domingo, 26 de fevereiro de 2012

O OMNI


Um objeto metálico não identificado provocou um alvoroço nesta quarta-feira de Cinzas em duas cidades de pouco mais de 10 mil habitantes no interior do Maranhão. Moradores de Anapurus e de Mata Roma afirmam que o globo caiu do céu.

Fonte: G1, São Paulo (Rosanne D'Agostino - 23/02/2012 18h33)

A notícia se alastrou rápido que nem fogo em capim seco. Raimundo Ribamar, de repente, viu-se diante da sorte grande. Isto em plena quarta-feira de cinzas, quando ainda descansava merecidamente da esbórnia. Este ano saiu em quatro blocos de sujos com a fantasia de quebradeira de côco, sem o machado, por suposto. Chamou-se de Maria Côcoaçu e, fosse numa grande capital, seria destaque em trio elétrico, Galo da Madrugada e em qualquer banda de axé. Mas em Anapurus, restava a resignação de ser rainha em seu torrão.
RR, que não é o Soares, sabe-se especial desde sempre. Assim que, com esta empáfia, não dá um prego e com artes manipulatórias precisas, traz a companheira a cabresto, trabalhando feito uma Bertoleza para que ele ande sempre de unhas feitas, camisa e calças gomadas e impecáveis. Isso sem falar nos cabelos encaracolados que já rareiam, mas que ele traz assentados e escorridos por artes de espichamentos caseiros. A mulher acredita piamente quando ele diz que não nasceu para esta vida pequena do interior, pois nasceu para grandes coisas.
Um estrondo gigantesco abalou não só os ouvidos a léguas de distância, como o chão tremeu também. Justo em sua propriedade de algumas parcas linhas, caiu por sobre a rede de RR um OMNI, isto depois de passar raspando o telhado de palha, chegando a deixá-lo chamuscado. RR despencou da rede, tamanho o susto. Ali, a dois metros, no fundo de um buraco, jazia fumegando o OMNI. Os cinco filhos saíram em desabalada carreira e ele, estatelado, arrumava as ideias tentando se achar.
Receoso, aproximou-se daquilo que parecia um botijão redondo, uma bola, bóia ou seja lá o que fosse. Claro estava que aquilo caiu do céu. Mas de onde meu Deus? Escarafunchava o juízo. Ora, aquilo era um OMNI, um aviso do céu, um sinal do fim do mundo, quem sabe? Cabia qualquer coisa e ele tinha que ganhar algo com isso.
Nem bem arrumou-se e já havia uma queira de gente fuçando em seu quintal. Um pouco mais adiante, seu vizinho, igualmente malandro, já colocara uma corda de embira para delimitar a área a ser preservada, dizia. Uns outros já atuavam como flanelinhas. Dona Quartelina, beata desajuizada, liderava ladainhas pelo lado de fora pedindo as misericórdias celestiais porque aquela, afirmava, foi a verdadeira queda do Capiroto na terra. Isso por um lado, por outro ameaçava os curiosos com a perdição eterna. E de longe, já se ouvia a sirene da polícia que fora chamada por algum intrometido ou ouvira o estrondo também.
RR estava arrodeado de ameaças à sua sorte. Havia que tomar medidas enérgicas e rápido. Fustigou dona Quartelina com seus seguidores, deu um chega pra lá no vizinho oportunista e começou a botar ordem na bagunça porque, a estas alturas, havia gente de meio mundo ao redor. Chamou a atenção do público. Pessoal, isto que vocês veem em minha propriedade é um OMNI. Os ignorantes pensam ser outra coisa. O fim do mundo virá, porque dentro da bola, algo falou comigo, aqui, dentro de minha cabeça. A bola é oca, mas tem energia, olha como está quente. O povo, alvoroçado, calou-se, mas permanecia mais inquieto ante o que falava RR. Ele, como um novo profeta, pregava sua visão: afinal, fora escolhido pelos deuses. O OMNI não caíra ali por acaso, mas por arte divina.
Vamos afastar um pouco, porque de dentro desta coisa de metal, deste OMNI, sai um poder que pode derreter o tino de qualquer um que não esteja preparado. Sua mulher, que chegara da roça, ajoelhou-se em frente do marido, no que foi seguida por um monte de gente. Aquilo lhe deixou que não cabia em si. A sirene da polícia tocava mais perto. Ao longe, uns debochados questionavam o profeta do OMNI. Todo profeta que se preza tem que ter uns incréus para lhe descrer a mensagem.
Por fim, chegou a polícia. Sg. Pereirão e seus dois meganhas. Suspendeu as calças para dar um ar de ordem e respeito e foi logo dizendo que todos se afastassem que ele viera a mando do comando central proteger o OMNI. RR protestou, mas foi logo empurrado pelos dois meganhas. Os novos crentes gritaram que o OMNI era de sua nova revelação. RR disse que era dele, pois caíra em seu quintal e ele fora escolhido. Pereirão não quis saber e, carregado de sua ignorância bruta de incréu, ordenou que alguns dos novos crentes retirassem o OMNI do buraco e colocassem na carroceria da viatura. Seria levada para a delegacia para averiguações e espera de novas ordens do comando. RR, desolado, sozinho, viu seu OMNI partir sacolejando de forma vil na carroceria, enquanto um meganha apoiava um pé, displicente, no objeto sagrado.

PS. Então vocês passaram o texto inteiro se perguntando o que seria o tal OMNI? Sim ou não? Adivinharam? Perguntei ao RR. Objeto Metálico Não Identificado.

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