Primeiro
delator da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto
Costa citou em 80 depoimentos que se estenderam por duas semanas, entre agosto
e setembro, uma lista de 28 políticos – que inclui ministro e ex-ministros do
governo Dilma Rousseff (PT), deputados, senadores, governador e
ex-governadores.
Fonte:
Estado de São Paulo (19/12/2014)
Charles
Dickens criou “Um conto de Natal” com um motivo menos nobre do que se espera.
Endividado, escreveu a história em menos de um mês para quitar dívidas. Acabou
criando um clássico. Como estamos na semana do Natal, peguei-me imaginando se
os espíritos natalinos que visitaram o personagem Ebenezer Scrooge aparecessem,
assim para começar, aos 28 políticos apontados pelo Paulo Roberto Costa.
Antes dos
espíritos, os repórteres foram à caça dos indicados nesta incrível peripécia
para ouvir suas versões. As respostas foram aquelas de sempre. Tinha relações
apenas institucionais com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Nunca vi
tal senhor. Desconheço a delação. Todos os recursos usados em minha campanha
são legais. Tenho as contas aprovadas. Não fui informado sobre os detalhes da
acusação. Nego qualquer envolvimento com a Petrobras. Não acredito que minha
filha esteja envolvida nisso. Eu conheço o caráter da minha filha.
Mas, na noite
do Natal, daqui a três dias, os espíritos saíram de seu recolhimento para as
visitas agendadas. Encontraram alguns dos citados bêbados, o que inviabilizou
uma conversa produtiva. Foram sacudidos, assustados, mas bêbado já sabem, é
bicho sem qualquer censura, sem noção, sem educação e sem modos. Uma senadora
quis tirar a roupa pra distrair o espírito que a abordou. Os outros, deram
carteirada nos espíritos. O senhor sabe com quem está falando? Sou
ex-governadora do estado mais progressista do país. Sou ministro da República!
Dedo em riste, olhar de peixe morto, voz pastosa. Sim, tô cheio da viúva (veuve-clicquot), e daí? Posso pagar e até banhar se
quiser. Azar dos paulistas que não tem água pra banhar. Vão se catar, seus, seus...
sei lá.
Com estes foi impossível qualquer coisa. Os
espíritos desistiram. Alguns, mesmo para um espírito, foi difícil encontrar.
Estavam de jatinho pra lá e pra cá, fretados pelo notório Youssef. Achados, deram
de ombros e disseram: nada a declarar. A boca cheia de paçoca de peru recheado.
Não, declaro que me dei bem, mas foi por competência, trabalho e dedicação ao
povo. Sou um homem pobre. Minha única riqueza são meus eleitores.
Houve uns dois que, pegos de surpresa, tiveram
um ataque de sinceridade. O senhor foi um político mau, disse um dos espíritos.
Sim, fui. Meti a mão. Me locupletei. Faltei a montes de sessões e ganhei jeton
assim mesmo. Dei nota fiscal fria. Catei trocados de tudo quanto foi empreiteira.
Vendi apoio. Vendi voto. Comprei votos. Negociei desmanches de cpi. Chantageei
a presidente que, em troca, me chantageou também. Apoiei leis fajutas pra
ganhar emendas gordas pros meus currais eleitorais. Menti muito. Prometi e não
cumpri nada. Fui infiel ao meu partido, à minha mulher, aos eleitores, ao meu
pai, minha mãe, ao meu cachorro Pimpo.
Para, para, maluco! Os três espíritos ficaram
abismados. Sabiam que era político brasileiro que morre negando os maus feitos,
mas aquele estava meio que enlouquecido. Quanto foi a dosagem do pó de
sinceridade? Acho que fui eu que aumentei um tico assim, porque não estava
dando certo com os outros. A noite iria ser um fracasso total. Imaginem o que
diriam do outro lado? Corríamos o risco de sermos desmoralizados e ainda
perdermos nossa patente. Tudo bem, disse o outro. O problema vai ser fazê-lo
voltar ao normal. Mas político brasileiro não é normal sob qualquer ponto de
vista de se olhe, esse está apenas um pouco desviante.
Voltaram-se para o senador que estava
encolhido, amedrontado. O que vamos fazer com ele? Incutir a honestidade. Tipo
lavagem cerebral? Algo assim. Mas e se passar o efeito do pó da sinceridade? Aí
a gente volta pra noite do ano novo e aumenta a dose.
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