sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Natal

As luzinhas ele colocou numa janela e enfeitou as portas com coroas que imitavam o azevinho. A árvore e seus indefectíveis penduricalhos descansavam num canto desde o início do mês. Atrapalhava a passagem e ainda soltava pedaços pela casa das folhas sintéticas enevadas. Ele gostava desse tempo. De algum modo evocava algo bom dentro dele, mas vago, talvez por percebê-lo distante.
Numa tarde emormaçada, como que a fugir de um tédio que se infiltrava na mente, pegou um gif ou imagem natalina qualquer e distribuiu para algumas pessoas. Fez isso de forma um tanto aleatória e sem muita convicção. Alguns responderam e outros o ignoraram.
Não entrou em nenhum amigo invisível porque estava sem grana e não tinha, afinal, nenhum grupo que lhe apetecesse a troca de presentes ou aquelas falas e sorrisos datados das confraternizações. Dizia o óbvio para aqueles de quem recebia algum cumprimento: feliz natal. Por absoluta falta de criatividade ou vontade de pensar algumas poucas palavras que lhe tirasse daquele lugar comum sem significado para ele naquele momento. Era como uma desrealização ou uma forte sensação de déjàvu. Queria entender os sorrisos febris, mas desistiu.
Pensou em chamar os filhos e os agregados que arrumaram na vida e fazer um jantar diferente. Precisava disso. Percebia um distanciamento deles que, se era suficientemente verdadeiro, era velho, de anos de uma certa ausência que se transformou num distanciamento afetivo traduzido em convenções e hábitos secos. Mandou convites e esperou. Vieram desculpas iniciais de outros compromissos, depois promessas incertas de que passariam lá para dar um abraço. Ele aceitou aquilo resignado, que podia fazer? Acomodou-se à ideia de que no fim apareceriam e seria uma noite alegre.
Pegou-se imaginando na hipótese dos convidados não aparecerem e de repente ver seu celular inundado de desculpas esfarrapadas. Não conseguiu pensar em nada como resposta. Percebeu-se paralisado ante essa possibilidade. Era um cansaço e desilusão. Era absurdo que ninguém viesse, tentou consolar-se. E ele tinha a mulher solícita e outros que estariam por ali para disfarçar que seus convidados não viriam e ele ouviria que o importante eram os que estavam lá e quase se percebeu alegre com essa solução.
De repente sentiu algum arrependimento por ter inventado aquilo. Mas havia comprado presentes e toda aquela quantidade de comida para alimentar um pequeno batalhão de famintos soldados. Temia que tudo se transformasse num desastre. Começou a lembrar de tantos passivos emocionais acumulados. Desfeitas. Malcriações. Falas estúpidas que ainda ecoam vivas e estridentes. Indiferenças. E se tudo aquilo aparecesse junto com os convidados?
Afastou os pensamentos sombrios que começaram rapidamente a empanar sua visão e deixar-lhe um gosto de vômito na boca. Disse para si mesmo que pensaria positivo, afinal era noite de Natal. Teria cuidado com as palavras. Faria de conta que todas as maldades feitas e recebidas não haviam acontecido. Ensaiou mentalmente, como a treinar suas sensibilidades, alguma palavra sardônica que poderia escapar de alguém, elas sempre escapam. Ignoraria, pensou. Só queria experimentar esse momento como se fosse feliz. 

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