Por Eudes Alencar*
Leio na Folha de 27 de fevereiro,
seção Cotidiano, a notícia de que a bancada evangélica apoia o projeto de decreto
legislativo do deputado João Campos (PSDB-GO) que quer sustar dois artigos da Resolução
001/1999 do Conselho Federal de Psicologia. A dita Resolução proíbe, entre
outras coisas, qualquer psicólogo(a) de “tratar” ou dispor-se a “curar” um
homossexual – falaremos sobre isso mais adiante. O deputado alega que o CFP
extrapola sua função de regulamentar a profissão de psicólogo e se imiscui nas
questões da liberdade de uma pessoa receber atendimento ou orientação
profissional, se assim o desejar. A despeito da aparente defesa de um direito,
há que se ver se a iniciativa não esconde razões outras não confessadas: revanche,
picuinha, demonstração de força... Não que a posição do Conselho não deva ser
questionada.
O projeto apresentado é mais um
capítulo da querela que se arrasta há tempos envolvendo uma questão maior. De
um lado, como fruto dos movimentos sociais, o empoderamento das autodenominadas
minorias, entre elas os homossexuais que, organizados, reclamam direitos que
lhes estariam sendo negados. Do outro, uma classe que ascendeu em número e
socialmente, os evangélicos com seus valores. Contudo, com a quase total adesão
da mídia e instituições como o CFP, além do governo, os homossexuais tem
alcançado grande visibilidade. Entre uma Parada Gay e outra, eles tem imposto
uma agenda que planeja invadir da escola à igreja e cujo principal objetivo é
aprovar leis específicas à sua classe, o casamento equiparado ao heterossexual
incluído.
A PLC 122/2006 é, possivelmente,
o grande cavalo de batalha do movimento gay, embora, no momento, a questão
esteja em fogo brando. A relatora, Sen. Marta Suplicy (PT), até propôs o abrandamento da lei no tocante aos
religiosos – evangélicos e católicos –, mas aquela ainda segue sem aprovação. A
lei previa cadeia para o que determina como atitude homofóbica, ainda que
dentro da própria comunidade religiosa ou citando o livro sagrado
correspondente.
Este novo round revela a grande
confusão que este tema suscita. De fato, há movimentos entre os religiosos que
defendem a “cura” de homossexuais, mas até onde se sabe, não há notícia de que
o façam à força ou mediante qualquer outro tipo de subterfúgio violento ou
enganador. Expressam sua crença, seus princípios e sua forma de ver uma questão
em particular. Discorde-se se for o caso, mas rotulá-los de fundamentalistas
preconceituosos, homofóbicos e discriminatórios é, por bem dizer, difamação e
agressão tanto quanto os homossexuais dizem sofrer.
Para o Conselho Federal de
Psicologia, grande parte da imprensa e grupos homossexuais que hoje fazem verdadeiras
patrulhas contra quem ousa se opor de qualquer forma às suas proposições,
estilo de vida ou o que mais lhes diz respeito, só existe a opção de assumir,
sair do armário. O simples fato de uma pessoa sofrer uma dúvida coloca-lhe
irremediavelmente como homossexual, como se a sexualidade fosse estanque, uma
fusão entre o corpo e a psique, mediada pela cultura, religião, e pelos valores
que um aprende. Um ser humano em dúvida, assumindo a posição homossexual será
mais feliz e resolvido? Um psicólogo tem a obrigação apenas de ajudar o que
sofre a “assumir” e nunca a que escolha outro caminho em liberdade como deve
ser?
Ainda a Folha, como forma de
“provar” que existe quase um complô universal contra os gays e sua forma de
vida, coloca na mesma reportagem citada no iníco deste texto um rapaz jovem,
estudante de direito que, oprimido pelo pai, foi levado a um psicólogo quando
tinha ainda dez anos de idade. O pai se recusava a aceitar o filho homossexual.
Quantos casos assim existem nas famílias brasileiras? Quantos dramas iguais se
desenrolam em silêncio e dor? Certamente muitos. Qual é a solução? Doutrinar os
pais e mães? Ameaçá-los com cadeia? Promover a rebeldia dos jovens nesta
condição? Quantos casos também se tornam finais felizes de aceitação e amor
independente da rejeição inicial ou da invasão do Estado, de qualquer
profissional ou das Ongs gay?
Nenhuma violência, física ou
psicológica, deve ser aceita, nem sob o manto da autoridade paterna ou materna.
Há, porém, que se dar o direito a estes de rejeitar aquilo que confronta sua
forma de vida, sua cultura, sua religião, sua expectativa para um filho ou
filha. Na maioria dos casos, mostra a experiência, o amor falará mais alto.
