segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

The Help (A Resposta)


Um filme indicado ao Oscar algum mérito tem. Claro que algumas safras são tão fracas que a Academia tem que se contentar com a mediocridade reinante. A lista deste ano, como em todos os outros, tem bons filmes e alguns que apenas preencherão a lista. Claro, ganharão alguns trocados a mais com a propaganda de terem sido indicados ao Oscar.
Entre os indicados, além do maravilhoso “Árvore da Vida” (já falei dele neste blog), vi “Os Descendentes” que é apenas razoável, mas como a Academia não descansará enquanto não der um Oscar para o George Clooney, paciência. Assisti também “Meia Noite em Paris”. O velho (no bom sentido) Woody Alen continua vivíssimo, embora este seu filme não seja tão bom comparado, por exemplo, a “Tudo Pode dar certo”, “Match point”, “O sonho de Cassandra”, para citar obras mais recentes.
Porém – com o Woody, há sempre um porém – achei muito interessante o roteiro. Aliás, concorreu ao Oscar nesta categoria e... ganhou. A história trabalha com a fantasia que às vezes criamos acreditando que tempos passados outros eram melhores que os que estamos. Idealizamos a mesma natureza humana que no presente deploramos, quando, de fato, a carne e a alma são os mesmos e seus males também a despeito do tempo e do verniz que tenham.
Os demais filmes, pelo atraso das duas cadeias de cinema instaladas em São Luís – Box Cinemas e CineSystem – que só pensam em ganhar uns trocados com a massa da classe C emergente, que só quer ver os arrasa-quarteirões sem nada para pensar e ainda por cima dublados-, enfim, ainda não passaram por aqui.
Mas eis que entre os Vovós Zona 3, 4, mil, apareceu na grade The Help (2011) – aqui se traduziu o título por “Histórias Cruzadas”. Acredite, nada está mais longe do filme, pois empobrece a riqueza da narrativa. Fosse “A Resposta”, tradução literal, se faria justiça à história. Um dia cada qual receberá a resposta, pelo bem ou pelo mal feito. Isso é justiça. Mas não está escrita nos cânones do Direito.
No Mississipi do início dos anos 60, o estado mais segregado dos EUA, as questões dos direitos civis dos negros eram simplesmente ignoradas. Os negros trabalhavam em atividades subalternas, ganhavam salários de fome, estavam empobrecidos, humilhados e submetidos a uma situação de penúria da qual era muito difícil se libertar. Seu mundo era um simulacro dos brancos.
Este é o quadro que serve como pano de fundo à história do filme. Um filme feminino. Não sei se houve a intenção de mostrar como o racismo ou qualquer mazela que diminua um ser humano, para além da violência física, pode ser tão aterrador e doloroso quanto aquela. Os homens, neste filme, são meros coadjuvantes. O enfoque está no mundo das mulheres, brancas e negras. As primeiras se dedicam à futilidade, fofocas, parir e cuidar de suas casas e seus homens. As outras realizam todas as tarefas domésticas, ainda cuidam de suas casas e famílias, pois aí também são oprimidas por seus maridos. A grande função delas, porém: maternam, cuidam, ensinam, orientam os filhos das mulheres brancas em seus primeiros anos de vida.
Eis a grande ironia. Aquelas que eram desprezadas, submissas, gestam a geração futura de seus opressores. Elas inculcam nas crianças brancas valores morais e religiosos. Dão educação e ensinam autocuidados. As vezes, no futuro, eles se tornarão seus patrões e as tratarão como os pais ou com distanciamento, negando o amor que aprenderam.
Neste mundo de indiferença, pequenas e constantes crueldades – não em todas as casas – se desenrola a trama. Skeeter (Emma Stone), uma destas garotas que foi cuidada por uma negra, mas que a amava, volta da cidade grande formada em jornalismo e quer ser escritora. Seu drama pessoal é que em sua própria casa não encontra mais sua mãe negra. Fato que está envolto em uma bruma de silêncio de sua mãe. Por outro lado, ao ser inserida na sociedade local, entre coquetéis e as alcoviteirices das damas brancas – estas tem um só destino: casar e ter filhos, o que não deixa de ser sua miséria – conhece Aibeleen (Viola Davis). Nasce uma amizade. Aibeleen desconfia do interesse da moça branca que quer por que quer que conte histórias das famílias brancas com as quais trabalhou.
Destaque-se a participação incrível de Octavia Spencer como Minny (ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante) que dá o tom cômico à história. Escrever histórias de brancos, expô-los, na perspectiva de empregadas negras é o fim. Assim, com esta aventura a que elas se lançam, o tema da segregação é revisitado. É uma maneira de falar das diferenças impostas entre pessoas do mundo inteiro em todos os tempos. A coragem só medra quando o medo fustiga e as empregadas conhecem o medo. Sussuram seu nome, se calam, não ousam, estão aprisionadas.
Um elo nasce entre estas mulheres. Admiração, afeto, solidariedade vão cimentando laços onde havia distância e desconfiança. Quando um se desarma, ante a mão estendida do outro, pode haver contato, pode um se irmanar e não haverá cor ou sexo, apenas seres humanos em encontro.  
O projeto do livro vai, aos poucos, nascendo. Outras histórias se somam às de Minny e Aibeleen e a da própria Skeeter. A verdade é exposta. Um sopro de vida revivesce as contadoras de histórias dando-lhes um lugar que nunca tiveram, a de protagonistas. A verdade, diz o Evangelho, liberta.
The Help não ganhou o Oscar de melhor filme, mas tem uma mensagem que não deve calar jamais. Filmes como esse traduzem o significado da democracia, da liberdade em seu sentido mais pleno e da justiça, trio que todos os dias é aviltado nos confins do mundo e aqui do lado, até entre você e seu vizinho.

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