terça-feira, 13 de julho de 2010

Doctor Doolittle 2.1

Notícia 1: Uma gaivota que caiu do ninho quando recém-nascida e foi adotada por um casal de ingleses e pensa que é um gato.
Notícia 2: A polícia irlandesa abriu nesta quinta-feira investigação sobre um estranho caso de sequestro: o de um pinguim no zoo de Dublin. Os suspeitos levaram a ave de táxi e a abandonaram nas ruas da capital.
Notícia 3: Com 100% de aproveitamento em todos os jogos da Alemanha que previu até agora – inclusive a derrota para a Espanha na semifinal – o polvo Paul solta mais uma de suas previsões para os desafios finais da Copa do Mundo.

Fonte: Do G1, em São Paulo, Veja on line

Quem disse que converso com bicho, não sabe nada da arte. Eu sou psicólogo animal, é diferente. Quero dizer, psicólogo de animais. Tenho vários casos interessantes. Mas alguns tipos, por amor à profissão e aos bichos, eu me recuso a tratar: de carcará eu não cuido. Leão me lembra a Receita, é só venha a nós e na hora do nosso reino, a quantia vai mesmo é para paraísos fiscais.
Raposa é bicho ladino e lembram os políticos, que como você sabe, no Brasil, é a raça mais desafortunada de vergonha na cara que existe. Se bem que eles também se parecem a parasitas, mas aí já cai noutra classe de seres que não é o objeto de meu trabalho. Lobo sempre vem com o adjetivo mau a tiracolo, o que revela bem o caráter do bicho.
Falar em político tinha até um boto lá pela Amazônia. Mas é como eu digo, político é metamórfico, vira quase qualquer coisa, desde que algum ganho lhe seja garantido.
Insetos não entram nos meus serviços. Maribondos, então, se for de fogo, nem em pensamento. Não quis dizer que eles ficam de fogo, nem sabia que maribondo bebia. Ah, deixa pra lá.
Meu caso mais importante no momento é o polvo Paul. Descobriu que adivinhava ainda bem pequenininho. Dona polva teve problemas porque Paul adivinhava as perguntas das provas e chegou a ser acusado de participar da gangue que fraudou provas da PF brasileira durante 16 anos. Um absurdo, por suposto.
Por causa disso não tem conta as vezes em que dona polva foi chamada à escola. Ele, coitado, desenvolveu uma fobia. Sabia das coisas, mas não dizia. Sugeri que ele adivinhasse os resultados da copa. Aqui pra nós, não quis dizer, mas ele havia me dito que o Brasil não passaria pra lugar nenhum. Claro, ele não pode nem passar na porta de casinos em Las Vegas, embora tenha sido contratado por membros do governo do Maranhão algumas vezes para dar uma forcinha no 21 ou na roleta.
Tem o caso da gaivota que meteu na cabeça que era um gato. Distúrbio sério de dupla personalidade, até porque, quando criança, não poucas vezes correu o risco de ser devorada por seus irmãos felinos. O caso é que a gaivota, ainda bebê, caiu do ninho. Uma senhora a recolheu e a criou. Ela, com é óbvio supor, criava gatos. Assim lhe alimentava com friskies e até lhe deu um nome: pompom. Uma gaivota chamada pompom é bullyng na certa. Mas ela resistiu com galhardia. Este caso foi mais fácil fazê-la assumir a personalidade de gato mesmo. Com uma diferença: ela não tem sete vidas, embora abuse como se tivesse.
O pinguim Mordomo, este era seu nome, é vítima da violência urbana. Mas nem pelo nome foi acusado de nada, que fique claro. Chegou, este pobre, em estado de lástima. Transtorno pós-traumático. Sabe o que é isso? Pois levava ele uma vida sossegada no zoológico. Vida mansa. Apenas nadar e andar e por isso ganhava peixinhos sem esforço. Claro, isso lhe rendeu um modesto pé de meia, este bem guardado. Souberam umas hienas, possivelmente macomunadas com raposas e seqüestraram meu pobre cliente.
Zanzaram com ele pelas ruas no porta-malas de um carro e depois o largaram em alguma biboca. Desnorteado, vagou sozinho sem que ninguém lhe notasse a presença. Uma boa alma o reconheceu e chamou a polícia que agora está louca para pegar os facínoras. Mordomo está bem agora, quer entrar para a política. Aproveitar a mesma senda daquele jogador que chama todo mundo de peixe. Diz que a exposição pode, pelo menos, ajudar a puxar voto para Marina.

