ignoraria, pensou. Só queria
experimentar esse momento como se fosse feliz.