O
Oscar de melhor atriz este ano foi para uma atriz jovem, Jennifer Lawrence, mas
com carreira consolidada por excelentes atuações e filmes, alguns dos quais dão
o que pensar. Sua premiação veio pelo belo desempenho em “O lado bom da vida”
vivendo a personagem Tiffany. Uma mulher desorientada em busca de um norte e da
cura para as dores da psique. É incrível como o “remédio” continua sendo amor e
aceitação.
Eu
a conheci no filme “Inverno da Alma”. Denso, cru e realista, conta a história
de uma garota que tem que assumir sua família em meio à pobreza, violência e um
mundo hostil. Ela quer encontrar o pai que desapareceu, possivelmente por
envolvimento com drogas. Passou meio despercebido dos cinemas brasileiros que
só querem saber dos blockbuster, com as exceções de praxe.
Ela
fez também “Jogos Vorazes”, há que pagar as contas, afinal, e participou da
franquia X-Men, além de outros. Apesar de admirá-la, acho que o Oscar veio
cedo. A atriz francesa Emmanuelle Riva com quem concorria, de 86
anos, e uma carreira incrivelmente longeva e de grande experiência,
provavelmente deveria ganhar pela personagem Anne em “Amor”, um filme que trata
das agruras de um casal que tem que cuidar um do outro na velhice, sendo que a
esposa sofreu um derrame e tem parte do corpo paralisado.
Feita
esta introdução – uma forma de compartilhar com vocês, leitores, minha paixão
por cinema – quero falar de outra coisa. Vamos ao ponto de partida. A Jennifer
participou de um comercial de bolsas da Dior. A imagem, que esbanja
sofisticação, parece quase etérea. Foi completamente manipulada pelo fotoshop.
A atriz, questionada sobre o resultado, declarou sem papas na língua que na
realidade não é daquele jeito e acrescentou: “é claro que ninguém é assim na
vida real.”
O
excesso de sinceridade causou desconforto na Dior, que vive da venda de imagens
de seus produtos caríssimos para pessoas supostamente muito especiais, mas
apenas por causa da conta bancária dos seis dígitos para cima. Classe,
elegância, sofisticação são ideias culturalmente determinadas, economicamente
manipuladas. São máscaras aprendidas, às vezes necessárias para atender a um
modelo exigido em certos círculos, noutras vezes pura simulação de um valor
que, no real, não existe.
Jennifer
afirmou algo que todo mundo sabia e mesmo que negasse, é quase impossível
esconder algo público e notório num mundo em que todos têm acesso a formas de
saber a verdade, especialmente com a tecnologia disponível na internete. O
desconforto da Dior sugere não uma mentira propriamente, mas o mal estar pela
desconstrução de uma fantasia da qual ela vive e investe milhões. Assim
acontece conosco.
A
verdade é um bisturi que expõe nossas entranhas. Precisamos nos cobrir com
roupas de certo tipo e marca, necessitamos alterar a aparência com pinturas de
cabelo, maquiagem, adereços que chamem a atenção para eles e não para nós. De
quebra, ganhamos um pouco de conforto ao enganar explicitamente a nós e aos
outros, mas todos sabem que não é real tanto quanto um sorriso perfeito e
alinhado de alguém aos noventa anos com sua prótese bucal.
A
persona é necessária, como diria Jung. Atende a uma necessidade nos muitos
espaços por onde transitamos. A questão
problemática – aqui certamente reside um grande dilema atual – é o apego
excessivo à persona. Ora, se esta é transitória, imagem projetada, criada – ver
o filme My Fair Lady, com Audrey Hepburn –, adaptativa, não é, por suposto, o
próprio indivíduo. Corre-se o risco de ficar apenas com a imagem idealizada, distante
da real, submersa debaixo de muitas camadas de simulações e máscaras
superpostas. Isto costuma resultar em desagregação interna.
A atriz parece saber quem
é. Pelo menos fisicamente. Isso é bom. Pode-se, nestes casos, usar a máscara da
ocasião, que nos adequa, e voltar para nossa velha e conhecida imagem. Saber-se
quem é, é o caminho/mapa seguro para achar o lugar para onde se deve voltar.
Para nós mesmos. Aceitados, congruentes e reconhecidos. Às vezes costuma-se
chamar isso de um ingrediente da felicidade.