Marta, que afirma gostar de sexo, deu o fora em seu amante porque descobriu
que ele também está saindo com Jamile. Revoltada, ela devolveu até o iPhone que
havia ganho de presente. Esse enredo de novela foi acompanhado pelos leitores do "Diário
Oficial" do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, com sede na
Paraíba, que publicou por engano uma carta picante escrita por uma servidora em
espaço que deveria trazer o resultado de ação que corre na 2ª Vara do Trabalho
de João Pessoa.
Fonte: Jean-Philip Struck DE
SÃO PAULO (Folha, 29/02/2012)
Desde que se entendeu por gente,
Maravilhina tinha fascinação pelo mundo do Direito. Não saberia explicar se lhe
perguntassem a razão daquele encantamento. Achava tudo tão nobre, fastuoso (não
que ela usasse tal palavra). Um dia, pensava, pertenceria àquela realidade,
seria alguém. Acreditava que “ser alguém”, no seu caso, era trabalhar, fosse
como fosse, num tribunal.
Há cerca de oito meses uma
oportunidade surgiu. Bem, não foi bem surgida. Um pedido de seu padrinho de
batismo a um político que tinha um chegado no tribunal, que por sua vez era
parente (distante) do presidente da casa. Maravilhina estava como que no céu.
Tudo era novidade e espanto. Olhava aqueles homens de toga, os debates, os data
venias, os rapapés e quase não se continha. Se passava um rapaz que
considerasse mais apessoado, suspirava. Pegou-se dizendo de si para si: ainda
caso com um danado desses.
A vida dá voltas e seguia seu
curso. Maravilhina se sentia a própria. Dizia para todo mundo que trabalhava no
tribunal e era, agora, importante. Seu trabalho consistia em carregar processo
para cima e para baixo. Isso lhe deu liberdade e, rápido, conheceu cada canto e
recanto do lugar. Sabia da vida de todo mundo. Quem estava com quem, quem traiu
quem. Aprendeu as gírias e a subcultura que nasce quase espontânea na grande
massa de técnicos, secretárias, advogados de porta de cadeia, servidores das
toneladas de cafezinho, higienizadores.
Maravilhina era articulada e
falante. Quem a visse caminhando pelos corredores, até pensaria que era grande
coisa. Para sua indizível alegria foi chamada de “doutora” por alguns
desavisados que queriam informações. Nenhuma vez negou que não fosse. Nessas
andanças, conheceu um sujeitinho empoado lá para bandas da ala das varas
criminais. Gostou do tal. Ela só namoraria alguém de seu meio, sabe como é,
namorar um do bairro lhe queimaria o filme. Ela acreditou que ele fosse
auxiliar plenipotenciário do juiz. E dizia tanta palavra em latim, o patife,
que ela, mesmo sem entender nada, adorava.
Trocavam emails de amor o dia todo, coisa que Maravilhina
achava a maior tecnologia do mundo. Maravilhina, com vossa pessoa tenho o Animus manendi (intenção de permanecer)
a vida toda, dizia o salafra. Vou subir muito aqui, ad futurum (para o futuro). Meu Curriculum vitae está nas mãos de
gente grande.
O love ia de vento em popa até
que Maravilhina ouviu de uma de suas colegas que doutorzinho andava enrabichado
com umazinha da vara do trabalho. Maravilhina se achava moderna, mas não estes
modernismos de swing. Partiu para tirar satisfações com aquele que já se
tornava persona non grata para ela.
Ele negou até a raiz do cabelo. Aquela potoca era res nullius (coisa de ninguém), que não conhecia qualquer pessoa na
vara do trabalho, lugar por onde nem passava.
A briga acalmou, mas Maravilhina
ficou lá com pulgas atrás da orelha. Aquele era um ladino, toda desconfiança
seria pouca. Colocou sua rede de contatos para vigiar o réu. Óbvio, rapidamente
se sabia por pessoa certa, que em lugar sabido e hora aprazada, o meliante se
encontrava com a tal persona. Maravilhina não conseguiu dar um flagrante
delito, até propôs uma acareação, mas também o outro escapuliu. Mandou um
email.
Estava tudo acabado. O amor era
quente e ela era arretada, gostava mesmo de sexo e do pegamento, era quase uma
biscaia, mas só ela e ele, nada de sexo a três. Não sabia quem era a outra,
pois se soubesse haveria uma cena de crime no cruzamento do corredor entre a
vara do trabalho e a vara criminal. Devolvia os presentinhos que não queria
lembrança daquele cachorro e ad cautelam
(por cautela) terminava tudo antes que se machucasse mais.
Por razões que só a tecnologia
explica, o tal email, que continha coisas ainda mais picantes, falava de partes
pudendas por apelidos, citava maneiras e lugares onde se deram suas
voluptuosidades, foi parar entre o material que seria publicado no Diário
Oficial. E assim, foi tornado público um desses amorzinhos ordinários com todos
os seus dramas passionais.
Investigação foi instaurada,
sangue deveria jorrar, alguém pagaria. Maravilhina foi achada e demitida.
Decepcionada, mas amolando a faca da vingança, vai botar o tribunal abaixo com
outros emails sobre a vida e sujidades de metade daquela gente. Descobriu a
falha que faz com qualquer email seja publicado no DO.
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