Há histórias e filmes que nos
capturam desde o primeiro momento. Na minha opinião, não é o que ocorre a Melancholia. Assisti-lo, de início,
igualou-se a um exercício tedioso. À realização de um ato de rotina. Fazer algo
porque se tem que fazer. Visto nesta perspectiva, parece que detestei o filme,
não é o caso. Mas prefiro filmes que, de algum modo, produzam em mim um tipo de
conexão emocional e que por este canal me provoquem a crença e a compreensão
das coisas.
Enfim, Melancholia é o sugestivo nome de um planeta gigantesco que saiu de
sua rota nos confins do universo e veio trombar com a terra. Justine (Kirsten
Dunst, aquela que fez a namorada do Peter Parker/Homem Aranha) e sua irmã,
Claire, fazem o núcleo do enredo. Some-se o marido e filho de Claire e os pais
de ambas, separados. A mãe, um saco de amargor até o tutano. O pai, um bon vivant sem responsabilidade. Um
microuniverso de relações com todas as nuances boas e ruins. Funciona como um
espelho de nossas preocupações frugais, maldades, mesquinharias, banalidades
que vistos sob a perspectiva dos grandes dramas da vida que se esfacela sobre e
ao redor de nós, são insignificantes.
Exceção aos pais, são eles que no
filme viverão diante da notícia aterradora: um planeta colidirá com a terra,
não antes de uma dança cósmica macabra de aproximação e afastamento como duas
bolas de gude que caminham em direção ao fundo de uma bacia depois de alguns
giros em sua borda.
Justine, mesmo em dias que
simbolizam felicidade e promessa de futuro feliz – ela celebra seu casamento –
é como que, aos poucos, infiltrada pela certeza do fim do mundo. Mas ela não
sabe o que é. De forma insidiosa a inquietação, o desassossego vão se
avolumando, tomando sua alma. A festa, os convidados, o noivo, a programação
que sua irmã zelosamente preparou, tornam-se um fardo e algo absurdo. Algumas
certezas e verdades, quando um ou poucos sabem, são produtoras de solidões
imensas. É nesta consumição que ela busca conforto nos familiares e todos
apenas a acham estranha, infeliz no dia da felicidade, distante, mal
agradecida. Como comunicar sua dor e desespero?
Enquanto as pessoas se debatem
com seus medos ou frouxas esperanças, Justine adoece, entra em profunda
depressão. Não há saída. Não há plano B possível. A verdade adoece, mas também
cura. E ela sobrevive ao ponto quando se foi tão longe que nada mais nos pode
ser tirado. Nenhuma ilusão vingará, nem um consolo, mas nenhuma dor será
bastante.
Seu cunhado, um homem riquíssimo,
acredita piamente na ciência e seus prognósticos. Em dado momento, ele faz
compras contra o que considera pequenos efeitos pela passagem do planeta. A
desgraça nos alcançará um dia e nenhuma preparação será suficiente. Ele se consola
com sua habilidade, sua verdade científica (que não falha), enconde-se neste
saber até que, no momento fatal, diante do inexorável, nada tem a não ser uma
brutal desilusão que o sucumbe. Há verdades mais importantes que as
científicas? Qual delas devemos manter conosco e que nunca nos abandonará?
A proximidade do fim produz em
Justine uma fortaleza emocional, um estado de serenidade. Torna-se ela, há
pouco prostrada diante da terrível verdade, agora a que consola e sustenta o
sobrinho e a irmã amedrontada e fraca. Para mim, a cena mais tocante do filme,
seu resumo, o traço de genial criatividade de Lars Von Triers (diretor), é a
construção de uma tosca “cabana” – não mais que alguns galhos em forma de
pirâmide, sem paredes ou teto – que Justine chama de “caverna mágica” para o
pequeno sobrinho. Enquanto o monstro Melancholia, algumas vezes maior que a terra se aproxima para o abraço fatal e assoma,
tomando conta de todo o horizonte, os três se dão as mãos. O menino, de olhos
fechados, é o retrato da inocência e pureza. Ele sabe que está protegido e não
tem nenhum medo. Claire, sua mãe, aguenta-se como pode, sofre e, como a mulher
de Ló, quer ver a hecatombe sobre seu mundo. Não consegue desapegar-se.
Justine, de olhos fechados, tem um leve sorriso, uma paz e tranquilidade de
quem alcançou uma espécie de nirvana.
Lars Von Triers, o diretor, não
conhece a música “O último dia” do Paulinho Moska que diz: “Meu amor o que você faria? / Se só te restasse um dia /
Se o mundo fosse acabar / Me diz o que você faria?” A pergunta – ou uma delas
– é em quem estamos representados? Em Justine, que sabe da realidade e a aceita
tal como é? Em Claire, que se perde ante a catástrofe e se desespera? No marido
confiante e tranquilo em sua verdade científica infalível? Nos convidados do
casamento que nada percebem e fazem apenas o rebanho de gente que vai para
lugar nenhum? No menino que se sente protegido em sua “caverna mágica”?
Agora, depois de escrito este breve relato de minha
experiência com o filme, percebo que provocou-me mais do que havia pensado.
Talvez fosse o caso de repetir a experiência.