segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Censura ao Corpus Christi

Olha que coisa! Recebi um email de um amigo preocupado com um filme chamado Corpus Christi que supostamente estaria prestes a ser lançado no Brasil. Uma corrente de nomes abaixo do texto explicativo, incluindo este amigo, chegava a 634 nomes, eles precisavam de 750 que seriam remetidos a um obscuro homasg@softhome.net. Esta corajosa manifestação contra o que julgavam uma blasfêmia, afinal no suposto filme Jesus era retratado como gay e haveria cenas em que fazia sexo com os discípulos, engrossariam um movimento contra a exibição do malévolo filme nesta Terra de Santa Cruz e até em outros países, dizia o texto.
Não embarquei na lista, nem me alistei na cruzada para libertar a terra santa e proteger os melindres de fés sensíveis. Para minha surpresa, utilizando o oráculo Google, logo na primeira página deparei-me com vários sites e blogs em que se dizia que o filme NÃO EXISTE.  No jargão internetês, é um hoax (boato) e centenas de pessoas caíram neste conto do vigário aqui e alhures, apenas porque não se deram ao trabalho de checar.
O que existe? Em 1998 foi encenada uma peça com o mesmo título, na Brodway, Nova Iorque, EUA. Que sim, apresenta Jesus como líder de um grupo gay. Desde então a lenda ganhou vida. O autor, Terrence Mcnally, de quem nunca se ouviu falar além desta ousadia tola, continua no limbo artístico e até onde apurei, não há a menor chance do filme ser produzido. Talvez porque a “obra” seja muito, muito ruim e o tema, para além de causar pruridos em alguns, não convenceria muita gente a ir ao cinema. Acho que nem os gays o utilizariam como bandeira de suas causas.
Expliquei ao amigo minhas razões para não me alistar neste tipo de tática de guerra santa. Aqui ampliados.

  1. Tenho horror a qualquer tipo de censura. No meu entender isso vale para qualquer assunto, preservando-se, é claro, os espaços dos outros, as indicações de idade e todos os dispositivos que numa sociedade democrática se utiliza para preservar o convívio em comunidade.
  2. As produções artísticas, sejam elas quais forem, que se utilizam de temas explosivos como a fé, a sexualidade, o sagrado, revelam, na maioria das vezes, falta de criatividade do(s) autor(es). É o caminho mais rápido para a notoriedade que eles nem em 500 anos de vida terão. Desde que o mundo é mundo que aparecem estes tipos. Bateu escassez nas ideias, basta sapecar uma aberração pra cima de Deus ou Jesus, Maomé. Taí o Saramago, do alto de seu Nobel, que não me deixa mentir.
  3. 3.   A atitude, que até considero sincera, de quem assina listas e tenta este tipo de censura, é infantil e ditatorial, o que é quase um pleonasmo. Apenas reforça e dá vida ao que não tem, a saber, a obra considerada blasfema. Aliás, é justamente esta reação que os criadores esperam. Sem os ofendidos, não há divulgação. Veja-se o ridículo Je vous Salue Marie nos longínquos anos 80 de ninguém menos que o afamado Jean Luc Godard.
  4. 4.   A tentativa de proibir fere a liberdade de opinião, criação, manifestação, pedra de toque da sociedade ocidental democrática. A se levar a cabo este tipo de coisa, quem o faz iguala-se aos mais mesquinhos regimes ditatoriais que ainda existem no planeta. Cristianismo, em meu entender, rima apenas e tão somente com liberdade, embora algumas de suas representações, desgraçadamente, tenham patrocinado alguns dos mais hediondos regimes e/ou tenham tomado atitudes erradas com as liberdades civis. Aliás, toda intenção de impor uma verdade torna-a doentia e produz todo tipo de aberração.
  5. É de se perguntar. Em que mesmo esta obra, caso existisse e fosse exibida no Brasil, afetaria a fé dos que creem? A igreja, aqui em seu sentido mais pleno, sofreria o quê mesmo em sua integridade? A resposta é nada. Tampouco o filme levaria mais gente para o inferno. No máximo, ocuparia a grade de horários nos jornais – ou páginas inteiras, caso sofresse bloqueios histriônicos.
  6. Outra razão. Não vivemos num regime teocrático, como no Irã. Somos uma sociedade laica – Graças a Deus – e a despeito de nossas certezas, outros carregam as suas e tem tanto direito quanto nós de afirmá-las. Nós não os combatemos, nós somos e é neste tornar-se/ser que espalhamos a verdade em que cremos que, evidentemente, não se ilumina na repressão ao que quer que seja, mas na manifestação da Graça e da Misericórdia. 

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