Depois de
assistir ao filme do diretor grego Alexandro Avranas – Miss Violence, 2013 –,
esqueça a ideia de violência hollywoodiana com efeitos especiais espetaculares,
com explosões ou litros de sangue arrancados do corpo em cada tiro dado. Como
nos personagens do Tarantino. Basta lembrar Django Livre, sem contar os Kill
Bill. No caso desse diretor, o sangue jorrando é uma linguagem estética,
exageradamente proposital.
O suicídio de
uma criança de onze anos é o ponto de partida do filme. Ela se atira da sacada
da casa no dia de seu aniversário. Morre com um sorriso no rosto. O fato em si
seria suficiente para destroçar uma família, não a família personagem. Ao
contrário, há um esforço incrível em manter esta morte no limbo.
O espectador
tem esse primeiro mistério, mas a própria família é outro mistério. O pai de
meia idade – único provedor da casa –, a mãe – uma mulher com cara de cansada
da vida, cujo olhar sugere uma enorme indiferença com tudo ao redor. Seu
passatempo predileto é assistir documentários de animais. Uma filha adulta
ainda jovem, mãe de três crianças, inclusive a que se suicidou e uma
adolescente. Sobre esta personagem não há qualquer informação. Ela perambula
pela casa, vigiada para não chorar ou mostrar qualquer sentimento de perda pela
filha morta, mesmo quando é visitada por uma vizinha.
O pai é uma
espécie de demiurgo daquele mundinho oprimido. As pessoas quase não se falam
entre si. Os olhares, as ações comedidas, como se cada um, menos o pai,
pisassem em ovos. Há algo de terrível naquele lar. O homem se esforça para
manter uma normalidade: assistir TV ao lado da esposa, jantar em família,
alguma fala banal sobre as crianças que lhe chamam de avô e que por ele são
educadas com rigidez excessiva.
O ar é
sufocante. Tem-se a sensação de vertigem, como quando se espera um
acontecimento ruim. Mas quando e onde? Ao mesmo tempo o mal e a violência estão
ali, na cara do espectador. O diretor, com maestria, mantém o espectador
ignorante, embora se suspeite que algo está errado. Medo, submissão, prisão
emocional são boas pistas, mas apontam para onde, já que há uma normalidade medíocre
como tantas outras? Aos poucos, a história vai clareando. Parece que se é
arrastado para conclusões aterradoras de que ali, sob o manto da vida comum,
espreitam dois dos maiores tabus de nossa sociedade: incesto e pedofilia.
A certa altura,
o diretor escancara com duas cenas: a adolescente que se veste no banco de trás
do carro que ainda é esmagada pelo pela fala de desprezo do pai(?) avô. A porta
de um quarto que se fecha na casa de um amigo do avô com a filha mais jovem que
restou.
A mãe, a
envelhecida mulher, carrega um ódio que se torna ainda mais impressionante pelo
enorme esforço que a levou a controlá-lo como se levantasse um caminhão com um
dedo. A filha tonteia de um lado para o outro, alguém que se perdeu e virou um
molambo sem vontade. A única que ainda tenta se afirmar, não sem sofrer
represálias, é a adolescente.
A cena mais
reveladora. No fim de mais um dia, o “bom” homem chega depois de um dia de
trabalho. A mulher, com a frieza de sempre, limpa cuidadosamente uma colher com
um pedaço de flanela. O homem puxa conversa, abre um pote de sorvete. A mulher
resmunga respostas. Outra colher. O homem come o sorvete. Uma pequena faca é
esfregada com precisão. Termina de comer e diz que vai deitar. Outra faca
enorme é limpa, mas sem o cuidado anterior. O homem olha, entre admirado e
curioso. Os utensílios são colocados metodicamente um ao lado do outro.
O desfecho da história se
pressente como um bote de serpente prestes a atacar sua presa. É como se não
fosse possível outra saída ou para onde aquele ódio da mãe iria?
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