domingo, 13 de março de 2016

Fé não é mágica - Little Boy

E se de repente você descobrisse que é capaz de mover os objetos com o poder de sua fé (mente)? E se esta descoberta acontecesse numa idade em que fantasia e realidade se interpenetrem sendo difícil discernir em qual dos lados se está? Suponha que este grande evento, a descoberta deste “poder”, aconteça em meio à primeira grande crise de sua história como pessoa. Uma separação de alguém que você ama e com ela mantém uma belíssima amizade, uma cumplicidade, e que esta pessoa lhe seja companheira de aventuras imaginárias fantásticas.
Este é o enredo de Little boy, segundo longa do diretor mexicano Alejandro Monteverde. Pepper é um garoto de 8 anos cujo pai vai para a guerra. A separação é terrível, mas ele imediatamente busca uma forma de trazer o pai de volta. Mágica e fé em sua cabecinha são a mesma coisa. De um lado, seu heroi de quadrinhos, Ben Eagle, uma espécie de Mandrake. Quem lembra? De outro, o padre e sua homilia sobre mover montanhas com a fé: se você tiver a fé, mesmo do tamanho de uma semente de mostarda.
Pepper, o Little boy, leva as duas ideias ao pé da letra e tem-se uma história sobre fé e descrença. O diretor simula uma fábula inocente. O lugar é paradisíaco. A vila O’hare é idílica. Encravada no sopé de um belo monte e à frente a imensidão do oceano. O colorido das casas, a luz viva do sol sugere um lugar atemporal, embora a história se desenvolva no período da segunda guerra.
Entre a perseguição de garotos mais velhos e malvados e sua luta por cumprir as regras ancestrais – uma série de atos bons que lhe deu o padre, acrescido da missão de tornar-se amigo do único japonês existente no lugar – aumentaria a fé de Pepper e, em consequência, ele poderia trazer o pai de volta.
O padre é um homem bom e acolhedor, mas parece ter uma fé que tem dificuldade de ficar em pé. Principalmente diante de questionamentos do pequeno Pepper. Hashimoto, o japonês, é o cérebro, o homem que não tem fé. Mas mantém uma saudável relação com o padre com quem joga cartas de vez em quando. Chama Deus de “amigo imaginário” do padre, que nunca se sente ofendido.
A amizade entre Pepper, o garoto perseguido pelos outros, e um japonês residente nos EUA durante a segunda guerra, parece improvável, mas ambos são muito próximos na condição. A região e a casa do japonês, ao contrário das demais, é cinza e não há jardim. Ele é o inimigo. O mal. Só haverá luz do sol na casa dele no final do filme. O filme fala, portanto, de tolerância também.
Quanto à fé, o diretor a desconstrói com as falas do Hashimoto, com as equivocadas interpretações da comunidade que, pouco a pouco, vai notando em Pepper um garoto especial. Pepper tem a fé de uma criança. Ele crê de uma forma absolutamente concreta que se sua fé chegar ao tamanho do grão de mostarda, ele trará o pai de volta. A prova é mover a montanha logo atrás da cidade. Bem, este momento chega. A coincidência com um terremoto no momento exato leva a vila quase inteira a acreditar nos poderes do garoto.
Há incréus aqui e ali. Diferentes do Hashimoto, são apenas cínicos, confusos, ressentidos. O amigo do garoto que o aceita em sua infantilidade e que o ajuda a cumprir com as “regras ancestrais”, o respeita em sua infantilidade. Teme por sua fé mágica quando sugere ao padre que a decepção de um deus que não responde – não traria o pai do menino de volta – arrasaria com ele. O padre apenas responde que o “amigo imaginário” cuidaria dele.
Por fim, o diretor parece dizer que a fé é algo para gente simples de mente e crianças que não sabem separar o poder de um mágico e os acontecimentos que a fé produz. Cegos, tomam uma coincidência por resposta de Deus. Parece perguntar: para que serve mesmo mover uma montanha e lançá-la ao mar? Mas esta é apenas uma pergunta que Little boy (Pepper) faria.

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