sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados (amei, mas sou suspeito)

Considero-me entre aqueles que gostam de Tarantino e esperam ansiosos por cada filme que ele roteiriza e dirige e, às vezes, por pura troça, faz pequenas pontas, como em Django Livre. Não levar seu roteiro a sério, no que diz respeito à veracidade histórica, por exemplo, ou quem sabe passar lições seja de que caráter for é um dos deleites das obras tarantianas. Bastardos Inglórios representa isso à perfeição.
Os Oitos Odiados, seu mais recente trabalho, mantém firme sua característica. Diálogos bem humorados, mas que parecem arrancar o humor de forma involuntária, como se a intenção inicial não fosse fazer rir, mas é tal o absurdo da situação e o exagero abundante que terminam por arrancar risos, meus pelo menos.
Outra marca registrada de Tarantino é passear por estilos de filme, que ele enche de referências de outras obras que deve apreciar ou porque sejam ícones da cinegrafia. Mas nada é normal em suas histórias. É intencional o deslocamento da margem do que seria esperado naquele estilo. Enfim, é um filme Tarantino.
Oito Odiados é uma história se desenrola num único cenário. Uma nevasca força a parada da diligência em que um caçador de recompensa viaja levando uma presa à pequena Red Rock, cidade que colocou a cabeça da assassina a prêmio. No local, o Armarinho da Minnie, abrigará do rigor da tempestade um grupo de pessoas que você não gostaria, certamente, nem de passar por perto. O que Tarantino expressou em pegar oito fuinhas, colocar dentro de um saco, e assistir para ver o que acontece.
As tais oito fuinhas são dois caçadores de recompensa, o candidato a xerife que a caminho da tal cidade também se perdeu, a assassina que é hilária. Na estalagem, três homens incógnitos e um velho general confederado que foi pego entre dois fogos. Nada é o que parece. Mas até ter sangue jorrando de forma samarquiana, vai certo tempo de arranjo dos personagens em seus lugares. Enquanto isso, Tarantino arranca humor até da porta quebrada.
A eterna briga entre brancos e negros americana é explorada com maestria, mas definitivamente não existe um único e escasso herói ou qualquer um que chegue perto disso. Sobra até para os mexicanos. Um dos caçadores de recompensas, Major Marquis, é Samuel L. Jackson (de novo e ótimo), negro que lutou do lado da União e, aparentemente, com grandes feitos. Vale a pena seu diálogo com o candidato a xerife no Norte, confederado e renegado, o que já é em si, um disparate.
A relação de Jonh Ruth (Kurt Russel), o carrasco, com sua prisioneira é um show à parte. Entre dentes e nariz quebrados e a brutalidade verbal com que a trata, tem “delicadezas” como retirar restos de comida que teriam ficado no canto da boca da prisioneira.
Ninguém é santo. Todos são sujos e com histórias cavernosas. Todos têm histórias que merecem um pente fino. Nada diferente, parece, de nossa realidade. Mas Tarantino não quer dar lições, suponho. Será uma tentativa frustrada querer se apegar a qualquer dos personagens a partir do que os próprios apresentam. Tente um dos cavalos ou o personagem secundário, cocheiro da diligência, que tem o curioso nome O.B.
É possível, desta vez, que Tarantino queria mostrar um retrato de nossa humanidade em sua mais recente versão. A estalagem é o mundo, os odiados somos todos nós: mocinhos e bandidos, autoridades legais e soldados, trabalhadores e patrões, todos íntimos e se devorando uns aos outros. Se a versão real for igual ao filme, ai de nós.