Estava sentado
à mesa enquanto aguardava um café. Minha mente era arrodeada por aquele tédio
minúsculo que nos força a mexer no celular com dedos nervosos em busca de
distração. Mas nem isso me interessava naquele momento.
Repentinamente,
adotei uma postura. A mão esquerda meio que apoiando o queixo e cobrindo parte
da boca, a coluna ereta e as pernas agitando como se fossem duas partes de um
abano balançando nervosamente. Instantaneamente vi uma imagem mental-real: meu
pai vivo diante de mim.
Eu o vi
vividamente, como num pequeno fragmento de filme destes que se recuperam em
algum porão que, neste caso, era minha mente. Borrões e traços do desgaste do
tempo se projetam junto com a imagem, mas não lhe tira a força e definição.
Parei como que
espantado por esta lembrança/vivência tão realista. Era ele ali e era eu. Ele
em mim. Tão rapidamente quanto veio se foi, mas reverberava em minha mente qual
imagem que se desfaz e em seu lugar deixava um sentimento confuso, posto que
foi uma mistura de muitos outros. Alguns velhos e de aspecto ardido, outros
alegres como quanto estava em sua companhia nos bons momentos.
Um pai apenas
tem que estar. É sua presença pura e simples que precisamos tantas vezes. É
nossa necessidade saber dele ali. Isso basta. É ruim quando nos acostumamos à
ausência, pois perdemos a memória desta agradável satisfação que senti naquela
pequena praça de alimentação com os comensais entretidos em seus próprios
mundos e ambos, eu e eles, alheios uns aos outros.
Aquele sentimento
estava literalmente perdido, pois não tenho sua presença há muitos anos e se
manifestou naqueles poucos segundos. Eu tão acostumado aos meus próprios
sentimentos, aqueles que definem e dizem quem sou, foram invadidos por outra
pessoa em quem me confundi.
Temos tanto orgulho
de ser nós mesmos que mesmo quando temos apenas vaga ideia, ainda assim
gostamos de alardear esta singularidade. O adolescente em mim se estranhou, mas
o homem ficou agradecido. Ter meu pai vagamente em mim fez-me perceber com
nitidez uma origem e só posso ter um destino se tenho um começo. O começo não
me define, mas é de onde parto e tenho a vida para (re)construir quem desejo
ser. Então não o rejeito, acolho com todas as suas intensidades de dores e
alegrias.
Sempre penso
que não herdamos apenas vinte e três cromossomos de cada um de nossos pais.
Coisas outras se formam tão fortes e duradouras quanto esta marca genética.
Para o bem e para o mal. São memórias na carne, nos ossos que vazam para
trejeitos imperceptíveis. Assim, estamos tatuados com estas marcas que
permanecem até quando fugimos delas.
Eu e meu pai sentamos por
segundos juntos para um café, como imagens superpostas. Foi um encontro feliz.
Ele adorava café, eu também.
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