domingo, 5 de julho de 2015

Orelhão-humano



Clientes falam em celulares acorrentados a um guarda-sol em barraca de "minutero", vendedor de minutos em ligações telefônicas. As correntes servem para evitar roubo dos aparelhos desses típicos personagens das cidades colombianas.
Fonte: Rodrigo Bertolotto. Do UOL, em Leticia (Colômbia) (04/07/2015)
Costumava-se dizer que a necessidade é a mãe das invenções. Na América Latina e alhures, a pobreza é a mãe da esperteza e da sobrevivência.
“Um poquito mas allá. Muy bien. Puede hablar, pero no demasiado fuerte.” O falante era orientado pelo “minutero”, uma nova profissão que a tecnologia pariu. Não exatamente a tecnologia. A falta de oportunidade. Com o celular à mão e este amarrado por uma corrente firmemente agarrada à roupa do vendedor, o usuário despacha o falatório.
Outros acorrentam o celular a um paraguas gigante, daqueles de piscina. É para o caso do falante esquecer-se e levar o celular por engano, coisa difícil de acontecer, mas nunca se sabe. A ideia antifurto é genial, pois não? É um tanto inconveniente por um guarda-sol no bolso. Vá lá, mesmo carregar debaixo do braço para andar por aí ou, pior ainda, correr para evitar que o minutero, justamente, queira o celular devolvido.
Apesar da orientação do minutero ao falante, parece um tanto complicado fazer uma ligação e manter a privacidade. Até porque tudo isso acontece no meio da rua e em locais movimentados, posto que negócio escondido não vende. Assim que o usuário deste inacreditável serviço deve se valer de alguma artimanha para guardar sua intimidade, pois o falante vizinho, não raro, dez ao redor, acabe por prestar mais atenção à sua conversa do que na dele.
Falar intimidades de amores calientes, então: Mi amor, dime cosas calientes com tu boca roja. Muy dificil, pues. O negócio é falar por código. Fulano, sabe aquilo? Aquilo, lembra? Aquela coisa que a gente combinou. Como? Não sabe do que estou falando? Não posso falar claramente. Entendeu? O outro lá vai continuar sem entender porque é tanso em captar o código morse de palavras do seu amigo.
Pode-se falar apenas usando emoticons. Boa pedida. O danado é achar todos para expressar o que se quer dizer. Tem a vantagem de ser silencioso, mas a desvantagem de que a interpretação das carinhas não é exatamente uma unanimidade. Como é, aquela carinha era um riso? E como é que eu ia saber, pois parecia alguém com dor de barriga. Aquela nuvemzinha não era pum, mas alguém que saiu muito rápido do local. Aí você está querendo demais!
Os minuteros estavam fazendo a festa. Um sujeito começou sozinho, mas com dez celulares amarrado à cintura, estava difícil administrar o empreendimento. Colocou a mulher, o filho, o irmão e o cunhado mala. A família inteira minutera. Mas há neste comércio, diz o governo, uma distorção da telecomunicação nacional. Mais grave, bandidos descobriram o anonimato dos celulares dos minuteros. Nem se dão ao trabalho de disfarçar a voz para extorquir, cobrar supostas dívidas e mandar recado para familiares de gente sequestrada. A guerrilha FARC descobriu o nicho para suas comunicações secretas. Tudo isso sob o manto do populacho falador e o baratinamento das forças secretas governamentais. Os minuteros também são acusados de contribuírem com seu trabalho subversivo para o aumento do adultério, pois os amantes estão se esbaldando, enquanto seus celulares ficam longe da bisbilhotice dos companheiros e companheiras. 
Mas vida boa de pobre dura pouco. Estão se descabelando porque com o Whatsapp o povo tá falando menos e dedilhando horrores. Os celulares que usam são da geração olha a hora, disca o número. Os smartphones são a verdadeira ameaça, porque do governo desmancha-prazeres o sindicato dos homens-orelhão já está enfrentando. Aqui é um termo genérico, há também mulheres no ofício. Os colombianos ainda não descobriram que existem homens sapiens e mulheres sapiens, como descobriu a Dilma, assim bem separado e cada qual no seu quadrado para não confundir. O que soa válido, pois o mundo está meio louco nas definições de gênero e aquilo que você vê e pensa que é uma coisa, é outra. Estão aí Romário e Ronaldo (ex) Fenômeno que não nos deixam mentir.

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