O
contentamento tem um problema, por assim dizer: como ele se relaciona com o
aspecto temporal. A felicidade tem um traço mais moderno de efemeridade e,
portanto, de vacuidade. O contentamento é moldado a cada momento, a cada
experiência.
O
contentamento não necessita de um aprendizado anterior ou de adquirir qualquer
qualidade específica, ele apenas é vivido no momento presente. Sem dúvida,
praticar o contentamento exige, no mínimo, alguém que aprende com a vida. Que tenha
a postura de olhá-la de frente, pois os que se esquivam ou fogem jamais o
alcançarão. Nesse sentido, o contentamento faz com que viver a vida seja algo
cada vez mais natural, quer dizer, há alegria pelo novo, mas não espanto.
Algumas coisas
que o contentamento não é:
1. Indiferença.
Os estóicos ensinavam que a indiferença era o caminho para viver contente. Ante
as experiências, em particular as negativas, a pessoa simplesmente daria de
ombros: não me importo, deveria dizer.
2. Pensar
positivo (o jogo do contente da Pollyanna). Parece ser uma variante epicurista,
porém menos realista. A pessoa decide acreditar e esperar o melhor do pior que
pode acontecer. A origem cristã dessa
ideia, infelizmente, foi distorcida ou mal compreendida.
3. Desistência/resignação.
Aqui há uma interface com os estóicos. A desistência, no entanto, deixa um
rastro de insatisfação. Produz sofrimento pela perda, pois é essa a sensação
presente naquele que desiste, além de se perceber impotente.
4. Renúncia.
Ainda que a o indivíduo esteja no controle ao renunciar a algo, não faz jus ao
contentamento porque este não se furta a enfrentar o que for.
O
contentamento, diferente da felicidade, é dinâmico. Não espera a chegada num
lugar, mas existe e se modela enquanto se caminha. Quanto mais experiência,
mais ele se fortalece. A variedade de experiências propicia mais contentamento.
O contentamento persiste no agora. Ele faz parte de um continuum de vida que
aceita cada dia com seu próprio desafio.
No âmago do
contentamento está a aceitação. Esta forma de postura torna o indivíduo
resiliente. A aceitação tem duas dimensões: a postura que nos faz voltar a
atenção para fora e aquela que nos faz perceber o dentro de nós. Ambas tem a
característica cognitiva-emocional. Perceber, sentir, avaliar, relacionar com o
real, validar a experiência. Na aceitação não se admite qualquer distorção
cognitiva. Ele vê a experiência tal como é.
A aceitação
abraça o diferente, o novo. Ela é curiosa, não julgadora, o que não quer dizer que
não se posicione, pois cada um tem seus valores. O que a aceitação não faz é
oprimir o outro com seu valor. No tocante a nós mesmos ela é o exercício da
autocompaixão. Ela admite nossos limites. Quem se aceita, jamais sofrerá de
inveja.
O
contentamento não permite que a pessoa fique cheia de chateação porque não foi
lembrada ou ajudada, ou servida como queria. Ele não sofre de despeito.
O
contentamento torna a pessoa independente dos humores, da boa vontade alheia e
das circunstâncias, mas se alegra com a bondade de que é alvo.
O
contentamento manifesta confiança na providência divina, em si e nos outros,
ainda que neste caso, não seja ingênuo.
Apenas
se deixe viver cada coisa. Você sofrerá com as dores que lhe tocarem em seu
caminhar, ficará alegre com as coisas felizes. Que ninguém entenda que
contentamento é como se alguém vivesse à mercê de um destino incerto. No
contentamento há ação, interação com a realidade, resolução dos problemas,
apenas não foge da vida.