domingo, 8 de fevereiro de 2015

Meus tempos de ansiedade...



É raro um escritor conseguir reunir prosa agradável, fluida e bem escrita associada ao rigor científico. Scott Stossel, jornalista e editor americano o faz com grande sucesso no livro “Meus tempos de Ansiedade: medo, esperança, terror e a busca da paz de espírito.”, lançado em 2014 nos EUA e por aqui pela Cia da Letras também ainda no ano passado.
Stossel usa sua própria história como pano de fundo para visitar centenas de referências em pesquisa recentes e clássicos que abordam este mal humano, mas que, como li recentemente, também acomete até aos crustáceos como o lagostim vermelho.
Meus tempos de ansiedade é, a um só tempo, pungente, engraçado e extremamente informativo, seja para o leigo ou para o profissional que cuida de pessoas nestas condições. Sim, no plural, porque a ansiedade é bicho metamorfo e escorregadio e com mais de duas caras. O autor, falando em primeira pessoa, é um verdadeiro manual sobre a doença, sem esquecer sua experiência própria com, provavelmente, todos os psicofármacos, de A a Z, existentes no mercado. Neste tema, ele traz inúmeras histórias pitorescas sobre diversos remédios já velhos conhecidos de muitos usuários. Em alguns casos, o puro acaso produziu a descoberta.

Ele realiza uma busca séria e quase quixotesca para explicar a sua condição que, a despeito de décadas de tratamento – atendimento terapêutico de várias abordagens e remédios – ainda luta contra uma mente rebelde ao controle, à paz e quietude. Ainda assim, Stossel é um modelo seja de nossa precariedade no tratamento deste transtorno, mas também dos avanços que foram possíveis que, sim, tem devolvido a saúde para muita gente e em casos resistentes como o do escritor, fornecido ferramentas cognitivas e farmacêuticas que possibilitam enfrentar plateias, ser editor de uma revista, escrever livros, construir e manter uma família, vá lá, quase saudável. Mas não por causa dele, é bom que se diga. 
Para mim, o livro foi um feliz achado e percorrer suas quase 500 páginas foi um prazeroso exercício de aprendizado.

O Grande Hotel Budapeste



Uma fábula que nos arranca o riso pelo humor sofisticado e nonsense. Um hotel que serve de palco para o drama da vida mesma. As ameaças que ela impõe. Para dar vida a este fábula, literalmente uma constelação de atores experimentados, mas Ralph Fiennes, como Monsieur Gustave, o gerente do Hotel, está ótimo. Melhor para nós expectadores, pois John Deep quase o faria, mas em baixa na carreira, correríamos o risco de vermos os maneirismos do Jack Sparrow ou a esquisitice do personagem tonto em “O Cavaleiro Solitário”.   
O hotel parece um lugar de acolhimento, refúgio, lugar de aceitação. Tudo regido por um homem excepcional. Zeloso de seus deveres que parece viver a vida com extraordinário senso de serviço e cumprimento do dever. Mas que nunca soa como obrigação, mas como um sentido para a vida mesma. Monsieur Gustave, explica o diretor Wes Anderson, se inspira em Stefan Zweig, escritor judeu austríaco, que se refugiou no Brasil e, infelizmente, tirou a própria vida deprimido com a escalda do nazismo na Europa. Morreu em Petrópolis em 1942. Naquele momento, era o escritor mais lido em todo o mundo. A própria história retira inspiração em obras de Zweig.
O filme faz um balanço sutil entre a banda da humanidade desvirtuada de sua natureza e aquela que conserva os resquícios de sanidade, solidariedade e altruísmo. Esta última não parece certinha ou piegas. Carrega lá suas idiossincrasias e eis aí o humor, particularmente quando nas situações mais absurdas, ainda se mantém aquilo que Mr Gustave chama de resquício de civilização.

Meandros psicológicos dos artrópodes



Invertebrados podem sentir emoções complexas, como nervosismo, e respondem bem a Rivotril ou Lexotan.
De acordo com pesquisadores da Universidade Livre de Bruxelas - ULB (Bélgica) baratas não são todas iguais. Elas também apresentam uma grande variação de personalidades: de tímida a forte.

Fontes: Reinaldo José Lopes Folha Saúde + Ciência (04/01/2015) e O Globo (05/02/2015)

Duvido que você saiba que tinha mais em comum com o Procambarus clarkii e com a Periplaneta americana do que imaginava sua vã besteira a respeito de si mesmo. Está boiando sobre quem seriam estas criaturas, não é? Nem deu tempo pedir ajuda ao Google. Então, antes que lhe funda a cuca, aqui vai nomes mais palatáveis destes seus aparentados, pelo menos nos sofrimentos psicológicos. Lagostim vermelho e a onipresente barata comum.
Pois eis que estudos recentes atestam que o lagostim tem distúrbios psicológicos, talvez porque tão sem cerimônia é colocado numa panela de água fervente para se tornar aperitivo no seu prato. E a barata que você chinela sem piedade apresenta diferentes personalidades. Não múltiplas personalidades, como sugere o texto mal escrito, mas que cada qual tem lá a sua personalidade.
Seu lagostim, entre uma ecdise e outra, é um ansioso típico. Só me pergunto como é que um cientista tem uma ideia dessas. Talvez um acidente com as pinças do dito crustáceo. Ele, naturalmente, pressentindo a panela sapecou uma trincada no dedão do assassino em potencial e este concluiu que o pobre era temperamental. Imagine.
Levaram o infeliz artrópode para um laboratório. Meteram-no num labirinto cruciforme para ver o que faria. Explorá-lo, por evidente demorar-se na parte escura que é onde gosta de ficar. Choques na água faziam-no se desnortear e ficar ainda mais vermelho que a capa do coisa ruim. Eletrificado, fazia coisas contrárias à sua natureza invertebrada. Um pouco de Valium, Lexotam e Rivotril dava um barato e o lagostim ficava tranquilão. No divã, com dr. Sarnambi, nada disse só que a experiência em que foi cobaia teria sido feita por alienígenas. Dr. Sarnambi não teve dúvida, encaminhou-o para mais choques, mas estes para recuperar o são juízo. Esperava algum dramalhão familiar: um Édipo mal resolvido, um trauma, mas um labirinto eletrificado era um pouco demais.
Dona baratinha que não tem dinheiro na caixinha, especialmente depois da inflação galopante da Dilma, é mais sofisticada que seu lagostim cuja vida, pelo visto, se resume a ataques de ansiedade. Em outro laboratório, outra equipe reuniu um grupo delas e acendendo luzes e apagando – as baratas gostam de lugares escuros também – percebeu que umas corriam atarantadas ao acender a luz e outras sequer se mexiam de seu lugar com o claro-escuro. Ora, concluiria eu que a barata era lerda. Que teria tomado um Lexotan com o lagostim. A conclusão impressionante a que chegaram, no entanto, é que esta era, por bem dizer, mais extrovertida. Veja-se que disparate!
        Baratas extrovertidas são a prova da evolução darwiniana, deliraram os pesquisadores. Lagostim sofrer de ansiedade deve ser involução, então. De repente, os humanos da classe média brasileira, fustigados por falta d’água e aumento dos gastos na feira, caminham para se tornarem lagostins estressados. Do jeito que a coisa vai, é panela na certa. Os políticos já são baratas há alguns milhares de anos, certamente na extroversão, mas também em algo ainda mais deletério, a sem vergonhice.