quarta-feira, 29 de junho de 2011

Homem com H


A Justiça italiana obrigou um casal da cidade de Bolonha a se separar contra a própria vontade, depois que o homem trocou de sexo e se tornou mulher.
Alessandro Bernaroli, de 40 anos, se submeteu a uma operação de troca de sexo em 2009, quatro anos após ter se casado no civil e no religioso. Ele passou a se chamar de Alessandra e não tinha a intenção de se separar da esposa. Nem ela dele.

Fonte: BBC Brasil

Nada é tão simples como parece. Retalha-se, esquarteja-se, miudeia-se, pormenoriza-se os fatos e fenômenos porque é uma forma de apreendê-los. Mas se se torna uma coisa em seus pedaços constituintes e, sim, esmiuçam-se suas qualidades e constituição, perde-se em muito o todo que nos escapa sabe-se lá para onde. Logo, nesta toada cartesiana, nunca se saberá que o todo é sempre maior que a soma de suas partes.
        Nem sei se os leitores, já tontos, chegaram até aqui, mas se chegaram, quem sabe por pura teimosia, ou por não ter nada melhor para fazer num domingo, vamos tentar dar sentido ao parágrafo anterior. É que por mais que se tente, a fantasia está sempre atrás (muito atrás) do que acontece no real.
        Imagine que você seja um juiz ou juíza.  Chega-lhe um caso. Um simpático casal viveu amorosamente alguns anos. Eis que um dia o jovem senhor resolve que quer ser a senhora do casal. A jovem senhora, ao invés de escandalizar-se como seria, supomos, o caso, aceita a condição de mulher da mulher. Quem sabe satisfazendo alguma recôndita fantasia que antes jamais lhe ocorrera sequer compartilhar com o outrora homem da relação.
        Mas vejam, o antes homem do casal não colocou aí um bustiê, uma peruca e rebocou a cara com umas quantas pinturas, cílios, saltos e outros balangandãs que antigamente, em alguns lugares do nordeste, alcunhava de maneira semi-chula os documentos masculinos. Muito ao contrário, o marido cortou-os fora, pois disse alguma vez, precisava fazer desabrochar em toda a sua plenitude a Carmem Miranda que guardava oprimida dentro de si.
        Lembre-se, você como magistrado ou magistrada, recebe o caso que já vem aos trombolhões de incidentes legais. Pois imagine que um funcionário do registro de documentos recusara-se terminantemente a mudar as fotos e dar um novo nome ao antigo marido que agora assinava-se algo como Alessandra, emoldurando os trejeitos e máscara de uma desconjuntada balzaquiana que fosse a mulher dele homem, duvido que lhe desse bola. Ainda me acompanham?
        Enfim, em resumo, o casal entrou na justiça pedindo que a situação fosse regularizada. Na prática, se tratava de pedir que os documentos fossem emitidos para dona Alessandra que desejava manter o matrimônio com entusiasta apoio de sua mulher que manteria o status quo de casada, coisa que ela nem em sonho pensava em mudar.
        Ora vejam, o juiz, nem tanto pela estupefação ou pelos preconceitos que certamente carregava, mas ao olhar a lei percebe que duas mulheres não poderiam dar-se em casamento. O juiz não teve dúvida: determinou que os dois se separassem. Era pedir o divórcio e fim de conversa. Faltava agora àquele casamento a diversidade sexual como pedia a lei. Se o homem tornou-se mulher, não havia o que fazer.
        A esta altura, a imprensa - que não fala noutra coisa nos últimos tempos-, esbaldou-se. Caíram no juiz de tudo quanto foi nome para demonstrar sua frieza, sua falta de sensibilidade, pois no final das contas, tudo se resumia a um amor, quase a revivescência de um Romeu e Julieta que se via perseguida pela briga dos capuletos e montechios. 

Acontece que na cabeça do casal o casamento estava de pé ou sei lá. De fato, alegavam, a paixão reacendeu depois que o João alessandrou-se. A última coisa que queriam era qualificar seu casamento de homo, hetero, trans, vice-versa ou qualquer outra coisa. Era só um casamento feliz que as forças das trevas legais impunha o fim. Eles que casaram no civil e no religioso e professavam com fervor que aquilo que Deus uniu não o separe o homem se viam obrigados, contra suas crenças e amor, a pedir o divórcio.