sábado, 7 de novembro de 2009

Entre a minissaia e a Marcha para Jesus

O país inteiro assistiu surpreso ao que aconteceu na Uniban, uma universidade particular em S. Paulo. Uma aluna, Geyse, 20, foi assistir aula com uma microssaia, se assim preferirem. Não se sabe como, a peça de roupa detonou – a palavra aqui tem que evocar algo explosivo – uma onda de fanatismo, intolerância, hostilidade que envolveu, segundo contam, professores, cerca de 700 alunos e até os seguranças da instituição de ensino.
O episódio é revelador do comportamento idiossincrático das pessoas nesta sociedade que se gaba de ser liberal, sem preconceito e outros epítetos com que as pessoas gostam de se intitular. Só para constar. A faculdade referida não faz parte de um complexo religioso fundamentalista. É laica, dizem.
A sociologia e a psicologia explicam. Como uma manada estourada, não há mais razão porque correm, nem para onde, apenas correm. Há um efeito tipo “siga o líder”. Um véu se instala no centro de processamento do raciocínio e de escolhas, os lobos frontais. Uma afirmação dita ganha peso de verdade incontestável, faz todo sentido naquela circunstância, daí para a ação pertinente, violenta ou não, é um pulo.
A notícia circulou rapidamente e logo todos acreditavam que a minissaia era, sim, uma das maiores afrontas morais, sexuais, um atentado à dignidade humana, feita às pessoas naquele lugar. Os nossos preconceitos, por mais descolados que sejamos, estão todos debaixo do rabo. Aqui numa alusão à nossa condição primitiva. A todo o momento pedem para sair, mas as convenções sociais, morais, educacionais, nos impedem, se temos tempo suficiente para pensar. Do contrário, um centro de ensino superior, lugar do cultivo de coisas elevadas, se torna num piscar de olhos, em algo próximo de um campo de reeducação chinesa, um gulag ou, no limite, num campo de concentração.
Pensar o contrário da turba exige uma quantidade de energia incomensurável. Pede esforço hercúleo. Subjaz a este tipo de oposição, crescimento pessoal, firmeza de caráter e opinião, espiritualidade sensível, empatia pelo outro, coisa de cultivo pessoal ao longo de anos e nem isso garante nada. A história está cheia de casos assim, cujo exemplo mais eloquente e verdadeiro laboratório é a Alemanha no período do 3º Reich. Toda a sociedade foi colocada em cheque. A igreja cantava Glória a Deus sob o manto do estandarte nazista. A maioria absoluta delegou a outros sua capacidade de pensar, julgar, comparar e escolher. Daí porque se ouviu muitas vezes nos tribunais: Eu só fiz o que me mandaram.
Ninguém escreveu melhor sobre isso do que Hannah Arendt. Ela cunhou a frase lapidar: a banalidade do mal. Noutras palavras: o demônio, devidamente maquiado, não é tão feio. Ainda mais se se ganha algo em troca. O filme “Um homem bom” tenta explorar esta vertente que “O Leitor” logra demonstrar de uma forma quase chocante, pois nos coloca o dilema de que a pessoa acusada não sabia ler e era uma simplória.
A despeito da recente Marcha para Jesus, patrocinada pela Igreja Renascer, cujo casal de líderes saiu recentemente de prisões americanas, por tentar entrar no país com dinheiro não declarado, inclusive dentro da Bíblia. O tema da Marcha era a derrubada de gigantes, que seus patrocinadores habilmente manipularam para comparar ao preconceito e perseguição que eles, supostamente, alegam sofrer. Trago este tema à baila porque um estudante da Uniban comparou a turba enlouquecida a, em suas próprias palavras: "Parecia uma igreja evangélica cheia de fanáticos. A hipocrisia era igual." Os promotores da Marcha queriam também combater o que eles julgam ser uma visão distorcida dos evangélicos no país. Parece que precisarão de muito mais que Marchas ufanistas.
Jesus também enfrentou fanáticos de sua própria Uniban judaísta. A turba, composta de jovens e velhos, exigia que ele julgasse uma mulher pega em flagrante adultério. Atirada ao chão, jazia a mulher. Eles, pedras nas mãos. Estavam certos que a lei seria obedecida de forma irrestrita. Quem poderia resistir à Lei sagrada que mandava apedrejar este tipo de escória? Era uma armadilha para Jesus, mas também os carrascos precisavam aquietar suas consciências com a aprovação do Rabi. A Lei era a verdade, mas se vivia tempos estranhos, verdades concorrentes, misticismo, política e religião abraçadas como se fossem irmãs siamesas; dinheiro e venalidade religiosa praticada à luz do dia sob mantos sagrados; ignorância e fanatismo cultivados como escorpiões nos corações das massas sempre prestes a fazer qualquer coisa, bastando que alguém dissesse “isca”.
Os preconceitos e, acrescento, pecados, estão debaixo do rabo, lembram? Precisam que se lhes chamem pelo nome, se lhes exponham para serem exorcizados à luz da verdade. Senhores, quem não tem pecado dentre vós que atire a primeira pedra. Mãos tremeram, lábios crisparam, as pedras foram apertadas com força. Era o impacto do confronto com as palavras de Jesus. O mundo deu uma volta com eles, como um carrossel. Os músculos retesados afrouxaram, as pedras caíram rente ao corpo das mãos inertes. Os pés hesitaram por momento para sair, por vergonha, muitos estavam absortos em seus pecados que lhes vinha à mente como ondas.
Mas eles sempre voltam com suas pecadoras. Acusam, escondem suas misérias sempre lustradas, debaixo de roupas vistosas e cabelos impecavelmente ensebados. Autenticam sua fúria, anônimos na turba. Adoram as luzes dos holofotes, são, diria Judas, recifes submersos à espreita de navios desavisados. Agora já não acusam tanto, porque alargaram a porta e pecador é só aquele que não lhe presta culto, de preferência em forma de dinheiro.

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