Você lembra a
última vez que pensou em postar algo ou falar num grupo de amigos, mas na hora
agá percebeu o ímpeto que vinha de dentro de você, algo difuso e confuso que,
você suspeitou, era uma autocensura? De repente você estava perdido entre
pensamentos, em luta feroz entre falar e não falar, então percebeu aliviado que
o timing passou e já nem fazia
sentido fazer/dizer qualquer coisa.
Vamos a outro
cenário. Por puro ato falho, deixou escapar uma fala e bem antes que se desse
conta, já havia sido atropelado por uma enxurrada de puxões de orelha, alguns
simulando humor, outros ameaçadores com algo parecido ao fogo do inferno que as
redes sociais e as patrulhas do politicamente correto e ainda o que todo o estamento
governamental pode alegremente proporcionar à sua vidinha besta.
Nada disso tem
que ver com a urbanidade necessária nas relações sociais. Acontece um processo
de desindividuação, uma mentalidade de insetos sociais, um efeito manada
permanente. Uma erosão na liberdade pessoal, pois não há prisão pior do que
aquela autoimposta.
Você se
policia dia e noite para não deixar escapar uma daquelas palavras que se tornou
maldita e faz parte de um índex oral. Pisa em ovos, porque uma escorregadela
verbal e o mundo desaba sobre você. Este é um medo preventivo que nos sufoca e
definha, diz João Pereira Coutinho em “As mulheres de Henrique VIII”, a quem
recomendo a quantos desejam ainda um pouco de sanidade intelectual, outro nome
do velho bom senso.
O mundo está
ameaçador não só porque há sempre um demente à espreita e disposto a se
explodir ou fuzilar aqueles que são “os outros” e que não são santos ou puros
como eles. A ameaça é mais insidiosa. É sub-reptícia. Sonsa. Dissimulada. Está
ao alcance do onipresente whats. Quantas brigas fratricidas e desamizades por
palavras mal interpretadas!
E o whats é
essa coisa em que as palavras não são suficientes. Elas são esquálidas. Ficam
espremidas, reduzidas, subvertidas de sua gramática natural. E não adianta
colocar uma profusão de emojis. Há pessoas viciadas neles. Sua linguagem é
rudemente pictórica, dispensa palavras como se estivéssemos envoltos num mundo
de silêncio. O app pode sempre proporcionar a fala gravada, mas não é a isso
que refiro aqui.
O intérprete
da sua fala só o faz segundo a estreiteza de seu pensar e sempre com um único
significado possível, aquele que lhe desconstrói como ator social, como pessoa.
As palavras estão prisioneiras e amordaçadas por um bando de débeis que as usam
como aríetes para declarar a libertação e o direito de novos hebreus cativos e
espoliados. Mas estes não tem Deus ao seu lado, menos um Moisés. Eles são
vítimas supremas o que lhes dá o direito quase divino e lhes gera o que a
arrogância mais abjeta pode produzir: que é ignorar e massacrar todos os que
apelidaram de opressores. Para ser opressor basta não navegar em suas águas
turvas.
Os
protagonistas, quase sempre magotes autointitulados minorias, quais polícias religiosas,
andam sedentos, exaltados, determinados a enquadrar uma maioria acovardada, com
uma síndrome de culpa ou vergonha por serem causadores de toda sorte de
miséria, mesmo que elas tenham acontecido há quinhentos anos.