Descobri o
livro numa coluna do Felipe Pondé (19/01/2015), articulista da Folha de São Paulo.
Não sei se por sinceridade ou para vender o livro, ele se derramava em elogios,
afinal, como formador de opinião, sua apreciação de uma obra tem peso.
Desconhecia a obra, mas como apreciador do tema, não tive dúvida em comprá-la.
Pondé se
mostra entusiasmado. Em suas próprias palavras: “Seu livro (o autor tem vários
sobre o tema) tem outra grande qualidade, além de ser escrito por um cara que
entende do traçado. ‘Como Jesus se Tornou Deus’ é gostoso de ler e não serve
apenas como objeto de culto para iniciados. Qualquer pessoa que aprecie o tema
e tenha o hábito da leitura vai aprender muito e se deleitar com ele.”
Então descubro
o sr. Bart D. Ehrman, especialista em Novo Testamento e História do
Cristianismo Primitivo. Professor de Estudos da Religião na Universidade da Carolina
do Norte. Também se define como ex-cristão e agora agnóstico.
Sobre sua
profissão de fé (ou não fé), nenhum problema. E é verdade que se apoia em muita
informação reconhecida na academia. Em vários momentos sinto que ele pisa em
ovos. Afirma não poucas vezes que muita coisa sobre Jesus, em particular sobre
sua deidade que ele tenta destrinchar com suas ferramentas históricas, não pode
ser afirmada ou negada por um historiador. Talvez uma sensação de honestidade o
persiga. Mas nem tanto.
O texto de
Ehrman está cheio de palavras como “possivelmente”, “provavelmente” e
afirmações equivalentes a essa: “reconstruir da melhor forma possível o que
provavelmente (olha a palavra outra vez) aconteceu no passado, com base nas
evidências sobreviventes, e admitir que existem muitas coisas que não só não
sabemos, como também não podemos saber em termos históricos” (p. 234). Não que
ele devesse mostrar provas contundentes do que pretende provar, mas essa
espécie de mea culpa fragiliza
enormemente a tentativa do autor e o joga numa vala de especulações.
Há trechos de
interpretação totalmente subjetiva. Entre tantos, ele afirma: “Para Lucas,
porém, parece que o corpo ressurreto de Jesus era simplesmente o cadáver
reanimado” (p.245). Ele não explica de onde retirou essa interpretação nem
tampouco em que se baseou.
Ainda sobre
Lucas afirma: “Possivelmente (de novo a palavra que é um pé em falso) ele
(Lucas) inventou essa narrativa.” (p. 279). Aqui ele comenta – não sem jogar
dúvida sobre autoria do livro de Atos a que se refere assim: “o autor do livro
de Atos – vamos chamá-lo de Lucas...” – sobre a ascensão do Senhor que Lucas
descreve em Atos com detalhes e coloca no lugar um grande grupo de testemunhas.
Então ele relembra ao leitor de que Lucas, em seu Evangelho, já havia se
esforçado para descrever um Jesus ressurreto que comia pão e peixe.
Sobre a
ressurreição de Jesus o doutor não chega nem a ser criativo e original. Sua
teoria está muito próxima dos muçulmanos que consideram Jesus como um profeta,
porém negam sua divindade e ressurreição, e explicam, entre outras coisas, que
ele não morreu de fato, portanto não ressuscitou. Tudo não passou de histórias
que foram inventadas e que ganharam versões e acréscimos ao longo do tempo e
foram, muito depois, escritas no que nós chamamos de Evangelhos.
Sobre Paulo, acerca
de quem ele é mais comedido na crítica, pois segundo afirma, não há dúvida
quanto à sua existência e autoria de várias cartas, mas não todas as que
compõem o Novo Testamento, diz: “Paulo escreveu a carta aos romanos para
angariar apoio para sua missão.” Nas duas situações ele não se digna a citar
fontes históricas ou nem afirmações de outros pesquisadores. No caso de Paulo,
apenas sugere que o conteúdo da carta aos romanos indica que aquela era a
intenção do Apóstolo dos gentios.
O livro é
massudo (492 págs de texto) e, sim, Pondé tem razão, o autor não é pedante –
preocupa-se em traduzir os termos técnicos – e a leitura é agradável. Contudo,
a um razoável conhecedor da Bíblia e mesmo a um estudioso diletante de teologia
que nem eu, fica claro que o autor manipula o texto bíblico no qual se apoia
sem fazer a mais reles conexão com outras passagens, regra básica de estudo do
livro Sagrado. Mas o objetivo dele é explicar que Jesus se tornou Deus porque
as pessoas acreditaram assim, apenas isso.
O livro vale a leitura? Eu diria que vale, pois
há algumas boas informações do período histórico no qual Jesus viveu. Para mim,
no entanto, Bart Ehrman, em seu objetivo de mostrar que Jesus só se tornou Deus
por contingências especiais e uma fé cega de seus seguidores, falha
fragorosamente em seu intento.
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