O atual presidente do CFP
tergiversa diante de fatos que colocam o órgão em situação delicada. Na
reportagem que está na Folha, defendendo a Resolução 001/1999, sai-se com a
frase: "[Ninguém diz] 'cansei de ser hétero, vim aqui me
transformar'". Isto é um sofisma. Tem dúvida ou sofre com a condição aquele que, sendo
de um gênero, sente atração por alguém de seu mesmo sexo. O hetero, não tendo
dúvida, não tem o que mudar. Assim também aquele que tem toda a certeza de sua
homossexualidade. O senhor Humberto Verona ecoa, assim, o mantra dito pouco
antes (no mesmo texto da reportagem) pelo presidente da Assoc. Bras. de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Toni Reis. Disse ele que
os psicológos(as) só devem tratar o que chama de síndrome de patinho feio. Quer
dizer, assim como o patinho era um cisne – sua verdadeira espécie e não havia
como mudar isso – qualquer pessoa que tão somente suspeita de ser homossexual,
é de fato. Assim, os psicólogos(as) devem apenas encaminhar o cliente a
tornar-se naquilo que já é, sem opção de qualquer natureza. Que entende este
senhor de psicologia para dar lição aos profissionais?
Aqui cabe uma ligeira palavra sobre a Resolução do CFP
agora questionada. O artigo 2º coloca o profissional da psicologia a serviço de
uma causa, classe, expressão de sexualidade quando diz que os psicólogos devem
contribuir para a reflexão que ponha termo ao preconceito etc, etc contra
aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas. Ora, ora, ainda
que psicólogos tenham neste tema seus estudos e experiência, definir isto para
todos é, no mínimo, uma redundância, posto que o Código de Ética já estabelece
que o compromisso deste profissional é com o ser humano em qualquer condição
que se encontre.
O artigo 3º é ainda mais redundante e óbvio. O psicólogo
não deve patologizar o comportamento homoerótico ou adotar ação coercitiva
tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Esta
frase final é a cereja do bolo do absurdo. Um psicólogo que aceita cuidar de
qualquer ser humano com base em coerção, violência e contra sua vontade, fere
todo o Código da profissão e certamente alguns artigos do Código Penal do país.
Mas não contente, o CFP acrescentou a este artigo um
Parágrafo Único. Entenderam que o transgressor poderia defender-se participando
do atendimento de alguém que demonstrou querer por sua livre e espontânea
vontade ser atendido, mas também isto lhe é vedado. A pergunta é: com base em
quê? A pessoa que recorre a um psicólogo e pede auxílio numa decisão, numa alteração
desta natureza – se é que é mudança em alguns casos – não tem autonomia para
tal, é um coitado(a), certamente lhe fizeram uma lavagem cerebral. É, no fundo,
uma vítima da sociedade, da família, da igreja que o enlouqueceram a ponto de
querer mudar o que não pode ser mudado. Sim, porque segundo a tese, não há
meios termos nesta questão.
Finalmente, numa nota pública, datada de 28 de fevereiro
de 2012, o CFP se coloca na tentativa de explicar sua posição em relação à
expressão de fé do psicólogo, sua ação profissional, seus deveres e direitos.
Vale-se para tanto do Código de Ética, princípios fundamentais da prática
psicológica e até da Carta dos Direitos Universais do Homem.
Talvez não houvesse qualquer reparo à nota, exceto que
continua cega à complexidade da díade sexualidade X cultura (incluindo o fator sócioreligioso)
e ao fato de que alguns psicólogos confessionais não são, apenas por isso, culpados
por tentar mudar a expressão sexual de alguém se o recebem como paciente. Até reconhecem isso na nota, mas o dizem quase
como concessão ou assertiva professoral. Também ignora o fato de que psicólogos,
confessionais ou não, podem e devem atender quem quer que seja que os procurem
com a queixa da dúvida sobre sua sexualidade e, efetivamente, milhares o fazem
Brasil afora, sem ferir a dignidade daquele que é atendido ou aos preceitos da
profissão.
Deve-se reconhecer que “vender a cura para a homossexualidade”
deve ser rechaçada, pois seria, no mínimo, charlatanismo científico e
profissional, desonestidade com aquele que aceitasse pagar por tal proposição e
um desserviço à ciência psicológica. É inaceitável, contudo, que, acoitados em
leis ou resoluções, se puna com a “fogueira” aquele psicólogo que movido pela
sinceridade e integridade, aceite receber quem queira seguir um caminho
diferente em sua sexualidade (que não homo) e busque neste profissional,
exatamente porque tem conhecimento e capacitação técnica, respeito da sociedade
e um lugar na ciência do cuidado humano não a resposta, mas o preparo para
ajudar. A procura e a escolha é de quem busca, o psicólogo é apenas um paidagogos.
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