É uma história de perda (da
inocência), de traição e redenção. A amargura que faz brotar um reino tem lá
sua lição. (Nunca confiar em ninguém?) A raiz de amargura cresce, vira árvore e
produz furtos azedos e dolorosos. A inocência perdida, no entanto, é reencontrada
na personagem Aurora, filha do odiado rei Stefan, outrora, quando ainda garoto
e adolescente, o primeiro amor de Malévola.
A ganância, possivelmente, filha da
pobreza e do abandono sofridos por Stefan, o torna um homem insensível e
mesquinho, obcecado por uma vida melhor, fato que ele demonstra ainda bem
jovem, quando diz a Malévola que um dia moraria no castelo. Esse sonho o
consumirá e ele fará qualquer coisa por isso, incluindo trair seu amor por
Malévola. Aliás, nele sempre houve a semente da transgressão. O primeiro
encontro deles se dá porque Stefan entra no reino de Moors e rouba uma pedra
preciosa.
Mas à medida que o filme avança
vou tendo a impressão de que entre estes dois mundos, o reino dos homens e o
reino mágico de Moors, as figuras masculinas não passam de seres vis,
orgulhosos, irascíveis, burros e serviçais. As verdadeiras heroínas, as que
realmente sustentam estes reinos, são as personagens femininas.
O antigo rei, que no leito de
morte rememora amargurado sua decepção, pois sua principal plataforma política,
digamos, era destruir o reino vizinho e ele não conseguiu. Culpa seus oficiais
e promete a mão da filha e o reino para quem matar Malévola. Eis o empurrão que
o ambicioso Stefan precisava. Nesta história, assim são os homens, insanos em
seus propósitos, vis e maléficos.
Enquanto Malévola, de protetora e
amiga dos habitantes de Moors se torna a rainha dominadora e transforma o reino
em escuridão, Stefan casa-se, e tem uma filha. Malévola vê aí o momento de sua
vigança. Apesar do nome, só se torna má porque absorve parte da natureza
masculina. Ela mesma, desde sempre, foi boa.
Um plano mal sucedido do rei de
proteger a filha, leva-a para mais perto de Malévola que aos poucos vai sendo
conquistada pela doce menina. A criança cresce e Malévola a protege de longe,
sempre desdenhando, chamando-a de praga e sem querer, sua maternidade se
instala e é correspondida por Aurora.
Stefan enlouquece por medo da
vingança final de Malévola. Passa a vida sob suspense. Consome-se em num plano
para uma batalha para capturá-la. Cumprida a maldição, o verdadeiro amor a
despertar Aurora de seu sono profundo, será o de Malévola que, arrependida
tenta quebrar a própria maldição lançada sobre a garota. É seu amor pela
princesa, não o de um príncipe garboso e corajoso, que a acordará. Este mesmo
mais insosso que caldo de convalescente.
Na batalha final, novamente os
homens são um bando de estrupícios, sádicos, soldados – talvez a melhor
representação da burrice que só segue ordens e não pensa por si – um rei louco
de ódio e medo, não logram destruir Malévola. O rei morre por sua própria
estupidez, pois mesmo vencido e poupado ainda tenta matar Malévola uma última
vez e cai do alto do castelo.
A mensagem é que as mulheres
sozinhas, carregadas dos estereótipos – amor maternal, esperteza, sentidos mais
apurados, doçura, bondade, múltiplas em seus afazeres, capazes de compaixão,
bondosas, mas guerreiras e com vidas como gatos – são as verdadeiras heroínas
de qualquer mundo. No filme, Aurora e Malévola, são as que devolvem a paz e
harmonia aos dois mundos.
Os homens, por sua vez, são
rudes, vingativos, suspeitosos, violentos, medrosos, péssimos políticos,
incapazes de compaixão, traidores. Parece que a roteirista quer mostrar que um
mundo cuidado pelas mulheres tem mais chance de dar certo. Uma mensagem
feminista azeda, que estimula uma visão equivocada dos homens e não ajuda na construção
de uma sociedade plural e cooperativa.