sábado, 15 de março de 2014

Espetinho de jumento

Filé ao molho madeira, filé ao molho branco, escondidinho de carne e churrasco. Esses foram os pratos servidos aos convidados para um almoço de degustação de carne de jumento promovido pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte no município de Apodi, região Oeste do estado, nesta quinta-feira (13). Os animais que foram abatidos e servidos no almoço foram apreendidos nas rodovias que cortam o RN.

Fonte: G1 (14/03/2014)

O postulador da ideia nem bem fechara a boca e um mundaréu, um ror de gente de tudo quanto era ong, oinc e sei lá mais o quê se inflamou em defesa dos jegues. O promotor público, também mestre cuca nas horas vagas, dizia que se devia abater e consumir os jumentos que, por falta de trabalho, infestavam as rodovias do estado tendo sido causadores, por conta desta vadiagem estradeira, de inúmeros acidentes. É, por bem dizer, uma epidemia de asininos que vagam sem eira nem beira.
De certo modo, pode-se dizer que o Eqqus asinus, espécie estradeirus, é uma evolução do jumentinho decantado em prosa, verso e música, e companheiro do sofrido nordestino a quem nosso inesquecível Luís Gonzaga chamava “nosso irmão”. Evolução sim, senhoras e senhores, pois diante da seca dos infernos que assola o Nordeste, sem capim, mandacaru, folha verde de qualquer espécie, os bichos descobriram que um pedaço de plástico, uma chupa de laranja despinguelada de um pau de arara ou ônibus, um papel de bala, um resto de pipoca, era muito melhor que morrer de fome no meio dos matos.
A marca deste novo bicho é a inteligência que não acompanhou o trote que continua jumestiticamente lerdo, daí os atropelamentos. E porque este se metamorfoseou? Falta de trabalho. Já ouviram falar em animal obsoleto? Com trocados e uma forcinha do Bolsa Família, qualquer um compra um motoneta que serve pra tudo, substituindo com larga vantagem ao meio de transporte e de trabalho totalmente ultrapassado que é no que se tornaram os jumentos em geral.
Os jumentos sofrem de abandono de pai, mãe , parteira e delegado. Sem aposentadoria, um benefício sequer por gerações de animais que trabalharam de sol a sol, foram largados ao léu. O tal promotor, volto a ele, mata dois jumentos com uma só cajadada. Retira-os das estradas e transforma-os em iguaria das mais refinadas. Inclusive, para diminuir gastos com o sistema prisional, pois os tais abandonados deveriam se tornar em alimento para os prisioneiros.
Solidários, mesmo sabendo que o promotor patrocinara uma degustação das mais finas, os presos se recusaram terminantemente a comê-los, pois de seus congêneres traziam lembranças, algumas de traquinagens infantis (ou nem tanto) quando com as tais fêmeas da espécie se iniciaram em vida amorosa diversa da conjunção carnal humana.
Dos defensores dos pobres e desamparados jumentos, havia um com cinco alargadores na orelha, uma argola no focinho, gordo que parecia um boi castrado, a sugerir que se destinasse os animais aos pequenos agricultores para serviços no campo. Estes se revoltaram alegando preconceito e que o jumento seria mais uma boca e que o que queriam mesmo era uma bolsa motocicleta, o que a Dilma se apressou em garantir, visto que estamos em ano eleitoral.
Outro colega do primeiro ambientalista defendeu a criação de uma campanha “adote um jumento, um bicho de mil e uma utilidades”. Apareceu com seu jumento de estimação que dava a pata, rolava e buscava um graveto quando se jogava longe. Só falta latir, disse, no que o jumento fez imediatamente uma munganga imitando um canídeo. Foi rechaçado com empolgação e tudo, mas é só porque as casas e apartamentos do Minha Casa Minha Vida estão subdimensionados.
O promotor, recorrendo a leis vetustas, mas garantidoras de que jumento é bom para se comer, determinou o abate e cortes dos mais requintados para variados pratos. Determinou ainda que todos os funcionários em cargos comissionados deveriam comparecer ao lauto almoço, sob pena de demissão, afinal é necessário seguir aos caros princípios legais que regem a administração pública.
Um conviva, atraído pela boca livre, não se fez de rogado. Comeu jumento de tudo quanto foi jeito e gabou-se: já comi tatu-peba, cobra, macaco, minhoca e grilo, jumento é a primeira vez. É muito bom, só a carne que estava um pouquinho dura, mas foi o churrasqueiro que deixou estorricar no fogo.