Tradicional
compilado de atos técnicos e burocráticos, o "Diário Oficial" da
União teve seu toque de sensibilidade na edição de ontem. Em uma portaria
assinada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, apresentou o conceito de
"amorosidade".
Fonte: Folha de São Paulo (Johanna Nublat, de Brasília.
21/11/2013)
A
ouvidoria central estava atulhada de reclamações naqueles dias. Na semana
anterior, o Diário Oficial publicara um princípio que doravante regeria as
ações da política nacional de educação popular em saúde. Era uma tal de
“amorosidade”. Alguns dicionários definiam a palavra, lacônicos assim:
qualidade do que é amoroso. Convenhamos, não dizia muita coisa. Ao
desconhecedor dava na mesma, mas havia ali uma pista. Ser amoroso era até fácil
saber o que é.
Para
chegar a este primor de paradigma, o Conselho Nacional de Saúde debatera o tema
por anos. E definiram tanto o termo como a política que ele inspiraria. Amorosidade
significa “a ampliação do diálogo nas relações de cuidado e na ação educativa
pela incorporação das trocas emocionais e da sensibilidade, propiciando ir além
do diálogo baseado apenas em conhecimentos e argumentações logicamente
organizadas.” Sim, você sentiu cheiro de tolice, palavrório, marmotagem.
A definição da política parece tão
escalafobética quanto a amorosidade mesma. É a glorificação das meisinhas, das
simpatias e artes mágicas e benzimentos? É barato, já está pronto e testado,
agora é só ensinar ao povo do “mais médicos”.
O
inusitado para a ouvidoria era que não recebia mais reclamação de maus tratos,
descaso e os maus bofes dos servidores. Não havia um erro médico sequer. Era
excesso de carinho e de amorosidade de que o povo se queixava. As equipes de
saúde das clínicas e hospitais foram pegas de surpresa. A prática da
amorosidade seria obrigatória. Ninguém dizia exatamente como. Você, leitor,
sabe como se dá amorosidade pros outros? Um disse: meu coração num vai guentar!
Uma mais assanhada queria saber: com ou sem sexo? E quem era que sabia?
Uma
senhora, estupefata, dizia que o enfermeiro, depois de um curativo, tascara-lhe
um beijo na boca. De língua, arrematou. Estava indignada porque esperou pela
segunda bocaça que não veio. Requeria o tratamento completo, sob pena de acionar
o Ministério Público por desídia do profissional que a deixou no vácuo.
Um
homem reclamava que sua mulher o esconjurou e pedia o divórcio porque chegou
justo quando a enfermeira lhe abraçava de forma lasciva, assim entendeu. Mesmo
imóvel, outras partes ganharam vida e ele protestava inocência. Inquirida, a
enfermeira disse que apenas seguia o protocolo determinado pelo SUS. Ela mesma,
se pudesse, não abraçava nem beijava ninguém, mas era seu sustento e apenas
seguia ordens. Que não sabia como demonstrar a tal da amorosidade se não
daquele jeito.
Com
ou sem preliminares? Preliminares? Um monte de gente não sabia o que era
aquilo. Eu só pego na mão, reclamava uma solteirona “misandrópica”. O sindicato
manifestou-se contra esta amorosidade excessiva. Temia dst’s e gravidez
indesejada. Tinha que ser amoroso todo dia? E nos dias de mau humor? O ministro
não queria saber. A amorosidade era para todos e todo dia, da uti à recepção.
Da atenção básica à alta complexidade.
Para
além das logorreicas definições, os servidores se apegavam apenas à definição
de amoroso: que sente amor; terno; carinhoso, meigo. Propenso ao amor. Se era
isso tudo, não havia como ser amorável se não com atos concretos, pois se na
tal política recomendava ir para além do diálogo, quer dizer, a sugestão clara
era para se deixar de lado os entretantos e se se ir direto para os
finalmentes.
O Ministro da Saúde que chancelou a patacoada toda se viu espremido
pelas críticas e correu para dar explicações que, naturalmente, só pioraram as
coisas. O fato é que o povo não estava preparado para tanto amor assim.
PS. A ilustração é do Alpino
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