Era final dos
anos 1980. Sarney ainda ocupava o Planalto e vivia seu ocaso na presidência,
acuado naquele malfadado quinto ano que comprou mediante milhares de favores
que ofertou aos picaretas da Câmara Federal. Ovadas, vaias e até machadada num
ônibus em que estava era seu calvário e o cerco que sofria.
Lula, a essa
altura, estava em plena campanha para a presidência da República. Foi sua
primeira tentativa e que perdeu para Fernando Collor de Melo. Perdeu pelo medo
que foi incutido na cabeça das pessoas. Perdeu por seus próprios erros e, por
fim, teve o jogo sujo com a ex-mulher. Além disso, Fernando Collor, naquele
momento, teve sua própria habilidade de perceber o que as pessoas queriam e emplacou
o personagem jovem, bem apessoado, um discurso guerreiro, determinado a caçar
marajás, os inimigos que criou e toda guerra precisa, sejam reais ou imaginários.
Vários amigos
e eu, jovens idealistas, claro, abraçamos Lula com todo o ardor de nossas
esperanças. Tínhamos uma militância na faculdade, em nossas igrejas, no que
poderia ter sido uma esquerda evangélica. Pretendíamos lançar um candidato para
o legislativo municipal de São Luís sob a bandeira do PT. As conversações com o
partido fracassaram. Eles, radicais e burros, não queriam esse grupo estranho
dentro de suas hostes vermelhas puras.
Na época
criamos um grupo que denominamos GEESP: grupo evangélico de estudos
sócio-políticos. Discutíamos as demandas da esquerda à luz da Bíblia. Caso você
não seja versado no livro sagrado, acredite, há muito o que pensar sobre todas
as reivindicações que são o discurso da esquerda: da reforma agrária aos
direitos trabalhistas.
Mas estávamos
em São Luís que era – e continua sendo – absolutamente periférica no aspecto
político-intelectual. Nosso grupo pequeno e com pouco impacto. Não havia redes sociais.
Sim, Sarney, maranhense, era presidente, mas vocês sabem como ele foi parar lá.
Mas tivemos a
honra de sermos mencionados em um encontro nacional pelo inesquecível Robinson
Cavalcanti. Sociólogo, teólogo, pastor e professor da UFPE. Ele se encantou com
a ideia daquele grupo maranhense e que só teve algo parecido tempos depois, se
não me engano, em Belo Horizonte uma cidade com muito mais conexões.
Voltemos ao
Lula. A incipiente esquerda maranhense, capitaneada pelo PT trouxe o Lula para
um comício que se realizou em cima de um caminhão na frente da Biblioteca
Benedito Leite.
A praça ficou
lotada. A maioria jovem como eu, que era o grande público ouvinte e
entusiasmada com a candidatura do Lula. Foi eletrizante vê-lo e ouvi-lo. Ele
falava aquele linguajar simples que hoje sabemos bem, mas havia inteligência,
rapidez de raciocínio e uma incrível capacidade de nos manter hipnotizados pelo
discurso.
Fiquei
emocionado. Parecia que tudo era possível. Parecia que o país poderia seguir um
rumo novo. Sobre aquele caminhão ele disse coisas terríveis sobre o Sarney para
delírio do público. Como sabemos, naquele momento, já havíamos atravessado não
sei quantos planos econômicos – todos fracassados –, não sei quantos cortes de
zeros e nomes de dinheiro. Havíamos assistido à ridícula campanha dos ficais do
Sarney. Os tais fiscais deduravam comerciantes que ante o congelamento dos
preços, vendiam por preços majorados. O resultado foi um gigantesco desabastecimento
de tudo, de frango a botijão de gás.
Na votação
propriamente dita em 1989, eu estava fora do país e perdi o prazo para me
cadastrar para votar. Liguei para minha mãe, que jamais votaria no Lula, e a chantageei
para dar seu voto nele em meu nome. Ela assim o fez. Contrariada.
No dia que
saiu o resultado – Collor ganhara a eleição –, que só fiquei sabendo dois ou
três dias depois. Eu chorei. Três outras tentativas ainda viriam e em todas eu
votei no Lula. Por fim, veio a consagradora vitória em 2002.
Como dizia
Didi, grande craque do futebol brasileiro, bicampeão mundial em 1958 e 1962: “Treino
é treino. Jogo é jogo.” Veio o primeiro mandato. Lula teve que aprender a lidar
com a realidade dura de uma economia travada. Mas recebeu as contas
organizadas. Uma inflação domada. Foi conservador na economia e jogou conforme
as regras e colheu os frutos, surfando numa incrível fase de grande crescimento
econômico mundial. O Brasil cresceu com taxas quase chinesas. Lula ampliou
todas as iniciativas do Fernando Henrique. Não criou nada. Embora seu discurso
sugerisse o tempo inteiro que não havia vida antes dele.
Pois bem, algo
em mim mudou em relação ao homem. Reconheça-se o que fez de certo e resultou em
boas coisas para a população. Mas algo nele se alterou completamente. Ele
passou a acreditar que era infalível. Um homem especial. Tornou-se ousado e
cada vez mais falastrão. Foi tomado por um narcisismo absurdo e passou a
acreditar num mito do que pensava de si e do que seus acólitos diziam sobre
ele.
Em seus dois
mandatos dominou com absoluta autoridade as duas casas legislativas. Quem foi
seu grande escudeiro no Senado? De fato, foi ressuscitado por Lula: Sarney.
Havia muitos
sinais. A esquerda que ele representa tratava de cooptar o Estado para si.
Havia um aceno para a classe média e outro para a gigantesca massa de pobres.
Então veio a primeira gangrena: o Mensalão. Lula nada sabia. O discurso ia e
vinha. Esperto, jogou aos tubarões companheiros fundamentais. Tudo em nome do
plano da esquerda de dominar o país por décadas. Escapou sem nenhum arranhão.
Diziam que era o efeito teflon. Nele nada pegava. Descobrissem um cadáver em seu
quarto e sangue em suas mãos, e ele seria inocentado. Alguns como eu, já tinham
em suas mentes e corações aquele Lula do comício em cima do caminhão
completamente erodido. Ele mudou, nós mudamos.
E aí veio a Dilma.
O primeiro mandato ainda sob a influência da onda boa. Mas a mulher mostrou-se
um estorvo. Uma incompetência sem par. Uma incapacidade de besta quadrada. Dilma
foi chutada. Certo ou errado, livramo-nos de uma imbecil que estava levando o país
à total bancarrota econômica.
Veio a
Lava-jato. A pá de cal. Não deu pra dizer que não sabia. Um sítio, acordos
espúrios para ganhar uma fortuna vendendo a Odebrecht, o assalto descarado de seu
partido e aliados à Petrobras, um tríplex.
Olho o Lula em
cima de outro caminhão sob uma ordem de prisão. Envelhecido. Rouco. Não é outro
porque envelheceu, mas porque insiste em acreditar num messianismo ridículo, no
qual ele é, por evidente, o messias. Seus seguidores não o seguem por ideias,
embora ele pense e diga isso, mas porque o adoram como a um deus. Eles têm um
tipo de fé nele. Ele ocupa um lugar paterno.
Que Lula fique 12 anos ou
12 dias na cadeia, não importa mais. Os que ainda acreditam nele são crentes,
todos os demais de nós somos completos ateus. Nem o céu de Lula atrai aos que
acordaram da hipnose, nem o inferno que seria a política nacional sem ele
amedronta. Agora ele só parece com o lula molusco (ok, já fizeram memes com
isso). Adeus Lula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário