O fim do ano
só aparentemente é o fim de um ciclo. Precisamos disso para nos situar.
Funciona como um marco psicológico. Zeramos algumas coisas e temos a sensação
de começo, onde poderemos usar os erros e acertos para as novas/velhas experiências
que virão. É preciso fazer um balanço, dizem, e não sei se é só impressão, este
ano há uma ênfase nos sites e revistas os mais diversos sugerindo que as
pessoas façam avaliações, quase auditorias, sobre um sem número de áreas de
suas vidas.
Curiosamente,
os profetas de fim de ano, que obrigam as pessoas a olhar para frente,
apareceram pouco. Eles são uma espécie de diversão e figurinhas carimbadas que
ajudam a preencher os chatos jornais de fim de ano que repetem à exaustão as
mesmas pautas. Compras de última hora, presentes, ruas cheias, comidas,
decorações... Mas, onde andarão? Fugiram num circo mambembe?
No vácuo dos
agouros, especialistas em bobagens estão dando receitas para as pessoas
avaliarem suas vidas emocionais, a estética corporal, trabalho. Um perigo. A
maioria corre sério risco de fazer a passagem deprimida. Sim, olharão seu
desempenho e reconhecerão que foram medíocres em quase tudo e, pelo andar da
carruagem, vão repetir a dose na ficção temporal chamada 2015.
Hão de dizer
que distribuo azedume, como um papai Noel nefasto. Longe disso. Realista,
diria. O autoengano é uma das habilidades em que somos pródigos e muitos o
confundem com fé. Quantos não passaram o ano inteiro injuriados com seus
trabalhos? O salário mal seguiu a inflação que galopa a olhos vistos... nas
gôndolas de supermercados. Adiaram planos porque a grana insiste em continuar
curta. Pensaram em trocar o carro, que dá mostras evidentes de senilidade, mas
os sem juros que anunciam aos gritos, são uma piada involuntária. Uma espécie
de pegadinha.
Não faltam os
chatos do verão que insistem em dizer que você pode preparar seu corpo em
quinze míseros dias para desfilar de biquíni minúsculo com uma barriga tábua e
uma bunda protuberante e sem o hidrogel da Urach. Prometem aqueles músculos do
galã que os comprou em cirurgias estéticas. Mas você não sabe disso. Os galãs
agora são músculos ambulantes. Cérebro, capacidade de atuar, necas. São versões
toleradas do cigano Igor. Toneladas de hormônio para cavalos não lhe darão os
contornos definidos que inveja discretamente nestes zinhos por aí. Mas você
começou o ano com a promessa de uma vaga dieta à base de folhas e muito
exercício, mas foi protelando, adiando e quando se espantou, lá se foi o ano e
a barriga quebrada está aí a crescer com a comilança dos almoços e jantares.
A vida
sentimental variou de absoluta escassez a relações sem sal. O príncipe
encantado parece que se casou na Argentina com outro príncipe encantado. O
vizinho que te dava bola, mas era feio que doía, sumiu e quando apareceu era
assediado por três crianças e uma mulher com cara de poucos amigos. Menos mal
que você foi seletiva. O último namorado, assim, digamos, que passou de três
meses, faz um tempo tão longínquo que quase seria necessário contratar um
arqueólogo para identificar a era do acontecido. Ou pior, um legista para
exumar o corpo afetivo da relação.
Assim que,
talvez não seja uma boa ideia fazer esta retrospectiva. Quem sabe usar o
esperancômetro. Pensando bem, aquele olhar bobo em direção ao futuro quando
tudo parece possível, é melhor. Não custa um centavo, você esquece na primeira
semana de janeiro, não se culpa e não tem ressaca emocional.
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