segunda-feira, 9 de abril de 2018

Uma história com o Lula

Era final dos anos 1980. Sarney ainda ocupava o Planalto e vivia seu ocaso na presidência, acuado naquele malfadado quinto ano que comprou mediante milhares de favores que ofertou aos picaretas da Câmara Federal. Ovadas, vaias e até machadada num ônibus em que estava era seu calvário e o cerco que sofria.
Lula, a essa altura, estava em plena campanha para a presidência da República. Foi sua primeira tentativa e que perdeu para Fernando Collor de Melo. Perdeu pelo medo que foi incutido na cabeça das pessoas. Perdeu por seus próprios erros e, por fim, teve o jogo sujo com a ex-mulher. Além disso, Fernando Collor, naquele momento, teve sua própria habilidade de perceber o que as pessoas queriam e emplacou o personagem jovem, bem apessoado, um discurso guerreiro, determinado a caçar marajás, os inimigos que criou e toda guerra precisa, sejam reais ou imaginários.
Vários amigos e eu, jovens idealistas, claro, abraçamos Lula com todo o ardor de nossas esperanças. Tínhamos uma militância na faculdade, em nossas igrejas, no que poderia ter sido uma esquerda evangélica. Pretendíamos lançar um candidato para o legislativo municipal de São Luís sob a bandeira do PT. As conversações com o partido fracassaram. Eles, radicais e burros, não queriam esse grupo estranho dentro de suas hostes vermelhas puras.
Na época criamos um grupo que denominamos GEESP: grupo evangélico de estudos sócio-políticos. Discutíamos as demandas da esquerda à luz da Bíblia. Caso você não seja versado no livro sagrado, acredite, há muito o que pensar sobre todas as reivindicações que são o discurso da esquerda: da reforma agrária aos direitos trabalhistas.
Mas estávamos em São Luís que era – e continua sendo – absolutamente periférica no aspecto político-intelectual. Nosso grupo pequeno e com pouco impacto. Não havia redes sociais. Sim, Sarney, maranhense, era presidente, mas vocês sabem como ele foi parar lá.
Mas tivemos a honra de sermos mencionados em um encontro nacional pelo inesquecível Robinson Cavalcanti. Sociólogo, teólogo, pastor e professor da UFPE. Ele se encantou com a ideia daquele grupo maranhense e que só teve algo parecido tempos depois, se não me engano, em Belo Horizonte uma cidade com muito mais conexões.
Voltemos ao Lula. A incipiente esquerda maranhense, capitaneada pelo PT trouxe o Lula para um comício que se realizou em cima de um caminhão na frente da Biblioteca Benedito Leite.
A praça ficou lotada. A maioria jovem como eu, que era o grande público ouvinte e entusiasmada com a candidatura do Lula. Foi eletrizante vê-lo e ouvi-lo. Ele falava aquele linguajar simples que hoje sabemos bem, mas havia inteligência, rapidez de raciocínio e uma incrível capacidade de nos manter hipnotizados pelo discurso.
Fiquei emocionado. Parecia que tudo era possível. Parecia que o país poderia seguir um rumo novo. Sobre aquele caminhão ele disse coisas terríveis sobre o Sarney para delírio do público. Como sabemos, naquele momento, já havíamos atravessado não sei quantos planos econômicos – todos fracassados –, não sei quantos cortes de zeros e nomes de dinheiro. Havíamos assistido à ridícula campanha dos ficais do Sarney. Os tais fiscais deduravam comerciantes que ante o congelamento dos preços, vendiam por preços majorados. O resultado foi um gigantesco desabastecimento de tudo, de frango a botijão de gás.
Na votação propriamente dita em 1989, eu estava fora do país e perdi o prazo para me cadastrar para votar. Liguei para minha mãe, que jamais votaria no Lula, e a chantageei para dar seu voto nele em meu nome. Ela assim o fez. Contrariada.
No dia que saiu o resultado – Collor ganhara a eleição –, que só fiquei sabendo dois ou três dias depois. Eu chorei. Três outras tentativas ainda viriam e em todas eu votei no Lula. Por fim, veio a consagradora vitória em 2002.
Como dizia Didi, grande craque do futebol brasileiro, bicampeão mundial em 1958 e 1962: “Treino é treino. Jogo é jogo.” Veio o primeiro mandato. Lula teve que aprender a lidar com a realidade dura de uma economia travada. Mas recebeu as contas organizadas. Uma inflação domada. Foi conservador na economia e jogou conforme as regras e colheu os frutos, surfando numa incrível fase de grande crescimento econômico mundial. O Brasil cresceu com taxas quase chinesas. Lula ampliou todas as iniciativas do Fernando Henrique. Não criou nada. Embora seu discurso sugerisse o tempo inteiro que não havia vida antes dele.
Pois bem, algo em mim mudou em relação ao homem. Reconheça-se o que fez de certo e resultou em boas coisas para a população. Mas algo nele se alterou completamente. Ele passou a acreditar que era infalível. Um homem especial. Tornou-se ousado e cada vez mais falastrão. Foi tomado por um narcisismo absurdo e passou a acreditar num mito do que pensava de si e do que seus acólitos diziam sobre ele.
Em seus dois mandatos dominou com absoluta autoridade as duas casas legislativas. Quem foi seu grande escudeiro no Senado? De fato, foi ressuscitado por Lula: Sarney.
Havia muitos sinais. A esquerda que ele representa tratava de cooptar o Estado para si. Havia um aceno para a classe média e outro para a gigantesca massa de pobres. Então veio a primeira gangrena: o Mensalão. Lula nada sabia. O discurso ia e vinha. Esperto, jogou aos tubarões companheiros fundamentais. Tudo em nome do plano da esquerda de dominar o país por décadas. Escapou sem nenhum arranhão. Diziam que era o efeito teflon. Nele nada pegava. Descobrissem um cadáver em seu quarto e sangue em suas mãos, e ele seria inocentado. Alguns como eu, já tinham em suas mentes e corações aquele Lula do comício em cima do caminhão completamente erodido. Ele mudou, nós mudamos.
E aí veio a Dilma. O primeiro mandato ainda sob a influência da onda boa. Mas a mulher mostrou-se um estorvo. Uma incompetência sem par. Uma incapacidade de besta quadrada. Dilma foi chutada. Certo ou errado, livramo-nos de uma imbecil que estava levando o país à total bancarrota econômica.  
Veio a Lava-jato. A pá de cal. Não deu pra dizer que não sabia. Um sítio, acordos espúrios para ganhar uma fortuna vendendo a Odebrecht, o assalto descarado de seu partido e aliados à Petrobras, um tríplex.
Olho o Lula em cima de outro caminhão sob uma ordem de prisão. Envelhecido. Rouco. Não é outro porque envelheceu, mas porque insiste em acreditar num messianismo ridículo, no qual ele é, por evidente, o messias. Seus seguidores não o seguem por ideias, embora ele pense e diga isso, mas porque o adoram como a um deus. Eles têm um tipo de fé nele. Ele ocupa um lugar paterno.
Que Lula fique 12 anos ou 12 dias na cadeia, não importa mais. Os que ainda acreditam nele são crentes, todos os demais de nós somos completos ateus. Nem o céu de Lula atrai aos que acordaram da hipnose, nem o inferno que seria a política nacional sem ele amedronta. Agora ele só parece com o lula molusco (ok, já fizeram memes com isso). Adeus Lula.