Um filme indicado ao Oscar algum
mérito tem. Claro que algumas safras são tão fracas que a Academia tem que se
contentar com a mediocridade reinante. A lista deste ano, como em todos os
outros, tem bons filmes e alguns que apenas preencherão a lista. Claro,
ganharão alguns trocados a mais com a propaganda de terem sido indicados ao
Oscar.
Entre os indicados, além do
maravilhoso “Árvore da Vida” (já falei dele neste blog), vi “Os Descendentes”
que é apenas razoável, mas como a Academia não descansará enquanto não der um
Oscar para o George Clooney, paciência. Assisti também “Meia Noite em Paris”. O
velho (no bom sentido) Woody Alen continua vivíssimo, embora este seu filme não
seja tão bom comparado, por exemplo, a “Tudo Pode dar certo”, “Match point”, “O
sonho de Cassandra”, para citar obras mais recentes.
Porém – com o Woody, há sempre um
porém – achei muito interessante o roteiro. Aliás, concorreu ao Oscar nesta
categoria e... ganhou. A história trabalha com a fantasia que às vezes criamos
acreditando que tempos passados outros eram melhores que os que estamos.
Idealizamos a mesma natureza humana que no presente deploramos, quando, de
fato, a carne e a alma são os mesmos e seus males também a despeito do tempo e do
verniz que tenham.
Os demais filmes, pelo atraso das
duas cadeias de cinema instaladas em São Luís – Box Cinemas e CineSystem – que
só pensam em ganhar uns trocados com a massa da classe C emergente, que só quer
ver os arrasa-quarteirões sem nada para pensar e ainda por cima dublados-, enfim,
ainda não passaram por aqui.
Mas eis que entre os Vovós Zona
3, 4, mil, apareceu na grade The Help (2011) – aqui se traduziu o título por “Histórias
Cruzadas”. Acredite, nada está mais longe do filme, pois empobrece a riqueza da
narrativa. Fosse “A Resposta”, tradução literal, se faria justiça à história. Um
dia cada qual receberá a resposta, pelo bem ou pelo mal feito. Isso é justiça.
Mas não está escrita nos cânones do Direito.
No Mississipi do início dos anos
60, o estado mais segregado dos EUA, as questões dos direitos civis dos negros
eram simplesmente ignoradas. Os negros trabalhavam em atividades subalternas,
ganhavam salários de fome, estavam empobrecidos, humilhados e submetidos a uma
situação de penúria da qual era muito difícil se libertar. Seu mundo era um
simulacro dos brancos.
Este é o quadro que serve como
pano de fundo à história do filme. Um filme feminino. Não sei se houve a
intenção de mostrar como o racismo ou qualquer mazela que diminua um ser
humano, para além da violência física, pode ser tão aterrador e doloroso quanto
aquela. Os homens, neste filme, são meros coadjuvantes. O enfoque está no mundo
das mulheres, brancas e negras. As primeiras se dedicam à futilidade, fofocas,
parir e cuidar de suas casas e seus homens. As outras realizam todas as tarefas
domésticas, ainda cuidam de suas casas e famílias, pois aí também são oprimidas
por seus maridos. A grande função delas, porém: maternam, cuidam, ensinam,
orientam os filhos das mulheres brancas em seus primeiros anos de vida.
Eis a grande ironia. Aquelas que
eram desprezadas, submissas, gestam a geração futura de seus opressores. Elas
inculcam nas crianças brancas valores morais e religiosos. Dão educação e ensinam
autocuidados. As vezes, no futuro, eles se tornarão seus patrões e as tratarão
como os pais ou com distanciamento, negando o amor que aprenderam.
Neste mundo de indiferença,
pequenas e constantes crueldades – não em todas as casas – se desenrola a
trama. Skeeter (Emma Stone), uma destas garotas que foi cuidada por uma negra,
mas que a amava, volta da cidade grande formada em jornalismo e quer ser escritora.
Seu drama pessoal é que em sua própria casa não encontra mais sua mãe negra.
Fato que está envolto em uma bruma de silêncio de sua mãe. Por outro lado, ao
ser inserida na sociedade local, entre coquetéis e as alcoviteirices das damas
brancas – estas tem um só destino: casar e ter filhos, o que não deixa de ser
sua miséria – conhece Aibeleen (Viola Davis). Nasce uma amizade. Aibeleen
desconfia do interesse da moça branca que quer por que quer que conte histórias
das famílias brancas com as quais trabalhou.
Destaque-se a participação
incrível de Octavia Spencer como Minny (ganhou o Oscar de melhor atriz
coadjuvante) que dá o tom cômico à história. Escrever histórias de brancos, expô-los,
na perspectiva de empregadas negras é o fim. Assim, com esta aventura a que elas
se lançam, o tema da segregação é revisitado. É uma maneira de falar das
diferenças impostas entre pessoas do mundo inteiro em todos os tempos. A
coragem só medra quando o medo fustiga e as empregadas conhecem o medo.
Sussuram seu nome, se calam, não ousam, estão aprisionadas.
Um elo nasce entre estas mulheres. Admiração, afeto,
solidariedade vão cimentando laços onde havia distância e desconfiança. Quando
um se desarma, ante a mão estendida do outro, pode haver contato, pode um se
irmanar e não haverá cor ou sexo, apenas seres humanos em encontro.
O projeto do livro vai, aos poucos,
nascendo. Outras histórias se somam às de Minny e Aibeleen e a da própria
Skeeter. A verdade é exposta. Um sopro de vida revivesce as contadoras de
histórias dando-lhes um lugar que nunca tiveram, a de protagonistas. A verdade,
diz o Evangelho, liberta.
The Help não ganhou o Oscar de melhor filme, mas tem uma
mensagem que não deve calar jamais. Filmes como esse traduzem o significado da
democracia, da liberdade em seu sentido mais pleno e da justiça, trio que todos
os dias é aviltado nos confins do mundo e aqui do lado, até entre você e seu
vizinho.
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