terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Árvore da Vida


No mundo inteiro mitos religiosos incluem em suas teogonias a simbologia da árvore como fonte original da criação, da abundância e da sabedoria. Os cristãos tem duas árvores-símbolos. No princípio de tudo, no Éden, a árvore do conhecimento do bem e do mal e no fim dos tempos, no centro da cidade celestial, a árvore cujas folhas são para cura dos povos.
O filme Árvore da Vida é um raro filme-poesia. As palavras e frases dançam com as imagens. A família na qual está centrado reproduz qualquer família do mundo, não importando a forma que elas hoje costumam ter. A partir deste pequeno núcleo e toda a complexidade que carrega nas difícieis relações entre marido-esposa, pais-filhos, a história se amplia do big bang ao universo tal como o conhecemos.
Jack (Sean Penn), o filho mais velho do casal, entre os três irmãos, é o guia desta história. É ao longo de seu desenvolvimento físico, emocional e espiritual e as inquietações que este crescer provoca, que as questões universais que nos perpassam a todos vão sendo colocadas.
À parte da dor de crescer, algo sempre marca a história pessoal de cada um de nós, tenhas origem no coletivo ou individualmente. Na família retratada é a morte do irmão do meio. A dor que daí se espraia deixará uma ferida para a vida inteira. A morte é a antítese da criação. As imagens grandiosas do filme são uma forma de suportar e enfrentar a morte. A busca em Deus da chaga que ela abre na alma, é a forma de nós a suportarmos, porque antes de morrermos de muito já fomos tocados por ela, seja porque sofremos uma perda, seja porque a cada dia morremos um pouco.  
Este menino tornado homem é fruto da graça e da natureza que no início do filme é uma fala da mãe (em off). A graça é como o amor em 1 Coríntios cap. 13. Não é egoísta, dá sem esperar nada em troca, é pura bondade. A natureza só pensa em si, não se importa com o outro. Temos que fazer a escolha entre um e outro. Não um dia, de forma definitiva, mas a cada dia.
Árvore da Vida é um filme para pessoas de fé e que sofrem. Não é para crédulos, ateus ou religiosos. Os primeiros porque não tem dimensão do que seja fé e por isso são incapazes de questioná-la. Os segundos porque nada creem (supostamente). Os terceiros porque tem todas as certezas da terra.
O drama que se desenrola entre pai e filho se amplifica nas perguntas que o filho faz a certa altura da vida, agora entre ele e Deus. Parece que em algum momento precisamos nos confrontar. Rever nossa história. Buscar valores perdidos. Chorar de novo perdas e revisitar dores. Não por um mero exercício masoquista, mas para sabermos quem somos de novo, tal a distância que nos desviamos de nós mesmos. O leve sorriso nos lábios de Jack ao final do filme parece explicar que a jornada que empreendeu valeu a pena.
O personagem Jack sofre porque vive num mundo que lhe produz profundo estranhamento. Sente saudade da família, do irmão perdido, e entre as lembranças e as emoções que elas evocam, pergunta onde Deus o encontrou pela primeira vez. Em que momento ele resistiu a esta relação, quando tiveram suas diferenças. Imagens do passado de suas rebeldias com o pai se confundem com o homem feito        que se sente perdido.
Anseia pela reconciliação com o pai, enquanto se pergunta o que o separa de Deus. Liga e perde desculpa por uma palavra que disse. Relembra imagem do pai cuidando da horta. Jack se achega tímido. O pai se volta, fala com um olhar para que se aproxime, ele que a esta altura sabe que foi duro com o filho, por medo, por proteção, por amor. Por momento, as mãos trabalham juntas arrancando folhas doentes. O filho atira-se nos braços do pai. Chora. O pai diz: meu doce menino. Quando Será que Deus reconhece que foi duro conosco?
Deus é quem nos acha, está sempre disponível como o pai. Nunca estamos fora do seu olhar. Apenas, muitas vezes, nos sentimos assim, perdidos dEle. E quando pensamos que a fé se esvaiu, é porque ela está de algum modo renascendo, daí o desassossego, o comichão existencial. A forma dela renascer é questionando a si e a Deus.
Em certo momento, a história de Jó é evocada no sermão de um padre. Aliás, na abertura do filme um versículo do livro bíblico homônimo questiona: “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo se tens entendimento.” (Jó 38.4)
Jó somos todos nós. Seguros de si, alegres, tristes, audazes, livres, crentes até que somos tocados pelo sofrimento. Diz o padre em seu discurso: não há lugar em que possamos nos esconder do sofrimento. Sabe de Deus aquele que vê sua mão abençoadora e aquele que vê sua mão encolhendo. O que o vê de frente ou aquele para quem lhe vira as costas. Ausência de Deus, ou seu silêncio, é outra forma de sua presença. As duas são extremamente pertubadoras. Resistir as estas experiências é como a fé se consolida e é na vida, comum, até banal, como também naquilo ao qual atribuímos grande significado, que aprendemos que esta relação entre nós (filhos) e Deus (pai) se realiza. O sofrimento está em desconhecê-lo. Perder-se dos outros e de nós é não amar, que é o âmago da fé, é como ela se existencializa na mente e na carne.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Sizifrônio


