sábado, 9 de outubro de 2010

O QUE A DILMA DIZ SOBRE ABORTO NÃO É O QUE A DILMA DIZ

As eleições para a Constituinte de 1988 não inauguraram a participação dos religiosos – leia-se cristãos – na política brasileira, mas certamente é um marco que inaugura a fase da redemocratização. Desde então, nas eleições majoritárias, especialmente as presidenciais, eles protagonizam eventos, apoios, repúdios e colocam na pauta das discussões temas que lhe são caros, entre os mais explosivos está o aborto.
O Brasil é, pode-se dizer, um país cristão. A cultura, normas, costumes, todos os setores da vida nacional, estão marcados por aqueles valores que explicam alguns padrões comportamentais, crenças e convicções. Se estes são meros referenciais e, de fato, são poucos seguidos, é outra história. No entanto, um candidato a presidente que pretenda se eleger, ou evitar muita saia justa, deve ter um discurso que agrade  a esta maioria da população.
O recente imbróglio em torno do aborto – ele já apareceu noutras eleições –  explica-se porque a candidata petista, que já se declarou favorável a esta prática, agora afirma um discurso que nega sua antiga opinião. Há duas razões para a conversão de Dilma: Um movimento de repúdio a sua candidatura entre os cristãos, em função de seu apoio ao aborto e o fato de não ter ganhado no primeiro turno.
Posto isso, vejamos porque a Dilma não diz o que diz. No dia 29 de setembro, realizou-se uma grande reunião em Brasília de mais de três horas com lideranças católicas e evangélicas, para estes ouvirem de Dilma o que queriam ouvir. Ou melhor, darem apoio a sua candidata. Assim, como fiéis religiosos que ouvem seu profeta, aceitaram a declaração que transcrevo abaixo tal como a publicou o serviço oficial de imprensa, a Agência Brasil: “Pessoalmente eu não sou a favor do aborto. Sou contra o aborto porque considero uma violência contra a mulher. No entanto, não acredito que uma mulher recorre ao aborto em condições precárias porque quer”, disse a candidata. “Nós já temos uma legislação sobre o assunto”.
Trata-se da declaração final à imprensa pós encontro com os religiosos. Ela repetiria esta fala, com ligeiras modificações, várias vezes Brasil afora. Antes de analisar a fala propriamente dita, uma ligeira lembrança. O plenipotenciário líder da Universal, Edir Macedo, igreja alinhada ao governo, declarou que Dilma não se disse favorável ao aborto. Claro que mentia. Ele mesmo em várias ocasiões já se confessou favorável ao aborto (Está no seu livro, O Bispo, p 223), inclusive recomenda a pastores de seu negócio que o façam, pois ali tem uma norma relativa a número de filhos.
Em seguida, Gabriel Chalita, líder católico, segundo deputado federal mais votado em São Paulo, afirmou: “Dilma nunca disse ser a favor do aborto.” Também mentiu. As duas mentiras se justificam. A Universal é dona do PR (Partido da República) – o vice-presidente, José Alencar, pertence aos seus quadros – e tem interesses político-econômicos enormes. Chalita é aliado da candidata e agora seu avalista.
Agora à fala da Dilma. “Pessoalmente eu não sou a favor do aborto”.  O Lula, seu mentor e criador, disse isso em várias ocasiões quando políticas de seu governo avançaram na liberalização do aborto – está na proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) que ora aguarda votação no congresso. A afirmação dele até valeria uma análise de alguém que se confunde com o Estado, mas não cabe aqui. Enfim, ele colocava panos quentes, dizia que não era “pessoalmente” favorável, mas havia uma questão de saúde pública envolvida. Foi o caso no episódio da declaração do seu atual ministro da saúde, José Gomes Temporão.
O partido ao qual pertence o presidente e Dilma defende a liberalização do aborto. Decisão tomada em seu 3º Congresso (2007) – o tema é defendido, entretanto, desde 1991, pela CUT. Logo, os políticos do PT precisam defendê-lo. Aliás, já houve até ameaça de expulsão aos contrários. Quando tem repercussão popular, eles dizem que é opinião pessoal daquele político. Assim, Dilma mimetiza seu inspirador. Tergiversa. É diversiva. A ênfase na opinião pessoal aqui é um disfarce. Serve, inclusive, caso ganhe e queira implementar lei favorável ao aborto, para se safar de qualquer incômodo. Atentem. O PT, casuísticamente, pretende retirar esta bandeira, justo na hora em que sua candidata está ameaçada.
“Sou contra o aborto porque considero uma violência contra a mulher.” Percebam a sutileza. Esta frase tem o dna do discurso comum dos favoráveis ao aborto. Aqui acontece um baita ato falho da candidata, embora ele tenha trocado os sinais ligeiramente, pois afirma o contrário do que os defensores de carteirinha. E o discurso deles se baseia na liberdade de escolha da mulher – esta é a defesa do Macedo em seu livro. Na violência que a mulher sofre. Na discriminação da mulher. Etc, etc. Nem uma palavra sobre o ser que é extirpado. É como se não existisse.
É claro que mulheres morrem fazendo aborto em clínicas clandestinas e é grave. É possível que, como disse o presidente, os que estão contra a Dilma certamente já estiveram perto de  um aborto se não o praticaram. Embora esta defesa seja um despautério. Mas a discussão não é esta. A questão é que o Estado falha na educação, na segurança – as clínicas de aborto clandestinas todo mundo sabe onde ficam – na implementação de políticas de natalidade, em programas que enfrentem com seriedade a gravidez adolescente e por aí vai. Por que não um programa nacional de adoção de mães que não querem seus filhos, com pré-natal pago pelo estado. Eu me habilito a adotar uma criança. É mais fácil escancarar o aborto.
“No entanto, não acredito que uma mulher recorre ao aborto em condições precárias porque quer” Da violência contra a mulher, fala que contém um bom ranço feminista, Dilma conclui com isto. E o que significa? Nada. Exceto, destaco, que uma mulher que, sozinha, tenha cometido um aborto seja por que meio, deve receber atenção clínica e psicológica. Mas isso sequer justifica o ser contra ou a favor do aborto. Trata-se de uma questão prática, humana e ponto. Aborto tem a ver com um tipo particular de assassinato, a decisão de alguém de acabar com a vida de outro, justificado pela liberdade de escolha, por uma tal autonomia sobre o próprio corpo. O resto é balela. É Dilma e PT enrolando, se desdizendo, alegando que estão sofrendo calúnia e deslealdade. Puro teatro e dos ruins.