O senador Cyro Miranda (PSDB-GO), deixou nesta
quarta-feira sua marca no anedotário político brasileiro. Depois que a Comissão
de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o fim do 14º e 15º salários para os parlamentares, ele resolveu dizer que
tem "pena" dos colegas que vivem apenas com a remuneração de 26 700
reais – o que, segundo Miranda, rende menos de 20 000 reais líquidos. Ao site
de VEJA, ele disse que se expressou mal.
Fonte: Revista Veja (30/03/2012)
Senador, a entrevista. Manda
esperar um momento que estou terminando meu jogo de paciência. Olhando para o
computador. Quem é Osmundélio? É a repórter do Diário de Ipixuna do Mearim. O
que ela quer saber? Disse que é aquela sua fala sobre o salário dos senadores.
E eu disse alguma coisa sobre isso, Osmundélio? Disse, senador. Essa moça não
tem o que fazer, não? Isso que dá, estas feministas querem fazer trabalho de
homem, quando deveriam estar em casa, cuidando dos meninos e do marido delas. É
pelo menos bonitinha, Oz? (o apelido do assessor). É... mas não faz meu tipo, o
senhor sabe que meu negócio é pegar um dragão da independência.
Oz, manda a menina entrar. Qual é
sua graça, minha filha? Você não quer conversar num lugar mais tranquilo?
Senador, o senhor confirma ter dito que tinha pena dos senadores que tinham que
viver com “apenas” (ela fez aspas com os dedinhos) 26 mil por mês? Um
descalabro minha filha, se alguém disse isso, está coberto de razão. O senhor
disse. A senhorita tem minha peroração gravada? Eu não recordo, não sei se
disse ou não disse, mas quem disse tem minha concordância. Quer dizer, o senhor
não disse ou acha que não disse, mas concorda que um senador que vive apenas
com 26 mil é um coitado?
A senhorita está pegando pesado.
Coitado é uma palavra preconceituosa e discriminatória de uma classe que
trabalha muito pela nação e vive sendo saco de pancada de todo mundo. Ser
Senador é coisa custosa, minha filha. Tem o enxoval, a casa nova, a mercedes,
umas joinhas que tem que dar para mulher andar à altura do cargo do marido e
olha que não falo de roupas, bolsas, sapatos. Mulher não se contenta com pouco,
é um inferno, minha filha, um inferno. Estas coisinhas básicas custam muito
dinheiro e esse caraminguá mensal, convenhamos, não dá. Só falei do básico. E o
celular internacional, para participar dos debates mundiais? Tem que ter cartão
platinum ultra plus mundial com crédito mínimo de 100 mil... Reais? Euros,
minha filha, euros.
Sabiamente, os colegas que nos
antecederam pensaram nuns penduricalhos para aumentar esta mísera bufunfa. É o
auxílio paletó que, digo sob protesto, não compra um Armani dos mais chués, só
se for de segunda mão. Tem a ajuda para eventuais e a gasolina – como nós
rodamos ajudando o povo, você nem imagina. O aluguel – um trocado – não dá,
aqui em Brasília uma quitinete está pela hora da morte.
Senador, e ao brasileiro médio
que não tem nada disso garantido, o que o senhor diria? O brasileiro... o povo
brasileiro... Fala como se quisesse lembrar quem seria este personagem. Ah,
sim, o brasileiro não desiste nunca. Olhando para a câmera. Vai chegar a sua
vez. Não desista. A repórter, boquiaberta, incrédula. Só isso? Já li muita
autoajuda, senhorita, você não imagina o que a palavra pode fazer.
O senhor sabia que foram
extintos o 14º e o 15º salários dos senadores? Cooomo? OZ? Osmundélio! Como é
que você não me contou que os salários do reveillon acabaram? Como é que essa
repórter sabe antes de mim? Senador, o senhor faltou (baixa o tom da voz) à
sessão. Não acredito – balança a cabeça como que desolado –, não acredito.
Súbito, levanta-se, põe a mão no peito
como quem está enfartando, então explode: onde é que vamos parar? Me diga, senhorita repórter, onde é que vamos
parar? Quem é o autor desta m... ideia, quis dizer ideia de jerico? É a pressão
das ruas, senador, disse a repórter. Que ruas? O povo. Tá vendo? O povo! Acabei
de desejar sorte ao povo e que ele faz? Hein? Cospe na nossa cara. Retira nosso
sustento. Assim não é possível trabalhar. Eu ainda desisto de ser senador, ô
vida difícil!
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