sexta-feira, 8 de julho de 2016

A roda grande correndo dentro da pequena

Você lembra a última vez que pensou em postar algo ou falar num grupo de amigos, mas na hora agá percebeu o ímpeto que vinha de dentro de você, algo difuso e confuso que, você suspeitou, era uma autocensura? De repente você estava perdido entre pensamentos, em luta feroz entre falar e não falar, então percebeu aliviado que o timing passou e já nem fazia sentido fazer/dizer qualquer coisa.
Vamos a outro cenário. Por puro ato falho, deixou escapar uma fala e bem antes que se desse conta, já havia sido atropelado por uma enxurrada de puxões de orelha, alguns simulando humor, outros ameaçadores com algo parecido ao fogo do inferno que as redes sociais e as patrulhas do politicamente correto e ainda o que todo o estamento governamental pode alegremente proporcionar à sua vidinha besta.
Nada disso tem que ver com a urbanidade necessária nas relações sociais. Acontece um processo de desindividuação, uma mentalidade de insetos sociais, um efeito manada permanente. Uma erosão na liberdade pessoal, pois não há prisão pior do que aquela autoimposta.
Você se policia dia e noite para não deixar escapar uma daquelas palavras que se tornou maldita e faz parte de um índex oral. Pisa em ovos, porque uma escorregadela verbal e o mundo desaba sobre você. Este é um medo preventivo que nos sufoca e definha, diz João Pereira Coutinho em “As mulheres de Henrique VIII”, a quem recomendo a quantos desejam ainda um pouco de sanidade intelectual, outro nome do velho bom senso.
O mundo está ameaçador não só porque há sempre um demente à espreita e disposto a se explodir ou fuzilar aqueles que são “os outros” e que não são santos ou puros como eles. A ameaça é mais insidiosa. É sub-reptícia. Sonsa. Dissimulada. Está ao alcance do onipresente whats. Quantas brigas fratricidas e desamizades por palavras mal interpretadas!
E o whats é essa coisa em que as palavras não são suficientes. Elas são esquálidas. Ficam espremidas, reduzidas, subvertidas de sua gramática natural. E não adianta colocar uma profusão de emojis. Há pessoas viciadas neles. Sua linguagem é rudemente pictórica, dispensa palavras como se estivéssemos envoltos num mundo de silêncio. O app pode sempre proporcionar a fala gravada, mas não é a isso que refiro aqui.
O intérprete da sua fala só o faz segundo a estreiteza de seu pensar e sempre com um único significado possível, aquele que lhe desconstrói como ator social, como pessoa. As palavras estão prisioneiras e amordaçadas por um bando de débeis que as usam como aríetes para declarar a libertação e o direito de novos hebreus cativos e espoliados. Mas estes não tem Deus ao seu lado, menos um Moisés. Eles são vítimas supremas o que lhes dá o direito quase divino e lhes gera o que a arrogância mais abjeta pode produzir: que é ignorar e massacrar todos os que apelidaram de opressores. Para ser opressor basta não navegar em suas águas turvas.
Os protagonistas, quase sempre magotes autointitulados minorias, quais polícias religiosas, andam sedentos, exaltados, determinados a enquadrar uma maioria acovardada, com uma síndrome de culpa ou vergonha por serem causadores de toda sorte de miséria, mesmo que elas tenham acontecido há quinhentos anos.