sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A montanha que encolheu



A piada de uma agência de publicidade ao postar um vídeo na internet no qual quatro indivíduos "roubam" 25 centímetros da montanha mais alta da Alemanha, Zugspitze, transformou-se em uma confusa história que envolveu até a polícia.
Fonte: UOL F5 – EFE Berlim (26/10/2013)
O chefe de polícia da pacata e quase imperceptível cidade de Garmisch-Partenkirchen estava que não se aguentava. Fulo. Soube meio que sem querer, denúncia anônima. Carta sem remetente sugeria que ele olhasse na internete um vídeo em que pessoas do país vizinho sorrateiramente roubavam algo muito importante da cidade. Avesso a tecnologias, resistiu, mas a curiosidade matou o gato. Foi ver.
Estava desconfiado. E se fosse um daqueles vídeos em que a pessoa assiste e dias depois morre? O chefe adorava filmes de terror categoria B, era impressionável também. A cena, no entanto, lhe parecia muito familiar. Três jovens alpinistas filmavam a escalada da montanha Zugspitze à sombra da qual a cidade vivia. Era a mais alta do país. Motivo de orgulho dos habitantes. Fonte de recursos que o turismo oferecia.
O mundo é meio que feito de orgulhos rotos. O maior, o melhor, o primeiro, o último – num sem número de casos, esta posição pode ser vantajosa, como o lugar onde se sentou mesmo uma subcelebridade e tomou seu último gole de uma bebida qualquer e lá mesmo teve infarto e morreu – e a fila segue com outros graus comparativos dando sentido à vida de cidades e gentes planeta afora. Moradores de Garmisch aprenderam a dizer que nasceram ao sopé do Zugspitze, eram filhos da montanha e outras baboseiras, que era a mais alta do país, frisavam contentes consigo mesmos por tanta sorte. Isso os tornava diferentes dos outros que não tinham uma montanha pra chamar de sua.
Já entediado, o chefe Hans ia desligar aquela banalidade quando os tais alpinistas arrancam um pedaço de rocha, esfregam na objetiva da câmera que tremia e dizem o inominável. Roubaram o “picoroto” da montanha que agora, sem o pedaço de exatos 25 cm, teria apenas 2.961,75. Estava rebaixada à insignificância. Os facínoras prontamente colocaram o pedaço numa mochila especialmente preparada e desceram para seu país do outro lado da encosta. Chefe Hans ficou estatelado na cadeira.
As ideias confusas iam e vinham amontoadas. Olhou para o auxiliar, balbuciou algo. O outro, de olhos arregalados, tentava entender. A cara do homem estava transtornada. Só conseguiu dizer: e agora? Queria dizer não somos mais nada. Fomos reduzidos a um morro ridículo. A cidade inteira já sabia. Estavam apáticos. O ajudante tentou minimizar: ninguém vai saber. É só um pedaço pequeno... e aquilo era lá conselho para se dar quando a cidade inteira havia perdido uma montanha inteira? Sim, porque de que serviria se a montanha não era mais a mais alta do país?
Aquilo merecia uma invasão. Uma blitzkrieg e retomar o orgulho nacional. O país fora invadido na surdina e retirado parte de seu território. Aquilo merecia uma resposta. Ninguém entra e leva um pedaço de nosso solo sagrado nas costas como se fosse um bode. Tentou arregimentar forças, mas só havia ele e o auxiliar meio lerdo e gordo de tanto queijo e linguiça. Os cidadãos se recusavam a fazer a invasão.
Em meio ao pandemônio formado, a cidade fechou entradas e saídas, declarou-se toque de recolher, além de recomendar que daí em diante todos os meios de comunicação estavam censurados, pois estavam escaldados com o Obama. Como a notícia tivesse se espalhado, os alpinistas entraram em contato para explicar que não roubaram nenhum pedaço da montanha, que tudo não passou de uma brincadeira para uma peça publicitária e que o pedaço de rocha foi levado para cima para simular o furto. 
Chefe Hans, homem ladino, não acreditou naquela desculpa esfarrapada. Ele os denunciaria à justiça, ao Papa Francisco e a quem mais fosse. Quem poderia garantir que alguém subiria aquilo tudo com um pedaço de pedra nas costas só para descer depois? E ademais, ele viu com os próprios olhos, conhecia a mãe dele como ninguém. Irreconciliável, só dizia: ou devolviam ou iam ver com quantos pedaços de pedras se faz uma montanha novinha que ele construiria com os tijolos das casas da nação inimiga.

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