domingo, 1 de abril de 2012

Os Senadores coitados


O senador Cyro Miranda (PSDB-GO), deixou nesta quarta-feira sua marca no anedotário político brasileiro. Depois que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o fim do 14º e 15º salários para os parlamentares, ele resolveu dizer que tem "pena" dos colegas que vivem apenas com a remuneração de 26 700 reais – o que, segundo Miranda, rende menos de 20 000 reais líquidos. Ao site de VEJA, ele disse que se expressou mal.

Fonte: Revista Veja (30/03/2012)
Senador, a entrevista. Manda esperar um momento que estou terminando meu jogo de paciência. Olhando para o computador. Quem é Osmundélio? É a repórter do Diário de Ipixuna do Mearim. O que ela quer saber? Disse que é aquela sua fala sobre o salário dos senadores. E eu disse alguma coisa sobre isso, Osmundélio? Disse, senador. Essa moça não tem o que fazer, não? Isso que dá, estas feministas querem fazer trabalho de homem, quando deveriam estar em casa, cuidando dos meninos e do marido delas. É pelo menos bonitinha, Oz? (o apelido do assessor). É... mas não faz meu tipo, o senhor sabe que meu negócio é pegar um dragão da independência.
Oz, manda a menina entrar. Qual é sua graça, minha filha? Você não quer conversar num lugar mais tranquilo? Senador, o senhor confirma ter dito que tinha pena dos senadores que tinham que viver com “apenas” (ela fez aspas com os dedinhos) 26 mil por mês? Um descalabro minha filha, se alguém disse isso, está coberto de razão. O senhor disse. A senhorita tem minha peroração gravada? Eu não recordo, não sei se disse ou não disse, mas quem disse tem minha concordância. Quer dizer, o senhor não disse ou acha que não disse, mas concorda que um senador que vive apenas com 26 mil é um coitado?
A senhorita está pegando pesado. Coitado é uma palavra preconceituosa e discriminatória de uma classe que trabalha muito pela nação e vive sendo saco de pancada de todo mundo. Ser Senador é coisa custosa, minha filha. Tem o enxoval, a casa nova, a mercedes, umas joinhas que tem que dar para mulher andar à altura do cargo do marido e olha que não falo de roupas, bolsas, sapatos. Mulher não se contenta com pouco, é um inferno, minha filha, um inferno. Estas coisinhas básicas custam muito dinheiro e esse caraminguá mensal, convenhamos, não dá. Só falei do básico. E o celular internacional, para participar dos debates mundiais? Tem que ter cartão platinum ultra plus mundial com crédito mínimo de 100 mil... Reais? Euros, minha filha, euros.
Sabiamente, os colegas que nos antecederam pensaram nuns penduricalhos para aumentar esta mísera bufunfa. É o auxílio paletó que, digo sob protesto, não compra um Armani dos mais chués, só se for de segunda mão. Tem a ajuda para eventuais e a gasolina – como nós rodamos ajudando o povo, você nem imagina. O aluguel – um trocado – não dá, aqui em Brasília uma quitinete está pela hora da morte.
Senador, e ao brasileiro médio que não tem nada disso garantido, o que o senhor diria? O brasileiro... o povo brasileiro... Fala como se quisesse lembrar quem seria este personagem. Ah, sim, o brasileiro não desiste nunca. Olhando para a câmera. Vai chegar a sua vez. Não desista. A repórter, boquiaberta, incrédula. Só isso? Já li muita autoajuda, senhorita, você não imagina o que a palavra pode fazer.
O senhor sabia que foram extintos o 14º e o 15º salários dos senadores? Cooomo? OZ? Osmundélio! Como é que você não me contou que os salários do reveillon acabaram? Como é que essa repórter sabe antes de mim? Senador, o senhor faltou (baixa o tom da voz) à sessão. Não acredito – balança a cabeça como que desolado –, não acredito. Súbito, levanta-se, põe a mão  no peito como quem está enfartando, então explode: onde é que vamos parar?  Me diga, senhorita repórter, onde é que vamos parar? Quem é o autor desta m... ideia, quis dizer ideia de jerico? É a pressão das ruas, senador, disse a repórter. Que ruas? O povo. Tá vendo? O povo! Acabei de desejar sorte ao povo e que ele faz? Hein? Cospe na nossa cara. Retira nosso sustento. Assim não é possível trabalhar. Eu ainda desisto de ser senador, ô vida difícil!