Depois de quase um mês do desaparecimento e de inúmeras buscas pelas ruas do bairro e no canil municipal, além de anúncios em rádios e jornais, uma estudante de biologia de Franca encontrou, por acaso, seu cachorro morto num laboratório de anatomia da universidade em que estuda.
Folha – Ribeirão Preto 28/10/09
“Procura-se por cão de cor branca com manchas pretas. Sem raça definida. Pelagem curta, cotó, olhar esperto e afável. Chama-se Perré. Quem encontrá-lo, favor ligar para o número abaixo. Excelente recompensa.”
Perré sumira três dias antes e ao longo de todo o mês, o anúncio foi divulgado no jornal local. Fotos de Perré foram espalhadas por quase toda a cidade. Nos postes, claro, vai que um amigo dele na hora de fazer uma necessidade visse... Até um anúncio na TV foi veiculado. Nem um telefonema. Nem trote. Marcinélia estava entre abatida e, às vezes, eufórica. A falta de notícia dava-lhe a esperança de que, sendo Perré um cão tão especial, de temperamento agradável, ativo, inteligente, alguém poderia ter caído de simpatia por ele e, por suposto, guardava-o em casa, daí porque não tinha notícia.
Por via das dúvidas, Marcinélia checou se havia alguma colônia de coreanos ou chineses, já que cães costumam visitar a mesa destes povos. Como prato principal, bem entendido. Mais aqueles que estes, embora, na tentativa de alimentar seu 1.2 bilhão de habitantes, este mimo de muitas casas visite as mesas chinesas mais vezes do que seria esperado, considerando-se apenas a cultura. O negócio deles é rato, ovo podre, escorpiões, grilos, cobras. Mas estamos no Brasil, e aqui estas comunidades não costumam beliscar os caninos. De todo modo, não havia comunidades asiáticas nas redondezas.
Marcinélia estava inconsolável – quem já perdeu um cãozinho sabe disso. Não era só um bicho de estimação. Pet para os mais globalizados. Perré era da família. Seu aniversário era concorrido. Ai dela se esquecesse um parente, era intriga na certa.
O pior de tudo é que Perré se foi sem deixar nem um bilhete, um descendente sequer. Havia planos com a cadela de uma tia solteirona, mas antes que o amor canino se consumasse, Perré sumiu. Será que era medo do compromisso? Se a futura fêmea puxasse à dona... Ademais, criar uma ninhada não está fácil. Leite caro – os filhotes de hoje já nascem com defeito de fábrica, é raro o que não tem uma alergia a alguma coisa. Depois viria escola, inglês, esporte e o diabo a quatro. Sem contar que nestas relações voláteis de hoje, um divórcio deixa o sujeito segurando as calças, se não ficar só de cueca. Experimente, mesmo por motivo justo, esquecer a pensão. É carrocinha na certa. É de se dar um desconto a Perré, ou não?
Amante de animais, Marcinélia, fazia veterinária. Um mês depois, ainda sob o impacto da perda, foi a uma aula de anatomia. Dentro de um vidro de formol, pronto para dissecação, estava Perré. Marcinélia, coitada, desmaiou. Recuperada, explicaram. Foi suicídio. Perré se atirara na frente de um carro, contou o chefe do setor. Foi levado ao hospital ainda com vida, mas não resistiu. Seus últimos ganidos deram entender à equipe que ele queria doar seu corpo para salvar a vida de outros cães. Marcinélia chorou mais uma vez, agradecida por ter conhecido um cachorro tão nobre. Dentro do vidrão, Perré seria (quase) eterno. Ela não o perdera afinal.
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