A piada de uma agência de publicidade ao postar um
vídeo na internet no qual quatro indivíduos "roubam" 25 centímetros
da montanha mais alta da Alemanha, Zugspitze, transformou-se em uma confusa
história que envolveu até a polícia.
Fonte: UOL F5 – EFE Berlim (26/10/2013)
O
chefe de polícia da pacata e quase imperceptível cidade de Garmisch-Partenkirchen
estava que não se aguentava. Fulo. Soube meio que sem querer, denúncia anônima.
Carta sem remetente sugeria que ele olhasse na internete um vídeo em que
pessoas do país vizinho sorrateiramente roubavam algo muito importante da
cidade. Avesso a tecnologias, resistiu, mas a curiosidade matou o gato. Foi ver.
Estava
desconfiado. E se fosse um daqueles vídeos em que a pessoa assiste e dias
depois morre? O chefe adorava filmes de terror categoria B, era impressionável
também. A cena, no entanto, lhe parecia muito familiar. Três jovens alpinistas
filmavam a escalada da montanha
Zugspitze à
sombra da qual a cidade vivia. Era a mais alta do país. Motivo de orgulho dos
habitantes. Fonte de recursos que o turismo oferecia.
O
mundo é meio que feito de orgulhos rotos. O maior, o melhor, o primeiro, o
último – num sem número de casos, esta posição pode ser vantajosa, como o lugar
onde se sentou mesmo uma subcelebridade e tomou seu último gole de uma bebida
qualquer e lá mesmo teve infarto e morreu – e a fila segue com outros graus
comparativos dando sentido à vida de cidades e gentes planeta afora. Moradores
de Garmisch aprenderam a dizer que nasceram ao sopé do Zugspitze, eram filhos
da montanha e outras baboseiras, que era a mais alta do país, frisavam
contentes consigo mesmos por tanta sorte. Isso os tornava diferentes dos outros
que não tinham uma montanha pra chamar de sua.
Já
entediado, o chefe Hans ia desligar aquela banalidade quando os tais alpinistas
arrancam um pedaço de rocha, esfregam na objetiva da câmera que tremia e dizem
o inominável. Roubaram o “picoroto” da montanha que agora, sem o pedaço de
exatos 25 cm, teria apenas 2.961,75. Estava rebaixada à insignificância. Os
facínoras prontamente colocaram o pedaço numa mochila especialmente preparada e
desceram para seu país do outro lado da encosta. Chefe Hans ficou estatelado na
cadeira.
As
ideias confusas iam e vinham amontoadas. Olhou para o auxiliar, balbuciou algo.
O outro, de olhos arregalados, tentava entender. A cara do homem estava
transtornada. Só conseguiu dizer: e agora? Queria dizer não somos mais nada.
Fomos reduzidos a um morro ridículo. A cidade inteira já sabia. Estavam
apáticos. O ajudante tentou minimizar: ninguém vai saber. É só um pedaço
pequeno... e aquilo era lá conselho para se dar quando a cidade inteira havia
perdido uma montanha inteira? Sim, porque de que serviria se a montanha não era
mais a mais alta do país?
Aquilo
merecia uma invasão. Uma blitzkrieg e retomar o orgulho nacional. O país fora
invadido na surdina e retirado parte de seu território. Aquilo merecia uma
resposta. Ninguém entra e leva um pedaço de nosso solo sagrado nas costas como
se fosse um bode. Tentou arregimentar forças, mas só havia ele e o auxiliar
meio lerdo e gordo de tanto queijo e linguiça. Os cidadãos se recusavam a fazer
a invasão.
Em
meio ao pandemônio formado, a cidade fechou entradas e saídas, declarou-se
toque de recolher, além de recomendar que daí em diante todos os meios de
comunicação estavam censurados, pois estavam escaldados com o Obama. Como a
notícia tivesse se espalhado, os alpinistas entraram em contato para explicar
que não roubaram nenhum pedaço da montanha, que tudo não passou de uma
brincadeira para uma peça publicitária e que o pedaço de rocha foi levado para
cima para simular o furto.
Chefe Hans, homem ladino,
não acreditou naquela desculpa esfarrapada. Ele os denunciaria à justiça, ao
Papa Francisco e a quem mais fosse. Quem poderia garantir que alguém subiria
aquilo tudo com um pedaço de pedra nas costas só para descer depois? E ademais,
ele viu com os próprios olhos, conhecia a mãe dele como ninguém. Irreconciliável,
só dizia: ou devolviam ou iam ver com quantos pedaços de pedras se faz uma
montanha novinha que ele construiria com os tijolos das casas da nação inimiga.
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