quarta-feira, 18 de março de 2009

Para que nos serve um milagre?


Sentado atrás de sua mesa, o velho pastor, calejado por anos de experiência no mundo pentecostal, já havia visto de tudo. Perguntei-lhe sobre um estranho acontecimento ocorrido dias antes diante de milhares de pessoas numa cruzada que sua igreja promoveu. Pastor, e aquele milagre do homem que andou ao sair de sua cadeira de rodas? Ele fez um ar desolado e disse: Oh, meu irmão... Demorou-se por momento, como se procurasse uma resposta e por fim completou: Aquele homem (o que andou) eu conheço há muitos anos, ele anda. Tem uma doença que dificulta o andar normal, por isso tem a cadeira, mas anda. Não sei como terminamos a conversa. Ele era muito discreto e estava visivelmente constrangido porque o pregador daquela noite era muito conhecido, homem de destaque, missionário, experiente em pregar por diversas partes do mundo.

Quer dizer, o “milagre” foi uma espécie de ópera bufa, de um pregador em decadência tentando de todas as formas legitimar sua fala, dar-se importância, mostrar que Deus ainda agia por seu intermédio. Esta história tem quase 20 anos.

A diferença entre este relato e os homens e mulheres na mesma posição hoje, é que estes são infinitamente mais ousados. De fato, quase nenhum evento dispensa, em sua chamada nos meios de comunicação, a palavra milagre. É como um chamariz, açúcar para moscas. Não fazê-lo é correr o risco de não ter público, porque não há nada melhor para agitar um destes rega-bofes religiosos do que um milagrezinho. Quem não os faz, ou, os mais comedidos, que apenas sugerem ser o canal pelo qual eles acontecem, não está com nada.

A palavra milagre foi absorvida pelo nosso dia-a-dia. Assim, sofre distorções, exageros e é banalizada. O teólogo e escritor R. C. Sproul comenta: “O termo milagre tende a ser usado levianamente hoje em dia. Um gol no futebol, uma situação em que se escapa ‘por um triz’, ou a beleza de um pôr-do-sol são rotineiramente chamados de milagres.”

Nas versões evangélicas (ou tidas como) mais vistosas no Brasil, transformaram milagre em arroz de festa. Em seus eventos contam-se aos montes. Eles estabeleceram um padrão em que muita gente está viciada. Afinal, a vida deles precisa é de milagres, não de trabalho, não de luta, não de entrega, não de devocional sincero, não de leitura temente da Escritura, não de palavra vivificadora, não de simplicidade e de serviço ao outro. Tão somente isto: milagres.

Tecnicamente, milagre refere-se a atos de Deus contrariando o que é natural. Mas porque, nestes tempos, se necessita tanto deles? Há dois tipos de viciados em milagres: os curiosos. Querem apenas satisfazer sua incredulidade e mesmo diante do inaudito, acharão uma forma de denegri-lo. Os fariseus e escribas fazem parte deste grupo (Mt 12.38,39); o outro grupo compõe-se dos débeis na fé, jamais querem deixar essa posição porque lhes é cômoda. Imaturos, nunca lhes chegará a responsabilidade, pensam. Em João 6 seguidores questionam Jesus: Mestre, quando chegaste aqui? E a resposta desconcertante: “Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes.” (Jo 6.25,26)

Jesus mesmo é nosso milagre. O Espírito Santo que O comunica, que presenteia Sua presença a cada qual que crê, é nosso milagre. Não precisamos de intervenções espetaculares de Deus para que entendamos quem Ele é. Tampouco Ele será mais forte, poderoso, glorioso se nos mima com milagres espetaculares, menos ainda se acontece sob a luz dos holofotes de pregadores megalomaníacos e personalistas. Não nos faz tremer o dito àqueles que fizeram tantos milagres e profecias e, no entanto, ouvirão do Senhor: Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade.? (Mt 7.23 – ARA)

Pobre de mim se tão somente crer porque recebo milagres. É como se vendesse minha alma por preço barato. Qualquer milagre, no máximo, altera as circunstâncias momentâneas para um fim específico, mas que dizer do que é eterno? Será que Deus mesmo se presta a este leilão? A Palavra já não é o bastante para comunicar a verdade, trazer à luz gente renascida? É preciso ser acompanhada por atos miraculosos para autenticá-la?

A espetacularização da fé cristã mata a fé, porque esta se alimenta da presença de Deus por meio de Jesus na vida do que crê. Onde acontece a vida? No dia-a-dia cheio de lutas, desafios, negações, dores entremeadas de alguns risos e nisso ela (a fé) se fortalece. A fé advinda porque vi um milagre ou fui alvo dele pode se esvair tão rápido ou ser transformada num amuleto.

Parece-me sugestivo que Elias, escondido dentro da caverna, veja um vento tão forte que quebra pedras, terremoto, fogo e em nenhum deles Deus estava. Ele aparece num cicio tranqüilo e suave e daí sua voz (1 Rs 19.11-13). Com milagre ou sem milagre Deus é e se se manifesta em simplicidade ainda aí será plena a sua glória.

Vem Senhor Jesus, com tua doçura e santa presença, apenas isso me é suficiente. Nada digas, nada faças, tão somente tua santa presença, teu olhar que me diz que me conheces e que por tua graça e misericórdia sou aceito tal como sou. Sê meu sustento, minha força para que eu suporte a mim e aos que caminham comigo e neste caminhar ganhe a tua face em mim porque fui salvo e redimido pelo teu sangue na cruz e aperfeiçoado pelo Espírito.

Nenhum comentário: