No mundo inteiro mitos religiosos
incluem em suas teogonias a simbologia da árvore como fonte original da
criação, da abundância e da sabedoria. Os cristãos tem duas árvores-símbolos.
No princípio de tudo, no Éden, a árvore do conhecimento do bem e do mal e no
fim dos tempos, no centro da cidade celestial, a árvore cujas folhas são para
cura dos povos.
O filme Árvore da Vida é um raro
filme-poesia. As palavras e frases dançam com as imagens. A família na qual
está centrado reproduz qualquer família do mundo, não importando a forma que
elas hoje costumam ter. A partir deste pequeno núcleo e toda a complexidade que
carrega nas difícieis relações entre marido-esposa, pais-filhos, a história se
amplia do big bang ao universo tal como o conhecemos.
Jack (Sean Penn), o filho mais
velho do casal, entre os três irmãos, é o guia desta história. É ao longo de
seu desenvolvimento físico, emocional e espiritual e as inquietações que este
crescer provoca, que as questões universais que nos perpassam a todos vão sendo
colocadas.
À parte da dor de crescer, algo
sempre marca a história pessoal de cada um de nós, tenhas origem no coletivo ou
individualmente. Na família retratada é a morte do irmão do meio. A dor que daí
se espraia deixará uma ferida para a vida inteira. A morte é a antítese da
criação. As imagens grandiosas do filme são uma forma de suportar e enfrentar a
morte. A busca em Deus da chaga que ela abre na alma, é a forma de nós a
suportarmos, porque antes de morrermos de muito já fomos tocados por ela, seja
porque sofremos uma perda, seja porque a cada dia morremos um pouco.
Este menino tornado homem é fruto
da graça e da natureza que no início do filme é uma fala da mãe (em off). A
graça é como o amor em 1 Coríntios cap. 13. Não é egoísta, dá sem esperar nada
em troca, é pura bondade. A natureza só pensa em si, não se importa com o
outro. Temos que fazer a escolha entre um e outro. Não um dia, de forma
definitiva, mas a cada dia.
Árvore da Vida é um filme para
pessoas de fé e que sofrem. Não é para crédulos, ateus ou religiosos. Os
primeiros porque não tem dimensão do que seja fé e por isso são incapazes de
questioná-la. Os segundos porque nada creem (supostamente). Os terceiros porque
tem todas as certezas da terra.
O drama que se desenrola entre
pai e filho se amplifica nas perguntas que o filho faz a certa altura da vida,
agora entre ele e Deus. Parece que em algum momento precisamos nos confrontar.
Rever nossa história. Buscar valores perdidos. Chorar de novo perdas e
revisitar dores. Não por um mero exercício masoquista, mas para sabermos quem
somos de novo, tal a distância que nos desviamos de nós mesmos. O leve sorriso
nos lábios de Jack ao final do filme parece explicar que a jornada que
empreendeu valeu a pena.
O personagem Jack sofre porque vive
num mundo que lhe produz profundo estranhamento. Sente saudade da família, do
irmão perdido, e entre as lembranças e as emoções que elas evocam, pergunta
onde Deus o encontrou pela primeira vez. Em que momento ele resistiu a esta
relação, quando tiveram suas diferenças. Imagens do passado de suas rebeldias
com o pai se confundem com o homem feito que
se sente perdido.
Anseia pela reconciliação com o
pai, enquanto se pergunta o que o separa de Deus. Liga e perde desculpa por uma
palavra que disse. Relembra imagem do pai cuidando da horta. Jack se achega
tímido. O pai se volta, fala com um olhar para que se aproxime, ele que a esta
altura sabe que foi duro com o filho, por medo, por proteção, por amor. Por
momento, as mãos trabalham juntas arrancando folhas doentes. O filho atira-se
nos braços do pai. Chora. O pai diz: meu doce menino. Quando Será que Deus
reconhece que foi duro conosco?
Deus é quem nos acha, está sempre
disponível como o pai. Nunca estamos fora do seu olhar. Apenas, muitas vezes,
nos sentimos assim, perdidos dEle. E quando pensamos que a fé se esvaiu, é
porque ela está de algum modo renascendo, daí o desassossego, o comichão
existencial. A forma dela renascer é questionando a si e a Deus.
Em certo momento, a história de
Jó é evocada no sermão de um padre. Aliás, na abertura do filme um versículo do
livro bíblico homônimo questiona: “Onde estavas tu, quando eu lançava os
fundamentos da terra? Dize-mo se tens entendimento.” (Jó 38.4)
Jó somos todos nós. Seguros de
si, alegres, tristes, audazes, livres, crentes até que somos tocados pelo
sofrimento. Diz o padre em seu discurso: não há lugar em que possamos nos
esconder do sofrimento. Sabe de Deus aquele que vê sua mão abençoadora e aquele
que vê sua mão encolhendo. O que o vê de frente ou aquele para quem lhe vira as
costas. Ausência de Deus, ou seu silêncio, é outra forma de sua presença. As
duas são extremamente pertubadoras. Resistir as estas experiências é como a fé
se consolida e é na vida, comum, até banal, como também naquilo ao qual
atribuímos grande significado, que aprendemos que esta relação entre nós
(filhos) e Deus (pai) se realiza. O sofrimento está em desconhecê-lo. Perder-se
dos outros e de nós é não amar, que é o âmago da fé, é como ela se
existencializa na mente e na carne.