domingo, 11 de julho de 2010

O crime do goleiro

Um crime cruel, pessoas famosas envolvidas, um frenesi na imprensa que, parece, por falta de coisa melhor – o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo de futebol – nos bombardeia dia e noite com o tema monocórdico. As mesmas informações repisadas à exaustão. Em alguns jornais, com discretas, porém enfáticas, tinturas mórbidas nos detalhes. É a maneira de se diferenciar dos concorrentes.
É claro que o papel da imprensa neste e em outros casos é fundamental. Não raro, o silêncio estimula a impunidade, especialmente se o(s) réu(s) pode(m) contratar bons advogados. O Código Penal costuma ser bastante útil em mãos hábeis e favorecer ao culpado com penas brandas e escapes de toda sorte.
A grande imprensa, por sua vez, meio cansada de repetir os mesmos atos do drama, envereda pelo caminho da modelagem dos casos à base de bem fundadas afirmações de especialistas de todo quilate. De advogados a juristas. De especialistas em segurança a sociólogos. Os que costumam causar maior frisson , entretanto, são os psiquiatras e/ou psicólogos.  É a psicopatologilização dos crimes. E alguns profissionais nestas áreas não se furtam a falar o que lhe vem na telha ou o que melhor atende à gana dos repórteres que escarafuncham as razões mais bizarras.
Para utilizar a expressão de Hannah Arendt, a banalização do mal, ainda assim, mesmo acostumados à violência endêmica no país, alguns crimes sobrepassam este “razoável” a que se está calejado. Daí que, sem conseguir encaixá-lo nos parâmetros da barbárie comum, se manipulam explicações etéreas, subjetivas, até espirituais. Afinal, o diabo se presta bem para ser culpado nestes casos.
Atônitos ante as inescrutáveis razões que levam uma pessoa a perpetrar crimes hediondos, caminha-sepelos labirintos dos distúrbios mentais. Há de ter algum que contemple tamanha sanha, pensa-se. Especula-se, é o caso presente, que o goleiro Bruno teria sido abandonado pelos pais, fora criado por uma avó e, ao que parece, com vários problemas ao longo de seu desenvolvimento. A violência, ironicamente, até onde se sabe e teoriza, não figura no currículo do goleiro. Pelo menos até aqui, embora ele tenha argumentado em defesa do desastrado Adriano, companheiro de clube, que qualquer casal, de vez em quando, sai no braço. Há quem veja nisso o traço macabro  de personalidade aflorando.
A pergunta clássica utilizada nestas situações é se haveria algum tipo de transtorno que explicaria a atitude daquele que comete crimes chocantes e com requintes de crueldade. Ora, é claro que há um sem número de razões, se utilizarmos qualquer das classificações de doenças – Catálogo Internacional de Doenças ( CID 10) ou o DSM IV –, basta achar os sintomas certos e voilá, encaixa-se quase qualquer atitude tresloucada. É, diria, um salvo conduto para o criminoso. Muitos não hesitam em lançar mão de tais meios para escapar da condenação, afinal, qualquer loucura é motivo para atenuar a pena. Nem sempre cola, como se sabe.
Há algo, contudo, que as pessoas resistem em admitir. Um crime pode simplesmente ser fruto da maldade humana. A perversidade, diferente dos animais, é também o  que nos separa deles, mas gostamos mais de elencar nesta comparação a inteligência. Acontece que os animais não constroem razões nem lutam por elas na tentativa de preservar interesses, sejam eles quais forem. De Jesus a Freud, ou que se inclua os maiores pensadores que a raça humana já produziu, especialmente os poetas, poucos não exprimem, até com desalento, a crua verdade: carregamos todos a maldade dentro da alma. De algum modo, temos nosso gen de Caim. Adélia Prado, a poetisa mineira, reconhecendo este nosso lado sombrio diz de si mesma:  “Toda vez que alguém diz fariseu, acho que é comigo.” (Cacos para um vitral, p. 80). No “Poema em linha reta”, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) também diz de si mesmo: “Eu, que venho sido vil, literalmente vil,/
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”
Depois da enxurrada de informações às escancaras na tv, pode-se concluir algumas coisas que, naturalmente, dispensam, patologias, ainda que, sim, os comportamentos possam ser descritos pelo viés psicológico. A história da vítima é a mesma de um sem números de moças interesseiras, dispostas a tudo para se dar bem. Um jogador, nestes casos, é mais uma presa, do que propriamente um futuro marido. Disse ela a uma amiga que ora figura como testemunha, ainda na fase de gestação. “Vou ganhar um apartamento em Belo Horizonte.” Ou como explicar que corresse riscos tão grandes, mesmo depois de quase abortar a força? Nem se conte as humilhações e agressões sofridas.
Há quem diga que foi ingenuidade. Excesso de confiança. Afinal um homem importante pagará bem para evitar escândalos, ainda mais neste momento, quando o Flamengo enfileirou seus principais jogadores em visitas e explicações ao Ministério Público e à polícia. É possível. De qualquer modo, os meandros desta história sugerem relações vazias, sexo, interesse e dinheiro, cujo principal cheque, para a vítima, era o filho na barriga.
O goleiro tinha planos confessos de riquezas e mais fama. Preso, fala displicentemente que agora teria ido por água abaixo o sonho de jogar a copa de 2014. Considerando os anos futuros que teria de atividade profissional, até contas do montante a ser ganho foi feito. Este homem inescrupuloso tinha muito a perder, nem tanto quanto julgou. A mulher carregando aquele rebento, pretendia ou um compromisso ou dinheiro e este homem não estava disposto a dar nenhum dos dois. A violência, pelo que se percebe, foi subindo o diapasão, à medida da insistência da vítima. Cercado de amigos da mais baixa índole, ouvir a sugestão ou o próprio sugerir a estes comparsas uma solução final para o problema não é difícil. Eis o resumo de um assassinato infame. Um frangaço e tanto.
Tiago, o apóstolo, diz que cada um é tentado por sua própria cobiça quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. Este triste e verdadeiro dístico cabe aos dois.