Uma família divide mais do que a mesa de refeições — ela divide também
as mesmas bactérias. Esses micro-organismos, únicos e identificáveis, estão
espalhados pela casa das pessoas e "viajam" com elas para
outros endereços. Essas foram algumas das revelações de um estudo
publicado nesta quinta-feira na revista Science, que analisou os
trilhões de bactérias que habitam casas e apartamentos.
Fonte: Revista Veja (28/08/2014)
Depois do projeto genoma e tantas outras pesquisas, a ciência concluiu
que nós somos só dez por cento humanos. Significa dizer que, para cada célula
do nosso corpo, tem dez bichos esquisitos agarrados à pele, cabelos, intestinos
e tudo mais que você imaginar. Isso faz um pensar. A ciência chega a dizer que
somos um superorganismo composto de mais ou menos um quilo de bactérias, algo
em torno de cem trilhões de microscópicos indivíduos!
Parece que
dizer eu singularmente ou a mera pretensão de individualidade é algo
definitivamente impossível. As bactérias – se falarmos apenas nelas –
participam da digestão à renovação da pele. Dizem que elas são fator
fundamental no equilíbrio da saúde, influenciam o sistema imunológico e há quem
sugira que da obesidade ao diabetes, eis as bactérias agindo como culpadas ou
até na cura destes problemas.
É muita
informação para digerir. Haja bactéria! Suspeito que elas, velhas como são e
mais espertas nas artimanhas da evolução, nos manipulam com pensamentos e
hábitos para seu próprio deleite. Sei que é complicado imaginar isso, mas à
medida que os microscópios devassam este mundinho escondido, mais se sabe o
quanto elas, sonsas que são, fazem o que querem conosco. Sem contar que, uma
comunidade que se chame de José, por exemplo, ao se deparar com outra
comunidade chamada do que for, provoca uma guerra fratricida – entre bactérias,
pois não? – que resulta, não raro, em doenças na pobre entidade José, às vezes,
com diarreias devastadoras.
Imagino as
implicações no campo das ciências sociais: sociologia, antropologia e suas
primas outras. Um aparente sujeito – palavra que deverá ser modificada para uma
pluralidade eterna a partir de agora, a se considerar a população
homem-bactéria – precisará ser visto em suas diversidades, quase um universo a
ser desvendado e estudado. Cada dito ser humano se torna agora praticamente uma
civilização perdida na floresta de gentes. Verdadeira tribo desconhecida a
lançar flechas no primeiro microscópio que lhe apontar a lente.
Seria muito
engraçado ver a cara de racistas e eugenistas em geral. São um amontoado de
bactérias como quaisquer outros. As deles, seres pervertidos, malévolas
criaturinhas com pretensões de pureza, mas nadando no mesmo caldo gosmento que
nos pariu. Donde veio, portanto, sua besta pretensão? As pesquisas não
explicam, mas digo aqui. Bactérias drogadas, bêbadas. Fizeram uma viagem
lisérgica e nunca mais voltaram.
Recentemente
cientistas bisbilhoteiros descobriram que as bactérias são compartilhadas em
família. Aquilo que ainda se chama assim. Pais e filhos, cachorros, gatos e
papagaios trocam bactérias entre si, transformando-se numa pequena Babel destes
bichinhos a conviver em saudável alegria. A casa em que vivem fica empesteada.
Eis a descoberta maior do estudo: se a tal, vá lá, família se muda para outra
casa, em poucas semanas as bactérias colonizam o novo ambiente. É como se as
coisas mais banais como seu celular, fossem se bacterializando como você.
As bactérias
vão no caminhão de mudança, de mala e cuia, e deixam um rastro de marcas
biológicas com registros inequívocos de sua passagem e, horror dos horrores,
com traços de seu dna enganchados nelas. É lógico supor que imediatamente se
descobriu fins investigatórios detetivescos nessa descoberta. Muminhas diminutas
ou esqueletinhos arqueológicos destas ficam no caminho ou nos endereços por
onde se passou e dali se pode dizer – como o faziam os peles vermelhas
cheirando o ar, colocando o ouvido no chão – quem, quando e quanto tempo viveu
no tal local.
As mãos das
pessoas são o veículo de compartilhamento das bactérias familiares. Fala-se,
por dedução daquela lógica forense, de uma nova impressão digital. Suas
bactérias são você ou o que você pensa que é... literalmente. Além da parecença
genética, nosso parentesco familiar pode ser visto na palma da mão. O único
lugar onde você pode saber que você é você e não um amontoado de bactérias
compartilhadas é no nariz. Os pesquisadores cutucaram o nariz – espero que não
publicamente – e ali se viu escondidas bactérias que sugerem uma
individualidade. Então você já sabe, sua decantada unicidade como ser está
dentro de seu nariz.
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