domingo, 4 de março de 2012

Entre o periculum in mora e o fumus bonis iuris


Marta, que afirma gostar de sexo, deu o fora em seu amante porque descobriu que ele também está saindo com Jamile. Revoltada, ela devolveu até o iPhone que havia ganho de presente. Esse enredo de novela foi acompanhado pelos leitores do "Diário Oficial" do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, com sede na Paraíba, que publicou por engano uma carta picante escrita por uma servidora em espaço que deveria trazer o resultado de ação que corre na 2ª Vara do Trabalho de João Pessoa.

Fonte: Jean-Philip Struck DE SÃO PAULO (Folha, 29/02/2012)

Desde que se entendeu por gente, Maravilhina tinha fascinação pelo mundo do Direito. Não saberia explicar se lhe perguntassem a razão daquele encantamento. Achava tudo tão nobre, fastuoso (não que ela usasse tal palavra). Um dia, pensava, pertenceria àquela realidade, seria alguém. Acreditava que “ser alguém”, no seu caso, era trabalhar, fosse como fosse, num tribunal.
Há cerca de oito meses uma oportunidade surgiu. Bem, não foi bem surgida. Um pedido de seu padrinho de batismo a um político que tinha um chegado no tribunal, que por sua vez era parente (distante) do presidente da casa. Maravilhina estava como que no céu. Tudo era novidade e espanto. Olhava aqueles homens de toga, os debates, os data venias, os rapapés e quase não se continha. Se passava um rapaz que considerasse mais apessoado, suspirava. Pegou-se dizendo de si para si: ainda caso com um danado desses.
A vida dá voltas e seguia seu curso. Maravilhina se sentia a própria. Dizia para todo mundo que trabalhava no tribunal e era, agora, importante. Seu trabalho consistia em carregar processo para cima e para baixo. Isso lhe deu liberdade e, rápido, conheceu cada canto e recanto do lugar. Sabia da vida de todo mundo. Quem estava com quem, quem traiu quem. Aprendeu as gírias e a subcultura que nasce quase espontânea na grande massa de técnicos, secretárias, advogados de porta de cadeia, servidores das toneladas de cafezinho, higienizadores.
Maravilhina era articulada e falante. Quem a visse caminhando pelos corredores, até pensaria que era grande coisa. Para sua indizível alegria foi chamada de “doutora” por alguns desavisados que queriam informações. Nenhuma vez negou que não fosse. Nessas andanças, conheceu um sujeitinho empoado lá para bandas da ala das varas criminais. Gostou do tal. Ela só namoraria alguém de seu meio, sabe como é, namorar um do bairro lhe queimaria o filme. Ela acreditou que ele fosse auxiliar plenipotenciário do juiz. E dizia tanta palavra em latim, o patife, que ela, mesmo sem entender nada, adorava.
Trocavam emails  de amor o dia todo, coisa que Maravilhina achava a maior tecnologia do mundo. Maravilhina, com vossa pessoa tenho o Animus manendi (intenção de permanecer) a vida toda, dizia o salafra. Vou subir muito aqui, ad futurum (para o futuro). Meu Curriculum vitae está nas mãos de gente grande.
O love ia de vento em popa até que Maravilhina ouviu de uma de suas colegas que doutorzinho andava enrabichado com umazinha da vara do trabalho. Maravilhina se achava moderna, mas não estes modernismos de swing. Partiu para tirar satisfações com aquele que já se tornava persona non grata para ela. Ele negou até a raiz do cabelo. Aquela potoca era res nullius (coisa de ninguém), que não conhecia qualquer pessoa na vara do trabalho, lugar por onde nem passava.
A briga acalmou, mas Maravilhina ficou lá com pulgas atrás da orelha. Aquele era um ladino, toda desconfiança seria pouca. Colocou sua rede de contatos para vigiar o réu. Óbvio, rapidamente se sabia por pessoa certa, que em lugar sabido e hora aprazada, o meliante se encontrava com a tal persona. Maravilhina não conseguiu dar um flagrante delito, até propôs uma acareação, mas também o outro escapuliu. Mandou um email.
Estava tudo acabado. O amor era quente e ela era arretada, gostava mesmo de sexo e do pegamento, era quase uma biscaia, mas só ela e ele, nada de sexo a três. Não sabia quem era a outra, pois se soubesse haveria uma cena de crime no cruzamento do corredor entre a vara do trabalho e a vara criminal. Devolvia os presentinhos que não queria lembrança daquele cachorro e ad cautelam (por cautela) terminava tudo antes que se machucasse mais.
Por razões que só a tecnologia explica, o tal email, que continha coisas ainda mais picantes, falava de partes pudendas por apelidos, citava maneiras e lugares onde se deram suas voluptuosidades, foi parar entre o material que seria publicado no Diário Oficial. E assim, foi tornado público um desses amorzinhos ordinários com todos os seus dramas passionais.
Investigação foi instaurada, sangue deveria jorrar, alguém pagaria. Maravilhina foi achada e demitida. Decepcionada, mas amolando a faca da vingança, vai botar o tribunal abaixo com outros emails sobre a vida e sujidades de metade daquela gente. Descobriu a falha que faz com qualquer email seja publicado no DO.

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