Uma mulher de 59 anos afirma que foi atacada por um jumento no bairro do Janga, no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife, na última quinta-feira (8). Ela prometeu que vai entrar na Justiça contra a prefeitura do município porque diz ser comum encontrar, na localidade, animais soltos em via pública. A dona de casa, que está internada em um hospital particular de Olinda, sofreu uma fratura no braço direito e vai passar por cirurgia. Ela está sendo observada em uma sala, enquanto espera pela intervenção cirúrgica.
Fonte: G1 (09/12/2011)

Sizifrônio é pacato, cidadão desta cidade, herdeiro legítimo dos pioneiros que carregaram nossa história, por que não dizer, a nossa vida e os terém dela nas costas. Alguma coisa a senhora fez para transtorná-lo se é que é verdade o que conta. Ademais, minha senhora, como é que vamos nos entender com o pessoal do Ibama, do Greenpeace e a Associação Protetora dos Animais se fizermos alguma coisa contra Sizifrônio? Ele é membro honorário de cada uma destas instituições.
E como é que eu fico? Não se pode nem passar mais perto de um animal em plena rua sem ser atacada, justo um bicho desses, com cara de lerdo? Sonso é o que ele é. Se faz de besta, de... de... jumento para atacar os outros. E a senhora consegue explicar com que propósito ele a atacou? E como vou saber? Vai ver ele fumou alguma coisa. As pessoas valem mais que os bichos ou não?
Depende do tipo de gente e alto lá, Sizifrônio não está na categoria simples de bicho. A senhora sabia que aquela música do Luís Gonzaga, o jumento é nosso irmão – volta-se para uma assessor  e pergunta: como é mesmo Marmota? Como é mesmo o quê, chefe? Será impossível? A música do Luís, que fala que o jumento é nosso irmão. Canta uma parte aí para a dona ver que não tô mentindo. Sei cantar não. Tá vendo, esse é o tipo de auxiliar que se encontra hoje, a gente aqui tentando resolver uma questão fundamental para o município e não pode contar com ninguém.
Enfim, como eu dizia, o Luís fez a música para o Sizi, essa é que é a verdade. Temos em nosso município um patrimônio da cultura nacional. Se ele lhe deu umas poucas mordidas, não chega nem aos pés do desavergonhado do jegue boneco do João Ubaldo. Aquele sim, era o capiroto chupando manga e dando tchau. Me diga, Sizi foi desrespeitoso com a senhora? Como assim? Desrespeitoso, minha senhora, o sujeito fica lá com segundas intenções. Ele por acaso estava com os documentos para fora? Deusmelivre, nossasenhoramedefenda! Então, não é o que digo, Sizi é jumento respeitador. Apenas a senhora deu com ele num dia de maus bofes. Todo mundo tem, ou não?
De que adianta ser respeitador se é louco? Olha as mordidas que o animal me deu. Eu nem falei com ele que não dou bom dia para jumento e olha o que ele me fez. Mostrou lá três enormes mordidas. A senhora me desculpe, mas isso aqui pede um analizamento de um especialista em arcada dentária. Quase pôs o dedo na mordida e disse: olha uma falha aqui. Sizifrônio tem todos os dentes. Minha senhora, aqui pra nós, isso não foi um rala e rola mais, assim, como posso dizer, mais avexado entre a senhora e seu marido? Ou talvez... Talvez o quê, seu cachorro sem coleira e sem futuro? Disse a mulher furibunda. Calma, minha senhora. A senhora me respeite.
Isso não vai ficar assim. Tenho direito a uma indenização pelas mordidas do jumento. Este bicho tresvariado é um perigo à população. No mínimo o senhor tem que prender o jerico. Tá bom dona, vamos pagar o tratamento, mas não posso prender o Sizi agora, ele é o ator mais importante do nosso presépio e os turistas não vão querer nem visitar nossa encenação do nascimento de nossosenhor. A senhora não imagina a grandeza da apresentação quando ele atua. É nosso ator mais importante. E agora que a vaca está com a garganta inflamada e só tem ele para relinchar no ponto alto da festa, então. Ademais, a senhora já viu o que é um presépio mais chocho sem um jumento? Pior ainda, sem um ator laureado com dois kikitos como ele?