Não
é uma frase de efeito: “O celular é o novo cigarro”, disse Amber Case,
socióloga americana que explora (estuda) as questões relacionadas ao nosso novo
mundo virtualizado.
Case
se referia a utilizá-lo como distração da existência (embora pouquíssimas pessoas
admitiriam isso), como forma de passar o tempo, pois estamos sempre rapidamente
entediados com tudo. Eu acrescentaria para preencher os espaços do silêncio
sepulcral entre as pessoas ou o desconforto da presença de estranhos tão
proximamente íntimos, como num elevador, por exemplo.
O
tédio parece resultar de um adestramento cognitivo e emocional pela torrente
ininterrupta e interminável de estímulos a que somos submetidos hoje cada vez
mais cedo. Estes estímulos produzem uma avidez pela instantaneidade, mas disso
já falou muito bem Zygmunt Bauman. Estamos condicionados irremediavelmente.
Case
é categórica: estamos sendo escravizados. O celular é o símbolo máximo dos grilhões
escravizantes. Novamente, não é uma frase de impacto. Sua pesquisa registrou
que as pessoas, em média, olham o celular entre 1000 e 2000 vezes num único
dia!!!! Mesmo se considerarmos que cada olhada leva alguns segundos é um bocado
de olhada.
A
socióloga sugere que devemos, conscientemente – e aqui há outra questão que ela
destaca, talvez a mais importante –, silenciar o smartphone (não há uma ironia
nisso?) ou colocá-lo no modo avião por algum tempo durante o dia. Pede que
recuperemos o velho despertador analógico ou digital, tanto faz, em lugar do
celular que permanece ligado 24 horas. O cérebro, segundo afirma, sofre com a
conexão constante.
Retomo
a parte que considero mais importante. Estar consciente, controlar o celular em
vez de permanecer atado a ele como zumbi, é um tipo de ganho de liberdade.
Quanto daquilo que você vê no celular é, de fato, necessário, importante, isto
é, algo que faz diferença na sua vida? Quanto disso você se recorda depois de
horas grudado à telinha?
Estamos
sendo roubado de nós. Vivemos focados em tudo que está fora, especialmente na
aprovação ou qualificação que apps e redes sociais criam a nosso respeito. Um
episódio do humorista americano Larry David explora esta situação. Ele foi mal
qualificado pelo motorista o Uber e isso resultou numa exclusão dele por outros
motoristas. A situação se desenvolve num completo nonsense e cenas de ridículo
atroz.
As
pessoas são agora boas ou más (aqui num sentido amplo, sem qualquer avaliação
moral) se elas tem bons perfis nas redes. Valor que obedece a toda uma ética
relacional e urbanidade virtuais criadas não mais pela convivência humana direta,
mas por algoritmos que, afinal, venderão propaganda gerando bilhões aos donos
das redes sociais. Não é incrível que muito do oferecido é “grátis”? Não lhe
vem à mente aquela imagem icônica de Matrix: milhões de pessoas em casulos
gerando energia para as máquinas?
Concluo com uma frase de
Case: “Vivemos constantemente em atenção parcial, nunca estamos presentes, portanto não temos tempo
de reflexão.” Qual foi a última vez que você se deu conta, por si mesmo, que
estava vivo, sem que tenha sido fruto de alguns likes e curtidas?